O Caminho de Volta: Superação no esporte e na vida

O Caminho de volta

Apesar de se apoiar em clichês repetitivos, O Caminho de Volta cumpre sua proposta de usar o esporte como fonte de emoção, inspiração e superação.


Todos os anos o cinema é bombardeado com filmes de esporte que relacionam qualquer modalidade possível com alguma trama motivacional de superação. Algumas são adaptações de histórias reais (como é o caso de Rush), outros são contos que se inspiram nesses parâmetros que parecem fazer parte do dia-a-dia de qualquer atleta (como é o caso de Gol!). Parte desse segundo grupo, O Caminho de Volta é um desses filmes que abraça todos os clichês do gênero sem nenhuma preocupação, porque sabe que nenhum deles o impede de cumprir seu objetivo: ser um filme de superação esportiva honesto que sabe como manipular as expectativas do público fora e dentro das quadras.

O longa – que, assim como tantos outros, teve sua estreia nacional adiada por causa da pandemia e ganhou espaço na internet – conta a história de Jack Cunningham, um ex-jogador de basquete escolar que divide seus dias entre o trabalho como operário e o alcoolismo. No entanto, sua vida começa a entrar nos eixos a partir do momento em que ele aceita treinar o time de basquete da escola onde estudou e fez sucesso.

 

o caminho de volta

 

Como eu já tinha deixado claro na introdução, o filme segue o mesmo caminho de boa parte dos filmes de esporte. No entanto, isso não muda o fato de que ele funciona muito bem, principalmente quando está dentro da quadra. Ali, naquele espaço marcado por enterradas e viradas incríveis, O Caminho de Volta trabalha com o mesmo nível de emoção alcançado por qualquer outra produção que dialogue com essa ideia do time pouco competitivo que cresce quando um novo treinador entra em cena. A única diferença é que o uso exagerado de tais convenções narrativas dentro do texto faz com a direção seja obrigada a carregar o jogo nas costas, concentrando quase todos os acertos dessa “parte esportiva”.

O responsável, Gavin O’Connor (Guerreiro e O Contador), retorna às suas origens esportivas depois de comandar uns filmes policiais mais “brucutus” e mostra que não perdeu a manha. Atuando como o verdadeiro capitão de um  time, ele tem pleno controle do andamento da trama, da evolução emocional da música e, particularmente, do ritmo dos jogos. Algo que deve ser levado em conta, porque basquete não é um jogo fácil de coreografar, filmar e editar. Tudo acontece muito rápido e num espaço bastante reduzido, exigindo um pouco tanto da fotografia de Eduard Grau (Boy Erased), quanto da montagem realizada por David Rosenbloom (Aliança do Crime).

 

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Dito isso, vale deixar claro que as diversas maneiras como O’Connor e sua equipe escolhem controlar o tempo merecem algum destaque. Eles entregam ótimas passagens temporais, um bom uso da câmera lenta e alguns truques de dilatação temporal que criam tensão até mesmo naquelas sequências que o espectador já sabe o final. E, gostando ou não da proposta do longa, esse é o tipo de coisa que transforma o público em torcida e arranca boas vibrações quando aquela última bola escorrega plena pelo aro pra comprovar que é possível vencer.

Enquanto isso, no extremo quase oposto da narrativa, O Caminho de Volta concentra uma grande parte da sua atenção na vida pessoal do protagonista. E nesse lado da trama, ao contrário do que acontecia nas quadras, a câmera trata tudo com simplicidade para que o roteiro de Brad Ingelsby (Noite Sem Fim) tome conta do longa. É como se O’Connor acreditasse tanto na história que escolhesse ficar no banco, só ditando o ritmo em conjunto com a trilha de Rob Simonsen (Com Amor, Simon) enquanto o texto cumpre seu propósito de mexer com o público.

 

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É verdade que o roteiro não tem nada de muito inovador e até ajuda a arrastar o longa no primeiro ato, mas ele também acumula diálogos que transmitem verdade, faz algumas escolhas interessantes nas reviravoltas e guarda boas surpresas. Em outras palavras: por mais que seja bastante repetitivo ver um filme criar paralelos entre a superação do time e do seu treinador cheios de traumas e vícios, Ingelsby encontra um jeito de fazer essa dinâmica funcionar como um bom complemento para O Caminho de Volta.

Muita gente vai enxergar essa “metade do longa” como seu elo mais fraco e eu não tenho como discordar, porque todos os trechos envolvendo o time realmente tem mais garra e vontade do que a trama de Cunningham. Ainda assim, existe um motivo por trás das ações do protagonista e ele ganha força quando o seu principal trauma é exposto na metade do segundo ato. Uma escolha ousada que acaba diferenciando o filme e conduzindo-o para um final onde as quadras são apenas coadjuvantes.

 

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Um final que, mesmo abraçando convenções de gênero e abandonando qualquer possibilidade de presentear o público com uma reviravolta, faz questão de deixar claro que o filme não é sobre o jogo. Um final que segue as falas ditas pelo capelão e escancara que qualquer comemoração ou vitória pode ficar em segundo plano quando batem de frente com o verdadeiro objetivo do time: construir seres humanos decentes. Ou seja, ao contrário do que a maior do público talvez esperasse, O Caminho de Volta não é sobre um time de basquete se superando para ser campeão, e sim sobre como um esporte pode colocar um ser humano no tal caminho de superação.

No entanto, abandonar o basquete para falar sobre alcoolismo, luto e vontade de mudar de um jeito tão direta também pode contar como uma decisão razoavelmente ousada, já que silencia a vibração das arquibancadas e freia o andamento do filme justamente no final do último quarto. É o tipo de escolha que tinha tudo pra não funcionar, se Ben Affleck (Operação Fronteira) não segurasse as emoções do longa com muita dignidade, encontrando equilíbrio perfeitos entre o treinador raçudo que coloca o filme nos trilhos e o ser humano quebrado que se esconde atrás de um copo para não enfrentar seus sentimentos.

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Não dá pra cravar o quanto da experiência pessoal de Affleck com os vícios foi aproveitada na atuação, mas fica claro que o personagem se comunica com seu interprete de uma maneira bastante pessoal. É um daqueles papéis que ajudam a refletir sobre os seus próprios pecados e isso certamente influencia na forma como ele internaliza suas emoções com uma força que pode fazer o espectador cair no choro. Em palavras mais simples, isso significa que, mesmo sem derramar uma lágrima ou extravasar, ele conduz a emoção do público com maestria.

E, no final das contas, quando o placar é finalizado e as luzes da quadra se apagam, são esses detalhes que fazem a diferença. Jack deixa isso claro em um dos seus treinos e o filme segue as dicas com precisão, mostrando que um bom reprise da NBA também pode arrancar algumas emoções. Não posso, nem vou negar que O Caminho de Volta é simplório, repetitivo e até mesmo previsível (apesar das boas viradas, ele se arrisca menos do que poderia), mas também não dá pra ignorar que alguns momentos do jogo ajudam na construção de um filme de esporte sólido e honesto.

Um daqueles que, mesmo jogando várias bolas pra fora, acertam no alvo da inspiração e tocam o coração de quem está do outro lado da tela.

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