Um Casal Inseparável – Crítica | História de novela com uma pitada de brasileirismos

Um Casal Inseparável” diverte como uma boa comédia romântica nacional, mesmo quando soa clichê e pouco original.


Infelizmente, a cinematografia nacional ainda é muito subestimada. Talvez seja pelo pouco apoio cultural por parte do governo, afinal não se pode negar que grande parte do crédito dos filmes “hollywoodianos” serem tão grandiosos, dá-se pelo fato do tremendo investimento de capital e de parcerias, o que, de certa forma acontece na terra da zoeira sem fim, mas numa escala mais limitada; ou também pela zona de conforto que os cineastas encontraram e por ali mesmo ficam.

Porém, é inegável que, aos poucos, isso vem mudando. Já temos filmes pautados em um drama social e boa construção narrativa, como “Bacurau” (2019), contos de terror, como “Morto Não Fala” (2018), um banho de suspense em obras como “O Animal Cordial” (2017), e até tentativas de criar um Demolidor brasileiro em “O Doutrinador” (2018).

E no meio disso tudo, volte e meia, encontramos algumas pérolas que tentam dar uma ousada, mas sem ousar muito. Isso é o que define “Um Casal Inseparável”, comédia romântica de Sergio Goldenberg, que assina o roteiro juntamente com George Moura e Laura Rissin: um enredo simples, típico de novela das sete, com umas pitadas clássicas de brasileirismos e que, no fundo, acaba divertindo.

Um Casal Inseparável
Foto: Reprodução.

Numa análise de “Um Casal Inseparável” como um todo, o primeiro ato é o que mais anima e tem mais coisas para contar. Somos introduzidos à Manuela (Nathalia Dill, que, em certos momentos, lembrou-me a Chloe, de “Lúcifer”), uma professora de vôlei de praia que não gosta de carros estacionados nas calçadas (convenhamos que isso é um tanto quanto inconveniente, não é mesmo?). Em uma de suas lições de utilidades públicas, conhece o pediatra Leo (Marcos Veras), que parece se apaixonar à primeira vista. Assim, os dois embarcam em uma aventura marcada por altos e baixos, beijos e brigas, certezas e inconclusões, como um relacionamento acaba por ser.

Ah! O amor… consegue ser bonito e clichê ao mesmo tempo, pois a partir daqui, o espectador verá tudo o que já se vê num filme de comédia romântica, principalmente os estereótipos.

Manuela é a representação da mulher forte e difícil que deixa o rapaz caidinho e como um cachorro babando por um frango numa máquina giratória em dia de domingo. E é legal como o Leo, por ser pediatra e ter que lidar com crianças, traz uma postura mais descontraída e, por vezes, cômica, que contrapõe a dureza e impaciência da personagem de Nathalia Dill. Acabamos por ter personagens carregados de características de comédias românticas, porém igualmente equilibrados.

Ao mesmo tempo que se enxerga a previsibilidade das características do casal protagonista, vê-se uma certa inversão de valores considerados conservadores, que para o nosso tempo já soam ultrapassados, como a força de decisão feminina, bem como sua iniciativa em vários aspectos da vida, e o homem como o que também, por vezes, erra (não a ideia do “homem pleno e perfeito” o tempo todo, como, por muito tempo, foi difundida, desmerecendo em certo nível a figura da mulher) e tem seus momentos de fragilidade. Este ponto, especificamente, torna-se ainda mais evidente no personagem de Paulo Edu (Carlos Bonow).

Um Casal Inseparável
Foto: Reprodução.

Outro fator que ajuda muito a aproximação do espectador com a história de “Um Casal Inseparável” , é a “brasilidade“. É impossível não dar uma risadinha todas as vezes que Manuela aparece em cena coçando o nariz por conta da rinite, ou quando os personagens são mostrados de chinelo, mesmo, dentro de casa (quem nunca ficou pensando como esse povo das telonas consegue andar de salto e sapato dentro de casa, que atire a primeira pedra). Ou seja, o filme não nega sua raiz e faz a experiência ser mais próxima de realidade dos brasileiros.

Fechando o arco de personagens estereotipados, temos os pais de Manuela, Esther (Totia Meireles) e Isaias (Stepan Necessian), em certos momentos como alívio cômico, e em outros, como o motor que move o interesse pela trama, afinal, o segundo ato cai de qualidade em comparação ao primeiro, e quem tenta carregar nas costas, é Totia Meireles, conseguindo em certo nível, mas não no necessário.

Por mais boba que parecesse a relação dos dois, ela conseguia deixar o filme com uma sensação de quentinho no coração, de que, talvez, eles fossem mesmo inseparáveis. Porém, como não pode faltar, a chegada de um objeto de ciúmes, aqui na pessoa da Dra. Cristina (Danni Suzuki), faz com o que os pombinhos repensem sua relação e se afastem. E esse afastamento deixa “Um Casal Inseparável” um tanto quanto frio e opaco.

Ao longo de todo o segundo ato, as coincidências (algumas planejadas, devo dizer) tentam manter o ritmo mais descontraído do projeto. Mas é como acontece numa novela: após uma grande revelação que faz todos os rumos mudarem, quando não se tem uma boa condução, a chance de perder o espectador é grande. E é por um triz que Sergio Goldenberg não perde sua linha de direção e arruína a conexão que foi construída com os personagens até então.

E talvez um pouco tarde de mais, “Um Casal Inseparável” se redime e dá aquela “volta por cima” de uma forma um tanto morna e pouco criativa. Foi apresentada a situação-problema, um ato inteiro foi dedicado para mostrar as consequências desta, mas acabara por ser resolvida como um “foi isso, mas já tá tudo certo, tá bom?“. De experimentadores dos sentimentos do filme, passamos a meros observadores.

Certo que pode-se juntar os pouquinhos de empatia deixados ao decorrer do segundo ato e se satisfazer com o desenrolar do terceiro, isso graças ao elenco carismático. Porém, não será a mesma coisa.

Um Casal Inseparável
Foto: Reprodução.

Entretanto, se deixada de lado a preocupação em “preocupar-se” com os personagens e não alimentar as contestações de decisão que o filme dá margem, “Um Casal Inseparável” pode render ótimos momentos à la comédia romântica da Netflix, com direito a situações embaraçosas e planos espalhafatosos de pedidos de desculpas.

E quando este vem, somos mergulhados num momento bem sem originalidade e “americanizado”, mas que não destoa da identidade de romance bobo e meio adolescente que vinha sendo construído. Os mais atentos podem sentir falta de uma conclusão satisfatória para o arco da Dra. Cristina, que foi, praticamente, esquecida nos últimos minutos, pois, afinal, a alegria de ver o final feliz que todo espectador espera, acaba ofuscando a personagem, que torna-se um mero objeto narrativo.

Mesmo assim, “Um Casal Inseparável” proporciona um momento de descontração e aquele clichê que todo mundo ama ver num fim de noite de sexta-feira. Mesmo tendo seus momentos contestáveis, consegue se destacar e contar uma história de amor de forma divertida, subversiva e bacaninha, que mostra a identidade brasileira do “dar a cara aos tapas” e mostrar pra o que veio.


Um Casal Inseparável está disponível no Telecine PLay


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