Exibido em festivais internacionais, Raquel 1:1 promete mexer com as emoções do público com toques de feminismo e suspense religioso
Nos últimos anos, o cinema mundial tem sido bombardeado por várias obras que dialogam com a religião. Seja por adaptações de histórias bíblicas, cinebiografias de líderes religiosos ou contos que confrontam a fé por meio das regras do suspense, da comédia ou do terror.
E para comprovar essa teoria, podemos listar alguns nomes que vieram à cabeça sem nenhuma pesquisa. Divino Amor, Medusa, Saint Maud, Predestinado – Arigó e o Espírito de Dr. Fritz, The Wonder são apenas alguns deles.
Exibido na Mostra de São Paulo em outubro, Raquel 1:1 é um exemplar que promete entrar nessa lista com o pé direito, misturando feminismo, loucura e crença em um suspense com toques populares.
Vem conhecer um pouquinho mais desse filme e conferir a entrevista que fizemos com a diretora Mariana Bastos e os atores Valentina Herszage e Emílio de Mello durante a CCXP.
Qual é a história de Raquel 1:1?
Raquel é uma adolescente religiosa que retorna à pacata cidade onde nasceu em busca de uma vida nova com o pai. Em seus primeiros dias, ela passa por uma experiência misteriosa durante a qual acredita ter recebido uma importante e controversa missão relacionada à Bíblia.
Ao lado de suas novas amigas, um grupo de garotas evangélicas da igreja local, Raquel mergulha na sua espiritualidade e revive traumas profundos do passado. Com o apoio de alguns e condenação de outros, Raquel tenta se balancear em um inquietante espiral de fé, razão e loucura.
O elenco de Raquel 1:1
Valentina Herszage – Raquel
Ravel Andrade – Gustavo
Emílio de Mello – Hermes
Priscila Bittencourt – Ana Helena
Eduarda Samara – Laura
Confira a entrevista realizada na CCXP
Eu, como católico praticante, tenho muito interesse em filmes religiosos ou que brincam com esse universo. E aí eu queria saber como foi mergulhar nesse mundo da religião, principalmente nessa época em que ela esta se tornando cada vez mais uma arma política? Sempre foi, tudo é um ato político, mas parece que tá ficando cada vez pior.
Mariana Bastos: Eu acho que entrar nesse mundo nesse momento em que isso é uma questão no Brasil. Uma questão no sentido de que é um tema que está muito em evidência, né? A gente tem percebido isso, existe uma questão da mistura do uso político com a religião.
Então trazer a religião e principalmente a religião evangélica, que tem sido palco de tudo isso, eu acho que no fim acaba sendo um ponto positivo pro filme, porque a gente tá falando de algo que no momento tange a vida de todas as pessoas aqui no Brasil, de alguma maneira. Mesmo se você não for uma pessoa religiosa, você está num contexto em que a religião tem influência sobre a sua vida de alguma maneira. Nem que seja através dos representantes que tem sido votados pra governar o país, os estados e as cidades.
Eu acho que mergulhar nesse universo agora… Primeiro, para mim, foi um mergulho de descoberta, eu poderia dizer, porque não é algo que faça parte tanto da minha realidade. Eu entrei nesse universo muito com a proposta do filme, então descobri muita coisa vivendo isso para o filme. Foi uma pesquisa intensa e que tinha esse propósito específico, então me ajudou a entender muito melhor as coisas e a conseguir construir as diferentes perspectivas de como isso afeta a vida das pessoas.
Valentina Herszage – Eu acho legal falar que fomos em células, a gente tentou se aproximar do cotidiano das pessoas que tem a religião como centro das suas vidas. E a gente foi pesquisar esses números… por exemplo, os evangélicos são 30% da população, quase 70 milhões de brasileiros, então eu acho importante levar isso em consideração pra entrar nessas discussões. E também lemos vários versículos, a Mari sempre trazia essas propostas, né? Como que a gente pode entrar nessas personagens com o intuito de manter-se na linha da Bíblia, mas poder também repensar alguns conceitos.
