Crítica: Aquaman ganha uma origem digna de rei

Todo mundo já sabe de cor e salteado que o universo da DC tem passado por algumas dificuldades no cinema, graças as bilheterias aquém do esperado, aos longas cheios de problemas causados pela pressa e aos executivos que metem a mão onde não deviam. Com exceção de Mulher-Maravilha, todos os filmes passaram por alguma dificuldade perante público e/ou crítica, deixando o mundo dos heróis em risco. É nesse cenário turbulento e cheio de ondas perigosas que o Aquaman chega aos cinemas com duas missões importantes: se apresentar como um herói que vai além da piada e dar mais fôlego para o futuro da DC Comics nas telonas.

Com esses objetivos na cabeça e as histórias dos Novos 52 embaixo do braço, o roteiro de Will Beall (Caça aos Gângsteres) e David Leslie Johnson (Invocação do Mal 2) já acerta logo de cara quando escolhe o caminho mais seguro possível e decide fazer um filme de origem que consiga se sustentar sem referências ou tentativas bizarras de fugir da caixinha. Ou seja, o que vemos é basicamente um resumo biográfico da infância de Arthur Curry, sua atuação pontual como herói e o seu percurso para tomar seu lugar de direito como rei após seu meio-irmão, Orm, colocar em ação seus planos de destruir a superfície.

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Uma proposta que se encaixa perfeitamente na ideia de fazer o espectador conhecer e se apegar a esse novo herói que antes era visto apenas como uma fonte interminável de memes. Assim, apesar de não ter grandes surpresas, Aquaman prende a atenção através da construção segura do background do personagem e da mitologia que preenche não só Atlântida, como todos os reinos que compõem os sete mares em um filme acerta no tom, na mistura de gêneros e na aceitação de ser cartunesco sem nenhuma vergonha. Logo, quem viu Zack Snyder escolher um herói mais brutamontes para casar com seu estilo brutal pode acabar surpreendido por um filme tão colorido que, para nossa sorte, atravessa o limite do cafona algumas vezes.

No entanto, é claro que só isso não impede que o roteiro tenha seus problemas de estrutura, sofra com a química mediana os protagonistas (sim, Mera é uma protagonista) e se enrole na hora de lidar com a quantidade massiva de didatismo que um projeto como esse precisa ter justamente para apresentar todos os detalhes desse universo. E eu sei que pareço estar falando algo incoerente, mas é tudo uma questão de como essas informações, que são necessárias, acabam sendo usadas no filme. O segundo ato – trecho mais arrastado do longa – deixa isso bem claro quando se apropria totalmente do subgênero dos filmes de estrada para pular de cidade em cidade, criando missões de video game e explicando coisas importantes de forma excessiva.

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São minutos cansativos que não enfraquecem a trama por conta de dois elementos importantíssimos na criação rica desse universo: o elenco cheio de carisma e a direção avassaladora de James Wan (Invocação do Mal). Mas indo por partes, preciso admitir que o casting de Aquaman funciona como uma luva na proposta do longa. Jason Momoa (Game of Thrones), por exemplo, tem sérias dificuldades pra demonstrar emoções que fujam do lado brutamontes de Arthur, mas ganha imponência no decorrer da produção e se junta à Gal Gadot no hall de atores que ficam perfeitos em seus uniformes. Já Amber Heard (Diário de um Jornalista Bêbado) sofre mais com o roteiro, porém arranca oposto de protagonista com garra, força e um visual que hipnotiza qualquer um.

Do outro lado da moeda, a balança pende para as atuações mais seguras de Patrick Wilson (Watchmen) e Yahya Abdul-Mateen II (O Rei do Show) como os vilões Orm e Arraia Negra. Não vou negar que as motivações são um tanto quanto rasas, entretanto cumprem seu papel de construir antagonistas que consigam entregar bons desafios para o protagonistas, dividindo-se entre a inteligência e a frieza do rei de cabelos loiros impecáveis que perdeu seu trono, e a vingança em sua versão mais pura na pele do pirata cujo o visual está entre as melhores coisas do longa todo. Isso sem contar que o elenco ainda ganha pontos pelos bons coadjuvantes interpretados por Nicole Kidman (Big Little Lies), Willem Dafoe (A Grande Muralha), Dolph Lundgren (Rocky IV) e Temuera Morrison (Lanterna Verde).

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Todos se entregam aos papéis com disposição pra abraçar a cafonice, se divertir e dar corpo para que Wan possa fazer uma produção com o clima épico que o rei dos sete mares sempre mereceu, crescendo aos poucos até arrancar gritos e vibrações de uma platéia que esperou muito para ovacionar sem nenhuma dúvida. Tudo bem que nós assistimos o filme no auditório da Comic Con, mas eu não duvido que algo parecido aconteça porque o diretor australiano deixa claro o seu talento em termos de escala, mistura de gêneros e controle da linguagem audiovisual. E o mais importante é que ele sabe o que precisa fazer para direcionar todas essas qualidades para produzir exatamente o que ele precisava: uma aventura simplória, honesta e empolgante.

No meio disso tudo, os destaques do trabalho de Wan ficam para a utilização perfeita dos efeitos especiais (ótimos) e da direção de arte na criação detalhista do universo, a transição entre gêneros que encontra até mesmo para uma ótima sequência de terror, cenas de ação dirigidas com uma fluidez impressionante, uso diversificado de ângulos e estilos para caminhar entre planos-sequência e ótimas câmeras de ponto de vista, e liberdade para despirocar de vez quando o assunto é criação de criaturas. Inclusive, esse último tópico escancara que James Wan teve sim autonomia para injetar toda sua criatividade em Aquaman, já que o que vemos na escalada oferecida pelo terceiro ato é um show de cores, batalhas e criaturas banhadas de uma identidade que jamais se encaixaria na pegada de Zack Snyder.

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E é exatamente isso que se torna a cereja do bolo de um filme que, mesmo simples ao extremo, encontra seu diferencial no carisma, no clima épico e na pegada cartunesca que foge completamente do sombrio e realista que dividia opiniões nos longas anteriores da DC. Em outras palavras: Aquaman passa muito longe de ser perfeito, mas é uma aventura independente, divertida, criativa e surtada que, graças ao talento de James Wan, consegue deixar o público imerso no seu universo maravilhoso e conquistá-lo com doses cavalares de carisma, empolgação e fidelidade aos quadrinhos. Tudo isso enquanto captura o melhor do personagem principal e mostra de uma vez por todas que o futuro da DC não depende apenas do preto e do cinza de Snyder.


OBS 1: O ponto alto do filme é ver o Aquaman cavalgando cavalos-marinho, misturando a pose clássica com um pouquinho de ironia sem perder a pegada mais metaleira dessa versão. Impecável!

OBS 2: Quando o uniforme clássico aparece é uma aula de como construir um daqueles momentos de catarse que tiram o fôlego de qualquer um.

OBS 3: Momoa é definitivamente um homão da porra mesmo!

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