Quer saber mais sobre o Acidente? Nós realizamos uma entrevista exclusiva com o diretor, Bruno Carboni, e com a atriz Carol Martins, que interpreta uma das protagonistas.
Exibido no Tallinn Black Nights Film Festival, no Festival de Beijing (onde venceu o principal prêmio de roteiro) e no Festival de Gramado (vencendo Melhor Roteiro e Melhor Atriz na mostra de longas-metragens gaúchos), O Acidente é uma produção gaúcha que parte de um acidente viralizado na internet para discutir os contrates e as polarizações que tomaram conta da sociedade brasileira nos últimos anos.
Discussões que nem sempre surgem nas palavras, e sim nos gestos e olhares que dão vazão tanto aos sentimentos internalizados, quanto as questionamentos morais dos protagonistas de O Acidente. É por isso que as imagens construídas por Bruno Carboni ganham ainda mais valor dentro da experiência.
Leia mais: Crítica de O Acidente | Contrastes, polarizações e sentimentos internalizados
Confira agora a entrevista sobre O Acidente com Bruno Carboni e Carol Martins:
Bruno Carboni – Concordo que muitas vezes os primeiros longas tem essa característica, e diria que “O Acidente” não é diferente, embora a conexão das personagens do filme comigo não pareça tão óbvia. O embrião dessa ideia veio de um pequeno vídeo que assisti numa rede social por volta de 2015, que continha uma situação parecida com a do filme: uma ciclista sendo carregada por um carro e, já se via ali, algo da polarização política que estava crescendo no Brasil. Mas o caminho de se fazer um longa-metragem é muito longo e trabalhoso, então realmente parece que é nas nossas experiências pessoais que encontramos a motivação para de fato enfrentar todo esse processo.
No meu caso, foi um acidente de trânsito vivido pela minha família, onde meu pai acabou falecendo. Por conta disso, muitas pessoas ao redor usavam exaustivamente essa palavra “acidente” para falar do que aconteceu e eu comecei a ficar intrigado sobre o que realmente se queria dizer ao falar o termo. Por fim, pude usar o filme e as personagens inventadas para refletir sobre o que estava passando naquele momento e também para extravasar um pouco da minha dor. É realmente um privilégio ter uma profissão onde podemos expressar os sentimentos através de histórias ficcionais e gerar afeto em outras pessoas com isso.
Você construiu uma carreira muito interessante como montador de curtas, longas e clipes. Ao mesmo tempo, nunca deixou de escrever e dirigir seus curtas autorais. Como é transitar entre essas áreas?
Bruno Carboni – Como montador acabo tendo a oportunidade de refletir muito sobre o cinema em si, como uma cena pode funcionar de diferentes maneiras dependendo de como eu ordeno o material, o que decido mostrar ou esconder, e também como o som pode influenciar nisso tudo. Entretanto, essa é uma atividade bastante cerebral e um tanto solitária, o que difere bastante da direção, onde se lida com um número muito grande de pessoas de diferentes ideias, e com o imponderável que acontece durante o período de filmagem.
Para tudo isso eu entendi que o melhor é estar muito aberto para sugestões do elenco e da equipe, aceitando também ideias súbitas que surgem na cabeça na hora da filmagem, que podem levar o filme para caminhos mais interessantes do que os planejados no roteiro.
Continuando no tema montagem, vejo O Acidente como um filme que dá muito valor à força da imagem. E, ao meu ver, a dinâmica construída pela montagem e pela escolha dos enquadramentos é decisiva. Você acha que a sua experiência como montador teve algum peso ainda no set ou isso ficou mais restrito à sala de edição?
Bruno Carboni – Sem dúvida a prática da montagem me acompanha e influenciou muito na maneira como eu pensei a direção do filme. Na edição usamos muito o termo “ritmo” para pensar a cadência dos cortes e acontecimentos do filme, e durante a direção eu tentava já ir imprimindo esse ritmo nas ações internas das cenas – para gerar um movimento constante que levasse o filme para um sentimento no final.
Outra questão bem pessoal é que não me impressiono ou tenho apego a plano sequência. Mesmo depois de tanto tempo fazendo cinema, ainda me encanto com o poder que a montagem tem de construir os lugares e criar significados. Então como diretor preferi apostar em fragmentar as cenas na decupagem, do que perder um longo tempo tentando ensaiar planos sequência, que só prejudicariam nosso tempo de filmagem – que costuma ser sempre curto.
O elenco de O Acidente tem vários atores que estão no começo de suas carreiras. Como foi o processo de escolha do elenco e, posteriormente, o trabalho durante as gravações?
Bruno Carboni – Na etapa do roteiro, eu e a Marcela Bordin escrevemos o filme sem imaginar nenhum ator particular nos papéis, então testes de elenco foram necessários para que pudéssemos conhecer diferentes atrizes e atores e sentir aqueles que tinham características mais parecidas com os rostos que imaginávamos.
Muitos do elenco têm uma carreira longa no teatro, mas com pouca participação no cinema (apenas o Marcello Crawshaw tem mais experiência na área), então foi um processo trabalhoso definir os papéis, mas também muito satisfatório quando encontrávamos alguém que se encaixava muito bem no personagem. Lembro que a Gabriela Greco e o Luiz Felipe entraram juntos no teste, para fazer mãe e filho, e os dois tinham algumas características físicas parecidas – foi um momento mágico!
Depois deste período, o alagoano René Guerra fez um incrível processo de preparação com o elenco e me ensinou muitas ferramentas para que eu pudesse conduzir os atores ao longo das gravações e para que pudéssemos estabelecer uma dramaturgia homogênea entre todo o elenco.
Ao meu ver, O Acidente é um filme que dá mais peso para a imagem do que para as palavras. Inclusive, em muitos momentos, Joana tem dificuldade para se abrir e a construção das emoções passa bastante pela atuação (com muitas sutilezas) e pelas escolhas de enquadramento e movimentações de câmera. Como foi a parceria com o Bruno e o processo individual de construir essa personagem minimalista e silenciosa?
Carol Martins – O processo de criação da personagem passou por laboratórios com o preparador de elenco Renê Guerra, processo esse muito importante porque permitiu uma investigação mais profunda para encontrar os estados emocionais e os estados de presença da Joana. Esse processo também teve a participação do diretor Bruno Carboni, então em todos os momentos de pesquisa e experimentação, eu tive a direção ao meu lado.
Eu sinto que a construção da personagem foi muito coletiva: o Bruno apontando os caminhos que ele imaginava e eu apresentando também novas possibilidades. A Joana foi uma personagem com a qual imediatamente me identifiquei, muito pela qualidade de atuação pelo olhar. Acho que mesmo que ela não fale muito, ela comunica muito os sentimentos pelo olhar. Eu, como pessoa, percebo muito o mundo para além das palavras e acredito que a Joana também.