Emílio de Mello – É uma coisa parecida com as leis, eu considero a religião um pouco parecida com as leis. Porque a gente tem os dogmas da religião que vem através da Bíblia e a leitura da Bíblia passa por uma leitura muito subjetiva. Então você pode dar uma leitura para um determinado aspecto da Bíblia completamente oposta ao que está lá, e eu acho que o filme mostra exatamente isso. Como lidar com a objetividade desses dogmas de uma maneira subjetiva.
Pra mim, isso acontece de uma maneira muito clara em Raquel 1:1. Como a subjetividade pode virar objetiva e destruir uma coisa que realmente não tinha nada a ver com aquilo que estava sendo descrito.
Voltando para o que você falou sobre estarmos vivendo nesse mundo, estão saindo vários filmes que tocam nesse ponto. Filmes brasileiros, como Medusa e Divino Amor, e internacionais. Inclusive, quando você falou no painel que a protagonista escuta vozes, eu lembrei de Saint Maud. Não sei se vocês já assistiram…
Mariana Bastos: Eu não assisti, mas já fizeram esse paralelo algumas vezes. Preciso ver esse filme (risos).
Ele me veio na mente instantaneamente… Mas esses filmes influenciaram Raquel 1:1 de alguma forma ou só a realidade já foi o suficiente?
Mariana Bastos: Eu acho que essa coisa do que constrói a ideia de um filme tem muito a ver com o repertório que você vai adquirindo durante a vida. Esse é um gênero que eu gosto muito, então assisto a muitos filmes. O que obviamente vai acabar me influenciando. Não tem uma referência direta, mas é a construção de um monte de coisa que você já viu, até em termos de atmosfera.
Você percebe que de alguma maneira acaba tendendo a querer contar as coisas de forma que converse com o que você gosta de ver. Então, eu não diria que tem uma referência específica em Raquel 1:1, mas eu diria que todas as coisas que eu assisto dentro do gênero podem ser consideradas referência pra mim.
Um amigo meu que estava no painel (o Will do Geek Guia) ficou curioso e pediu pra fazer uma pergunta relacionada a preconceito, porque quando a gente entra no mundo evangélico, no mundo religioso que a gente está falando, existe tanto o preconceito da religião com algumas minorias, quanto o contrário. Isso tem algum reflexo no filme? Ou não é necessariamente sobre isso?
Mariana Bastos: Eu sinto que esse era o maior receio que a gente tinha; era fazer um filme que apontasse dedos e julgasse de maneira equivocada algum lado. Então, a nossa maior preocupação era conseguir fazer com que o espectador refletisse a respeito dos temas que a gente tava trazendo, mas que também isso não fosse um julgamento moral, que não comprasse um lado especificamente.
Por isso a protagonista é uma menina religiosa que por causa da vivência dela começa a questionar coisas que, na verdade, tem a ver com o fundamentalismo, tem a ver com a radicalização de alguns princípios. Apesar da Bíblia ser um livro milenar, a gente sente que ela influencia até hoje o nosso comportamento como sociedade.
Agora eu tenho uma pergunta pra Valentina. Meu amigo que assistiu ao filme (o Tiago Cinéfilo) falou que o seu papel em Raquel 1:1 é muito físico. Para você como foi entrar nesse papel com uma fisicalidade tão poderosa?
Valentina Herszage – Nós tivemos uma preparadora, que é a Nana Yazbek, e acho que desde o início foi uma preparação muito coletiva. A Mari sempre estava nos ensaios também, os produtores, o elenco tava muito unido. E foi uma preparação muito em cima do texto, da construção da trajetória dessa personagem e do seu trama, porque ela vive uma situação traumática e é isso que vai tecer Raquel 1:1.
Essas memórias e a forma como ela lida com isso, sendo adolescente e tendo uma relação às vezes fria, às vezes afetuosa com o pai. Então, acho que foi muito em cima do texto e com muita improvisação, muita experimentação, até ir encontrando alguma coisa. Até porque o filme vai se transformando…
Muito obrigado a O2 Play pelo convite e pela oportunidade de realizar essa entrevista.
Raquel 1:1 estreia nos cinemas brasileiros em março. FIque ligado!
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