Maestro – Crítica | Ditadura tecnocrata

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Foto: Divulgação Netflix

Após longos anos trabalhando como ator, Bradley Cooper marcou sua estreia como diretor com o longa “Nasce Uma Estrela”, no qual também atua. O filme foi um fenômeno indiscutível tanto em termos de bilheteria – já que faturou 436 milhões de dólares, tendo custado “apenas” 86 milhões – quanto na temporada de premiações, arrecadando oito indicações ao Oscar, que resultou em uma vitória por melhor canção original.

Cinco anos se passaram e Cooper retoma ao posto de diretor com Maestro, que fez sua estreia no Festival de Veneza, onde recebeu críticas mistas, tendo sido melhor recepcionado nos Estados Unidos onde colecionou elogios dos críticos americanos.

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Qual a trama de “Maestro”?

Trata-se de uma cinebiografia sobre Leonard Bernstein, um compositor, maestro e professor, que alcançou notoriedade internacional, em especial por conta de sua colaboração com Stephen Sondheim na composição de West Side Story. Lenny, como era conhecido por seus amigos, conquistava admiradores por onde passava, graças ao seu carisma magnético.

Na esfera profissional, transitava entre musicais populares da Broadway e orquestras sinfônicas mais “puristas”, já a vida particular ele dividia com sua esposa Felicia Montealegre (Carey Mulligan) e os três filhos que tiveram juntos.

O que achamos do filme?

Maestro é um perfeito caso de preciosismo técnico vazio, que se sente grandioso por conter transições “espertinhas”, plano sequência, uma fotografia estilosa – que alterna entre preto e branco e colorido –, razões de aspecto variáveis, entre outras firulas técnicas, que isoladamente até são admiráveis, mas que lamentavelmente estão desperdiçadas dentro de uma obra sem alma. É como um bonito embrulho que ao ser aberto só tem vento.

O filme não tem absolutamente nada a dizer, chama-se Maestro, contudo não se interessa pela vida profissional de Bernstein que é completamente escanteada e até suas conquistas mais notórias são apressadamente mencionadas em poucos segundos – a exemplo do trabalho com Sondheim –, como se a narrativa estivesse com pressa para chegar em algum lugar, sendo que nunca chega em lugar nenhum.

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Foto: Divulgação Netflix

A sua vida pessoal é um pouco mais explorada, mas também apenas superficialmente, menciona os affairs que o músico teve, sem jamais se aprofundar na eventual controvérsia sobre sua sexualidade – como se em 2023 isso ainda precisasse ser varrido para debaixo do tapete como um tabu. Semelhante ao que ocorre em Bohemian Rhapsody, o filme não parece ter a mínima noção de como é uma pessoa bissexual, e por isso os relacionamentos dele com homens são sempre vistos por uma ótica de vergonha e culpa, enquanto sua única conexão amorosa genuína é com uma mulher, a esposa Felicia. E veja bem, eu não estou dizendo que o filme mostra o julgamento da época de maneira crítica, pelo contrário, exerce seu próprio julgamento na forma como retrata os relacionamentos com outros homens e com uma mulher.

Não obstante, até o casal principal só é desenvolvido textualmente, os diálogos supostamente românticos soam distantes e não transmitem emoções. O amor é professado de forma verbal, mas o subtexto não ajuda a estabelecer ou enfatizar esse sentimento.  Para um filme que tanto se orgulha de suas proezas técnicas, fato é que essa técnica nunca chega a ser empregada em prol da narrativa.

É claro que uma cinebiografia não precisa ter o compromisso de abordar tudo, já que é necessário escolher um recorte daquilo em que se quer focar, o problema de Maestro é que não foca em nada. Os temas são jogados de qualquer forma no espectador, enquanto Bradley Cooper e Libatique (diretor de fotografia) sentem-se satisfeitos consigo mesmo por estarem realizando malabarismos visuais.

De início, esse aparato técnico é utilizado para fingir que o filme foge do formato tradicional de biopics, até que inevitavelmente adota a típica estrutura convencional tão batida. Nessa hora até poderia ter conseguido desenvolver um romance melhor, mas é demasiadamente engessado e truncado para isso.

Próximo ao final, quando aborda a velhice do casal principal e alguns problemas de saúde, tem momentos mais melodramáticos, completamente destoante do tom que tinha sido adotado até então. A passagem deveria servir como clímax, infelizmente tem um gosto insipido, já que não havia sido criada uma verdadeira conexão emocional com os personagens e, portanto, fica difícil se importar.

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Foto: Divulgação Netflix

É claro que perfeccionismo técnico não é por si só um problema – muito pelo contrário – a questão de Maestro é que os elementos artísticos do filme (fotografia, som, trilha, edição) não são pensados dentro do conjunto da obra, mas sim isoladamente. Não servem para dar o tom pedido pelo filme e estão lá somente como um exercício de exibicionismo. O que existe é um fascínio pelas técnicas cinematográficas que precisam ser empregadas ao máximo possível para que o diretor mostre suas “habilidades” (com muitas aspas). Ou seja, a técnica não existe dentro do filme, pelo contrário, o filme se torna apenas uma desculpa para reunir o maior número de raccords e takes difíceis ou estilosos.

Enquanto isso, nada é dito sobre Leonard Berstein, inclusive o personagem principal poderia ter qualquer outro nome que não faria a menor diferença. O filme está muito mais interessado em como Cooper interpreta Bernstein, do que em Bernstein propriamente dito, já que não tem a menor intenção nem de desenvolve-lo, nem de desconstruí-lo, ou ao menos estudar sua psique.

Lenny não é o protagonista de seu próprio filme, Cooper é. Ele reproduz todos os trejeitos de Bernstein, acerta perfeitamente seu tom de voz e imita-o com a perfeição de um espelho. Só se esquece de trazer qualquer traço de humanidade para sua performance, deixando-a caricata. É muito provável que ao terminar de assistir o longa, você não se lembre quase nada sobre Bernstein, a parte de seus trejeitos corporais ressaltados pelo ator que lhe da vida.

Em suma, o filme chama-se Maestro, mas não fala muito sobre jornada profissional, trata de amor, mas não tem paixão, mostra vários relacionamentos, mas não é sexy. É uma cinebiografia, não muito biográfica, com um texto melodramático envolto em um subtexto que tem vergonha de assumir seu tom novelesco. No final das contas, é um filme sem nada a oferecer além de muito virtuosismo oco.


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