Durante a semana passada, entre o período de 27/09 a 30/09, Wes Anderson lançou em parceria com a Netflix, um curta metragem por dia, na plataforma vermelhinha, totalizando quatro “pequenas” grandes histórias: “The Wonderful Story of Henry Sugar”, “The Swan”, “The Rat Catcher” e “Poison”.
A presente crítica será dividida em duas partes, na primeira, será feito um apanhado geral dos elementos comuns a todas as obras e, em seguida, uma breve resenha individual de cada uma.
Análise conjunta – O cinema de Wes Anderson
Apenas a menção do nome Wes Anderson já provoca reações calorosas nos cinéfilos, ao longo dos anos sua estética peculiar lhe rendeu uma sólida e grandiosa fanbase, mas, inevitavelmente, também atraiu alguns detratores.
Seu estilo visual pode ser definido pela utilização de cores vibrantes e saturadas que conferem um aspecto vintage aos seus filmes; enquadramentos simétricos (talvez sua característica mais forte); além de personagens e objetos cuidadosamente posicionados em todas as cenas, passando uma sensação harmoniosa. Em resumo, equilíbrio e simetria.
Todavia, seu modo de fazer cinema vai muito além, Wes reúne personagens carismáticos e coloca-os a proferir frases rápidas carregadas de um humor quirk que lhe é muito peculiar, ao mesmo tempo explora sentimentos humanos complexos que vão do amor ao luto. Enquanto enche os olhos de seu público, Anderson consegue diluir temas densos em filmes açucarados.
Essa forma aparentemente inocente e otimista de enxergar/retratar o mundo, torna-o a escolha perfeita para adaptar os contos infantis escritos por Roald Dahl (responsável por livros com Matilda; a Fantástica Fábrica de Chocolate e O Fantástico Senhor Raposo, que já virou um filme magistral nas mãos do próprio Wes Anderson). Sua tão aclamada estética visual deu vida aos microuniversos fantasiosos, nos quais não há espaço para o realismo. Em suas habilidosas mãos, o lúdico ganhou vida (e alma!).
Nos dois últimos longas lançados pelo diretor, A Crônica Francesa e Asteroid City, houve o interesse em trabalhar a arte do storytelling, no primeiro, através de um jornal e no segundo, uma peça de teatro. Aqui, esse interesse é mantido, já que assistimos, por vezes, Dahl (Ralph Fiennes) contando seus contos, ou os próprios personagens narrando suas histórias, como se estivéssemos lendo um livro, só que em tela.
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Essa escolha criativa poderia ter dado catastroficamente errada, afinal optar por narração em off é sempre um risco, principalmente quando se está descrevendo aquilo que está em tela. No entanto, Wes Anderson domina a arte de contar histórias e sabe empregar de forma oportuna as técnicas utilizadas.
Há de se louvar também o elenco que se encaixou como uma luva com a proposta do realizador, algumas parcerias antigas foram repetidas como é o caso de Fiennes e Rupert Friend, enquanto novas foram criadas, a exemplo de Benedict Cumberbatch e Dev Patel, e todos se provaram excelentes em seus papéis.
Os curtas em questão são encenados como verdadeiras peças de teatro, há momentos em que objetos descritos pelo narrador são “invisíveis”, cabendo ao espectador imaginá-los ali, o elenco cumpre papel fundamental para vender essa ideia àqueles que estão assistindo.
Quem já está familiarizado com o trabalho do diretor sabe que é praticamente uma hipérbole elogiar seu design de produção, mas, por incrível que pareça, Wes se superou ainda mais. Há uma aparente “simplicidade” combinada com uma atenção ímpar aos detalhes que elevam a magia do que está em tela. Os cenários são construídos e alterados conforme a narrativa vai acontecendo, reforçando o aspecto teatral oferecido.
Depois de assistir esse projeto de quatro partes, ficou claro que, ao menos para mim, a estética “Wes Andersoniana” está longe de se tornar cansativa, pelo contrário, espero vê-la por muito tempo. Até porque, ainda que sejam semelhantes à primeira vista, um olhar atento mostrará a riqueza que torna única cada uma de suas obras. Os filmes discutidos aqui podem até ser curtos, mas o responsável por eles é gigante.
Qual a trama dos curtas da Netflix?
The Wonderful Story of Henry Sugar: Um homem rico descobre um guru que pode lhe ensinar habilidades preciosas que ele pretende utilizar para aumentar ainda mais sua fortuna.
