Crítica | Zona de Confronto é um percurso por cima do muro

ZONA DE CONFRONTO
Foto: Reprodução

O cinema pode ser visto como um reflexo imparcial daquilo que vemos na realidade. Através das lentes e de uma ideia audiovisual sobre o roteiro, o diretor traz para o espectador não só a história, mas sua visão de mundo e ideais implícitos na narrativa. Zona de Confronto (Anders Ølholm & Frederik Louis Hviid, 2021) é uma rasa tentativa de se manter neutro, seja pelo medo de abordar a temática social como crítica ou renegar a institucionalização da problemática que se apresenta diante do enredo, a dupla dinamarquesa entrega um filme que usa a ação como refúgio para sua falta de alma.

Acompanhamos um dia na vida de dois policiais dinamarqueses que, durante uma patrulha, adentram o bairro mais perigoso da cidade em uma época de levante social pela morte de um jovem. Sem perceber, enquanto abusam de seu poder, vão se aproximando do olho do furacão rebelde e inevitavelmente ficam presos naquilo que mais parece uma zona de guerra do que um bairro civil. A partir daí o filme se preocupa em jogar o espectador de um lado para o outro nessa balança moral enquanto os protagonistas utilizam dos recursos que tem para chegar em casa.

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Enquanto filmes como Sem Remorso (Stefano Sollima, 2021) exibem uma temática muito parecida ao prender seu protagonista em uma terreno que foi preparado para embosca-lo com força tática e bélica, os inimigos de Zona de Confronto são manifestantes lutando por uma causa que ele mesmo prega como justa. Dessa forma, uma contradição impera no cerne da obra, quando ele se divide entre a ação heroica e a crítica e acaba percorrendo um caminho tortuoso que não beneficia nenhuma das visões.

A premissa que inicia é muito interessante, submergir policiais em uma inversão de valores que os aproxima cada vez mais dos jovens que perseguem. A troca de roupas, a perseguição sob vigilância e até mesmo a mãe levar o policial Mike (Jacob Lohmann) para casa ao invés do próprio filho Amos (Tarek Zayat) são parábolas bem significativas dentro dessa ótica, mas que, como quase tudo que constrói, entra em contradição com como ele se enxerga dentro do gênero.

ZONA DE CONFRONTO
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Logo após gastar quase metade do tempo de rodagem para separar seus protagonistas com base na visão que tem sobre os acontecimentos, há uma força para inverter a função que executam na narrativa que se prova inútil em seu desenrolar. Mike, que era o intolerante agressivo, após ser reafirmado como tal, acaba se vendo como herói altruísta e Jens (Simon Sears), o moralista, exerce a violência catártica que encerra a obra. Não que haja algo de errado em si nas personagens exercerem papéis diferentes, mas quando esse esforço só as joga de um lado para outro na esperança de que isso irá dizer algo nasce um problema.

Não é como se fosse um filme dúbio que joga uma escolha para o espectador, ele se opõe a si mesmo na tentativa de que meras ações soltas suportem o discurso ao mesmo tempo que tenta ser épico. Trazer uma pauta social tão forte, que até mesmo se apodera da retumbante frase de George Floyd ao dizer “eu não consigo respirar”, só para reprimi-la com seus protagonistas torna o filme frio e, na tentativa de encaixá-los como oprimidos, evidencia uma ponte muito maior entre dois mundos que caminham tão perto.

ZONA DE CONFRONTO
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Em suma, Zona de Confronto não entrega muito mais do que uma história de violência policial que não é menos brutal e covarde por protagonizar os agentes da lei. Mirando em uma abordagem muito interessante ao tirar os seres de sua zona de conforto, e em certos pontos ele até lembra o ótimo Ponto Cego (Carlos López Estrada, 2018) , acaba acertando em cima do muro, desequilibrando a obra e a fazendo cair do lado mais conservador da construção.


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