Watcher – Crítica | Uma bem construída espiral de delírio

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Sorria: você está sendo observado! Quem nunca teve a sensação de estar sendo alvo de olhares tortos e indiscretos. Na verdade, nosso cérebro tem uma capacidade incrível de deduzir quando alguém está olhando fixamente para nós. É assim que começa o sentimento de nervoso, de ansiedade. A partir dessa ideia – e de muitas outras referências clássicas do cinema – que Chloe Okuno monta sua história de obsessão e insanidade. “Watcher” é um thriller estrelado por Maika Monroe (“Corrente do Mal”, 2014) e Karl Glusman (“Animais Noturnos”, 2016) que fez um baita sucesso no Festival de Sundance, em janeiro de 2022 e chega tímido, pouco a pouco, nas terras brasileiras.

No enredo, acompanhamos a jovem Julia (Monroe) que se muda para Bucareste, na Romênia, com seu esposo, o empresário de marketing Francis (Glusman). Porém, enquanto se vê cada vez mais afastada pela falta de conhecimento da língua local, Julia lida com um estranho que a observa, ininterruptamente, da janela do condomínio vizinho, ao mesmo tempo que um assassino está a solta pelas ruas da nova cidade.

Assim como a dúvida é crescente ao longo do filme, e tem seus pontos de vista subvertidos, vou dividir minha crítica em duas partes. Dessa forma, consigo adentrar de forma mais íntima na experiência proposta pelo filme.

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Foto: Reprodução.

i. o incômodo

É extremamente difícil criar uma imagem segura de si mesmo ao chegar num lugar novo, desconhecido. Disso que o roteiro de Zack Ford em “Watcher” se beneficia: do sentimento de exclusão, de não fazer parte daquela realidade. E isso é sempre evidenciado. Maika Monroe sabe como ninguém usar as expressões a seu favor. Nas cenas de diálogos, somos sufocados, junto à personagem, por um dialeto não convencional. A cena do jantar com os amigos de Francis é exemplo disso. A iluminação amarelada, que evidencia aquele único espaço da mesa, rodeada de pessoas falando em romeno, esquecendo-se de inserir a jovem americana, faz com que Julia se retire da mesa.

A forma como Chloe coloca esse sentimento de deslocamento em várias cenas, é brilhante, pois, ao passo que sentimos junto com a personagem principal que ela está sozinha neste novo mundo, qualquer coisa que aconteça em tela se torna suspeito. E quando a notícia de um assassino à solta é jogada, tudo se torna ainda mais ameaçador, somando isso ao fato de que existe um stalker, morando do outro lado da rua.

Não é exagero quando Julia se vê com a estranha sensação de observação em qualquer lugar que esteja. Num cinema ou num mercado. A forma como seu psicológico nos foi introduzida, até então, justifica seu nervosismo ao esbarrar com qualquer pessoa que pareça suspeita. O sufocamento, aqui, é contínuo. A todo tempo, somos lembrados que a personagem não tem muito para onde correr. E essa é a grande vitória de “Watcher“.

É interessante a composição da mise-en-scène, ao optar por cenários minimalistas e pouco iluminados, refletindo a falta de empatia de Julia para com a nova cidade. As próprias cenas de diálogo entre ela e o marido, contentam-se com enquadramentos limitados, separando o casal, mostrando um de cada vez, em contradição com a cena inicial, em que paira mais tranquilidade e empolgação com uma nova vida.

Situação esta que é, momentaneamente, contornada com a chegada de Irina (Madalina Anea, “O Caminho Difícil” – 2019), uma vizinha de Julia que, felizmente, fala inglês, e serve como um segundo porto seguro para a jovem deslocada. Chloe Okuno utiliza muito bem da antecipação para inserir na trama objetos e/ou ocasiões que, futuramente, vão se encaixar, de alguma forma, ao enredo. E Irina é a concretização disso. Um simples comando de bater na parede, que numa conversa é tido como cômico, torna-se algo essencial para o desfecho de “Watcher”.

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Foto: Reprodução.

II. A Dúvida da Loucura

Dito os aspectos técnicos de iniciação adotados pela direção, podemos notar a segunda prática eficaz de suspense em “Watcher“: a incerteza.

Quando já estão determinados o espaço, a ameaça e a vítima, o projeto se joga no desenvolvimento psicológico da personagem de Monroe.  O que Joe Wright tentou fazer em “A Mulher na Janela” (2021), ao deixar ao espectador confuso com a fragilidade psíquica de Anna Fox, Okuno faz com competência, de forma mais real e menos apelativa.

Certo que, em alguns momentos, torna-se algo repetitivo e lento, como acaba por ser grande parte da proposta do filme. Porém, a direção sabe como conduzir o bom roteiro, extraindo o máximo de versatilidade da atriz principal, para conseguir manter o interesse dramático. “Watcher” aposta, primeiramente, em construir um bom suspense. Faz-nos duvidar, pouco a pouco, da própria personagem, de suas ideias. Como, por exemplo, numa cena em que Julia está extremamente desconfortável no metrô, ao ver um homem com uma sacola, ao passo que a câmera foca, sem medo, na estranha silhueta formada pelo plástico, pregando-nos – ou não! – uma peça, ao pensar, como Julia, o que seria mais provável, considerando as circunstâncias apresentadas.

Só depois disso, que o filme se preocupa em entregar o que há tempos estava construindo. E como entrega!

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Foto: Reprodução.

Chega a ser catártico quando as desconfianças que o projeto permitiu ao espectador levantar são, de fato, vistas em tela. A partir daí, a dúvida torna-se certeza, e o desconforto se transforma em ansiedade. Toda a ideia intimista servida durante dois terços do longa é subvertida e vira uma sequência agoniante, capaz de destruir quaisquer expectativas.

Apesar de sentir uma falta maior de razão por parte do antagonista, sua motivação é plenamente compreensível. Até certo ponto, devo dizer. Mas nada que interfira na experiência como um todo. Não são muitos os personagens, o que possibilita um bom trabalho de consciências e egos. Maika Monroe carrega “Watcher” nas costas! Expressiva, psicótica, cautelosa e melodramática. Uma caracterização bem fundamentada por alguém que sabe o que faz. Glusman e Burn Gorman entregam o que precisam entregar. Nem mais nem menos que isso. Acabam sendo um pouco ofuscados pela protagonista.

Ainda sim, acho louvável o esforço de Gorman em entregar um vizinho estranho, a começar por sua feição apática; seu andar diferente, não movimentando os braços, como é comum para manter o equilíbrio corporal; ou em sua maneira extremamente correta de se sentar.

“Watcher” é um filme competente de suspense, com uma história simplória e classicista, com um tom dramático e de grande peso. Pode não ter um enredo tão original, mas coloca potencial em sua criação escalada de agonia e suspeitas, culminando num final estarrecedor e, um tanto quanto aberto, bem ao estilo “Corrente do Mal“, seu primo de consideração.

Assistir no cinema não é um critério. Afinal, não seria muito confortável pensar que alguém não está prestando atenção no filme. Só para observar você.


WATCHER ESTREOU 03 DE JUNHO NOS CINEMAS DOS EUA. NO BRASIL, AINDA NÃO TEM PREVISÃO.

 

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