The Swan: Um garoto prodígio é perseguido e hostilizado por dois valentões cruéis.
The Rat Catcher: Um repórter e um mecânico contratam um exterminador de ratos, o excêntrico profissional então, passa a explicar suas técnicas, que vão se tornando cada vez menos ortodoxas.
Poison: Um homem corre risco de vida e seu ajudante une forças com um médico para tentar salva-lo.
O que achamos dos filmes?
The Wonderful Story of Henry Sugar:
O maior dos quatro filmes, com aproximadamente 40 minutos de duração, trata sobre ganância humana, mas também sobre transformações e evolução. A popular temática de “superpoderes” é abordada de uma forma um tanto diferente daquilo que o público está habituado.
O filme segue quatro linhas narrativas, (1) Dahl está lendo um livro escrito por ele, (2) no qual Henry Sugar (Cumberbatch) encontra outro livro e passa a lê-lo, esse, por sua vez, (3) é escrito por um médico (Dev Patel) que se depara com um homem agraciado por um talento peculiar, (4) para explicar seu dom, ele irá narrar seu passado ao doutor, que escreverá o livro lido por Henry.
Existem diretores que seriam incapazes de amarrar tantas subtramas mesmo que tivessem quatro horas à sua disposição, Wes Anderson, por outro lado, precisou de menos de uma hora para costurar os enredos, lidar com as diferentes linhas temporais e desenvolver seus personagens, em especial o protagonista que dá nome ao filme.
Nota individual: 10
The Swan:
Trata-se de uma bela história sobre bullying e perda da inocência, contada da maneira menos clichê e óbvia possível. Os ataques são narrados pela versão adulta da vítima que revive os fatos ao lado de seu “eu” mais jovem, como se estivéssemos presenciando uma memória vívida, daquelas lembradas com tamanha intensidade até nos mínimos detalhes.
A crueldade de seus algozes é contrastada pela pureza do cisne, a partir disso Wes desenvolve algumas alegorias para abordar os temas propostos, algumas mais facilmente identificadas, outras mais sutis. Ao transitar por suas lembranças, o narrador-personagem não esboça nenhuma reação, apenas discorre sobre o ocorrido. Sua aparente apatia diante dos acontecimentos serve para dar um peso ainda maior para as ações cometidas, deixando que elas falem por si só.
Em apenas 17 minutos, o filme me levou do riso ao choro, e a um sorriso que permaneceu no meu rosto enquanto os créditos rolavam e algumas lágrimas ainda nem tinham secado.
Nota individual: 10
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The Rat Catcher:
É o mais fraco dos quatro, mas nem de longe é um filme ruim. Aqui acompanhamos um estudo de personagem que para exercer sua profissão de “caçador de ratos” passa a pensar e agir como um. Ele vai da soberba à vergonha enquanto explica os segredos para ser bem-sucedido no seu ramo.
Wes combina técnicas de stop motion com live action, além de propositalmente “esconder” algumas cenas mais “viscerais” de sua audiência. Mesmo tendo optado por uma estética teatralizada, não deixa de utilizar-se da magia do cinema.
Nota individual: 9
Poison:
O último segmento é também o melhor, aqui o sentimento humano explorado por Wes Anderson é o medo, o diretor nunca chegou a fazer um filme de terror, mas assistindo a esse curta (que vale dizer, não é de horror), eu penso que ele deveria, afinal, o diretor provou que sabe criar tensão e angustia apenas com o poder da sugestão.
A simetria sempre presente e a disposição de objetos perfeitamente alinhados, transmitem uma falta sensação de equilíbrio e organização em meio ao caos instaurado na narrativa, causando uma dissonância sensorial proposital. Ao trazer sua assinatura, Wes Anderson não só adapta o conto, mas eleva-o.
Mais uma vez é preciso elogiar a performance de Cumberbatch que precisa passar 17 minutos deitado imóvel em uma cama, comunicando seu pânico e desconforto apenas através de leves contrações faciais e pequenas expressões.
Nota individual: 10
Nota de rodapé: a média aritmética das notas seria 9,75 (39/4), mas para manter a coesão da escala, decidi arredondar para cima, por ser mais justo, matematicamente falando e, principalmente, pelo conjunto da obra ser merecedor de nota máxima (afinal de contas, cinema nada tem a ver com matemática).
Os 4 curtas de Wes Anderson estão disponíveis na Netflix