Em sua visita para Argélia, no ano de 2019, Karim Aïnouz (Madame Satã) retratou a realidade do país em dois documentários: um de cunho intimista e pessoal, Marinheiro das Montanhas, cuja crítica pode ser encontrada aqui, e outro chamado Nardjes A., que se debruça sobre a política do local na atualidade.
Qual a trama de Nardjes A.?
Karim acompanha com sua câmera a ativista Nardjes, por um período de 24 horas, no dia de uma das manifestações que ocorriam semanalmente no país, após o então presidente anunciar que concorreria ao quinto mandato.
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O que achamos do filme?
É difícil de acreditar que um cineasta do calibre de Aïnouz tenha conseguido condensar 24 horas de material sobre uma manifestante em época de crise política num documentário de apenas 80 minutos e, ainda assim, o resultado final tenha sido longo e repetitivo. Como é possível que um momento histórico relevante capturado por alguém de tanto requinte tenha rendido uma obra tão desinteressante?
A resposta é simples: o que transforma um filme tão curto em uma experiência tão cansativa é o fato da protagonista nunca fazer por merecer o destaque que lhe foi dado. Para começar, a escolha por acompanhar Nardjes ao invés de qualquer outro manifestante é, aparentemente, aleatória. Ela não é líder de nada, não representa qualquer entidade específica, não tem uma única característica que a destaque em relação aos demais e, para piorar, não tem um pingo de carisma. Tampouco tem um fervor ou um ódio profundo que a torne zangada a ponto de transmitir sua revolta ao espectador.
A garota é tão caricata que parece ser uma personagem de sátira. Assisti-la me lembrou o personagem vivido por Timothee Chalamet em Lady Bird, alguém que até se preocupa com causas importantes e, genuinamente, quer ver o mundo melhorar, mas na prática só sabe repetir frases de efeito tirada da parte chata do twitter à la quebrando o tabu em 2016. Em dado momento, ela chega a se olhar no espelho, fazer carão e dizer “eu faço o que eu quero”, após finalizar uma maquiagem.
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Durante a breve duração de Nardjes A., vemos diversos figurantes que também participam das manifestações e todos eles, sem exceção, têm mais gana do que Nardjes e teriam causado um impacto maior, ou ao menos, não teriam entediado tanto. Fica o destaque para uma senhora que aparece segurando um cartaz a gritando que o presidente em exercício é um moribundo que já passou da hora de se aposentar.
As cenas dos protestos, em geral, são todas muito boas, há beleza em ver o povo na rua, clamando por seus direitos. Pessoas de todos os sexos e idades pedindo democracia e lutando por eleições justas. Os momentos cantados são lindos, as melodias entoadas são cheias de significado e a população as proclama como um grito de guerra.
Se os cantos fossem em uma língua conhecida, tenho certeza que não teriam saído até agora da minha cabeça – ainda me pego murmurando o ritmo. A única exceção, dentre as cenas musicais, é a passagem em que Nardjes aparece cantando sozinha no carro. Ela realmente tem o dom de estragar até aquilo que funciona, o verdadeiro toque de midas invertido. Trata-se de um tema de enorme peso, mas infelizmente, a tarefa de carrega-lo foi confiada à uma protagonista sem força.
As manifestações de 2019 na Argélia foram pouco expostas no cinema, as lutas da população foram praticamente ignoradas pelas grandes mídias – uma denúncia que, inclusive, é feita no final de Nardjes A. – e mereciam chegar às telonas através de um documentário melhor. Karim tinha em mãos a oportunidade de chamar atenção para essa história, mas não aproveitou-a de forma plena.