Ainda se recuperando da super noite que Ainda Estou Aqui e o cinema nacional tiveram no Oscar 2025, Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello se reuniram em uma coletiva de imprensa em Los Angeles para falar um pouco do sentimento e das reações pós premiação, além de toda a reverberação que essa estatueta trouxe para o Brasil e para o cinema independente.
Ainda Estou Aqui é vitória do cinema independente
Walter diz que a Sony, distribuidora do longa nos EUA, preferiu não fazer divulgação em outdoor em Los Angeles, diferente de outros filmes indicados, pois queria que o filme falasse por si só e passasse essa essência de independente que tanto marcou a trajetória durante todo o ano passado. O diretor brasileiro ressaltou que os representantes do cinema independente abraçaram o filme de uma forma extraordinária e fizeram campanha para Ainda Estou Aqui de forma completamente espontânea.
Fernanda Torres complementou dizendo que o filme provoca uma crença no cinema e que a noite de ontem (2 de março) foi a justamente da celebração do cinema dessa forma. Sean Baker, diretor de Anora e ganhador de quatro estatuetas, reconheceu o filme como primo, justamente por essa vontade de fazer algo com baixo orçamento e uma enorme vontade de dar certo, assim como Flow, representante da Letônia a filme internacional e ganhador de Melhor Animação.
Ainda Estou Aqui é primo de Anora
Torres brincou com a semelhança dos dois filmes, complementando que o grande vencedor do Oscar 2025 é um longa que começa em romance e termina na busca do afeto, e o filme brasileiro começa com muito afeto e vai buscando abraça-lo a medida que as coisas acontecem.
Oscar de 2025 foi muito mais divertido que 1999
Muito por conta de nossa vitória, Walter Salles brincou dizendo que esse ano foi bem melhor que 99, ano em que concorreu a Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz pelos trabalhos em Central do Brasil, e, consequentemente, perdendo em ambas categorias. Já Selton Mello, sorrindo, disse gostar mais do Globo de Ouro, pois naquela ocasião, onde Fernanda Torres ganhou como Melhor Atriz em Filme Dramático, todos estavam sentados na mesma mesa, compartilhando os sentimentos, e no Oscar, estavam separados, em lugares estratégicos, como no fundão, no caso do ator brasileiro, brincando dizendo que lá atrás o som era horrível.
Contudo, Selton disse que esse filme é o corpo do Rubens Paiva que nunca voltou. Antes dele, o congressista brasileiro era somente um “retrato pálido”, e que o pai de Marcelo (autor do livro Ainda Estou Aqui) estava desaparecendo na memória brasileira. O ator disse que ouve um movimento pra essa historia desaparecer como esse retrato e que hoje, por conta do filme, da literatura e da exposição que tiveram, a história de Rubens Paiva não será mais esquecida.
Já Fernanda completa dizendo que “parecia um filme do Glauber Rocha”, dessa confluência do Oscar com Carnaval e todos na rua celebrando o filme e sua indicação. “O Brasil tá uma loucura. Esse filme virou um movimento pátrio”, brincou. De fato, a experiência de assistir Ainda Estou Aqui foi feita de forma familiar e em grupos, com choques emocionais sendo compartilhado entre todos presentes, e isso, segundo Torres, foi um dos fatores para o crescimento do longa, citando uma matéria do NY Times, onde uma jornalista disse que uma pessoa ao lado segurou seu braço só pra ter um contato humano frente a tanta angústia causada por aqueles momentos mostrados em Ainda Estou Aqui.

Ainda Estou Aqui é retrato atual do mundo
O longa se passa em um Rio de Janeiro dos anos 70 pulsante que gritava por liberdade mas precisava se calar frente aos horrores da ditadura e é justamente esse paralelo que Walter Salles faz, ao dizer que estamos, hoje, vivendo um momento de fragilização crescente da democracia.
Segundo ele, o filme fala de uma ditadura militar e se tornou próximo do que as pessoas estão vendo nos EUA hoje e que de certa forma reverbera no mundo.
Estamos vivendo um momento de prática da crueldade como exercício do poder.
O agora premiado diretor, disse achar profundamente inquietante todo esse movimento e reafirma a posição do jornalismo investigativo, a literatura, musica cinema, como formas fundamentais de combater tudo isso. Em palavras belas, Walter Salles diz que a cultura e a denúncia trazem uma “polifonia democratica para algo que se torna um funil autoritário nos dias atuais“.
“A Eunice me mudou como Atriz”
Fernanda Torres é amplamente conhecida por seus trabalhos em seriados de comédia, mas a outra faceta dramática da atriz ficou em evidência com sua indicação ao Oscar. A carioca diz que seu trabalho em Ainda Estou Aqui foi responsável por viver momentos e visitar lugares que nunca tinha estado antes. O filme mostrou como que tudo aquilo parecia uma família real e que todos estavam sendo honestos consigo mesmos.
“O Walter limpou tudo o que era falso e que parecia ficção. Parecia uma família real e ali eu percebi o poder da contensão do realismo, no lugar mais honesto e próximo da atuação. Do ser e do não ser”.
A ganhadora do Globo de Ouro completa dizendo que atuação é o acúmulo dos personagens que já fez na vida e que vai sempre levar Eunice Paiva consigo, pois foi o cavalo para apresentar essa mulher ao mundo, com toda sua grandeza, elegância e civilidade.
Complementando a fala de Nanda, Selton Mello diz que precisou imaginar Rubens Paiva do zero, por não ter nada em movimento do personagem, e que isso foi fundamental para seu trabalho. “Agora existe um Rubens Paiva graças a força da vida e da arte, com meu corpo e espírito. E isso é uma coisa poderosa”.
O legado e nosso passado
Finalizando a coletiva de imprensa, os membros de Ainda Estou Aqui relembraram momentos marcantes dessa trajetória de divulgação do filme pelo mundo, com todos os responsáveis por levá-lo às salas de cinema. Porém o mais marcante é ver que várias gerações de brasileiros estão indo ao cinema para redescobrir uma história que estava sendo encapada pela poeira da história, propositalmente.
“Para as gerações mais novas, a ditadura era uma abstração e ver o filme possibilitava viver aquilo novamente. O longa permite compreender que Eunice não se dobrou e articulou formas de resistência. Você descobre uma parte da historia do Brasil que estava debaixo do tapete. O fato de você se reconectar com seu próprio reflexo é extraordinário”. Disse Walter Salles, complementando afirmando que vários threads foram feitos por jovens contando as experiências que suas famílias passaram e que em dado momento, Ainda Estou Aqui deixou de ser deles próprios para ser de mais de 5 milhões de pessoas que estiveram envolvidas das mais diversas formas com a ditadura militar no Brasil.
Depois de anos traumáticos, a cultura brasileira reacende e sobrevive por meio das histórias mais próximas possíveis, e o futuro é brilhante para o cinema nacional. “Esse Oscar não será um norte, mas será somente um dentre outras formas de expressão que farão o Brasil ainda maior”, completou.
Ainda Estou Aqui está em cartaz nos cinemas brasileiros e em breve entrará para o catálogo do Globoplay.
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