Criador de O Chamado reutiliza seus grandes hits em um filme que poderia funcionar, caso A Última Invocação não se levasse tão a sério
Não sou o especialista em terror desse site, mas é inegável que Hideo Nakata marcou o final dos anos 90 e a década seguinte com Ringu – ou “O Chamado” para os brasileiros. A versão original japonesa, é claro, e não a ótima refilmagem americana lançada em 2002.
A questão é que, após esse hit, sua filmografia parece ter congelado no tempo. Fez vários filmes (Água Negra talvez seja o mais interessante), porém os grandes momentos continuaram sempre ligados a sua grande franquia. Inclusive, ele acabou dirigindo não só a continuação japonesa, mas também a americana.
A partir da metade dos anos 2000, admito que parei de acompanhar Nakata tão de perto, mas A Última Invocação ajuda a embasar essa hipótese.
A História de A Última Invocação
Naoto está feliz por organizar a casa recém-financiada, onde pretende morar para sempre com seu filho e sua esposa, Miyuki. Tudo muda quando, em um acidente de carro, os dois perdem a vida, com a criança sendo ressuscitada de forma inexplicável pelos paramédicos.
Em luto, o filho de Miyuki enterra um dedo de sua mãe e reza com a esperança de vê-la novamente. No entanto, o que surge dentre os mortos não é necessariamente uma mulher amorosa, e sim um espírito vingativo que começa a assombrar por causa de episódios mal resolvidos no passado.
Para tentar se salvar, uma jovem filmmaker que havia sido apaixonada por Naoto decide investigar as origens desse ser maligno.
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O que achamos de A Última Invocação?
Repetindo a hipótese inicial: sinto que Hideo Nakata não conseguiu se atualizar e permanece preso ao seu grande filme até hoje; é refém do que deu certo em O Chamado e, por isso, insiste em repetir os melhores momentos na esperança de emplacar outro hit.
A comparação musical me parece válida, porque já vimos muitos cantores ou bandas acertarem um grande sucesso e passarem por um processo no universo musical. E nem sempre existe uma relação direta com o talento, sendo a insegurança, a falta de identidade ou as pressões do mercado muito mais decisivas.
Friso isso, porque Nakata reutiliza, sem disfarçar, diversos elementos de O Chamado em A Última Invocação. Dos telefonemas misteriosos ao espírito feminino de cabelos úmidos sobre o rosto, é possível fazer um drink game em que vence aquele que encontrar o maior número de coisas que já marcaram presença na carreira do diretor japonês. E como rodada bônus, vale identificar signos utilizados a torto e a direito pelo gênero.
Dito isso, não posso dizer que o longa não tem boas ideias ou soluções visuais interessantes, porque seria mentira. As primeiras aparições do espírito vingativo, por exemplo, são realmente legais.
Inclusive, as minhas sequências favoritas de A Última Invocação estão ligadas ao abandono desses padrões repetitivos do terror para abraçar uma estética de anime com a entrada dos médiuns. Contra tudo e contra todos, Nakata entrega boas cenas de ação com direito a espadas encantadas e movimentos de mão que lembram Naruto.
Passagens absurdas e visualmente legais que poderiam repercutir de forma ainda mais interessante na trama, se o diretor (o mesmo que fez jutsu para lutar contra espíritos) não estivesse tão preocupado em produzir um grande melodrama sério sobre luto. Um lado do filme que sempre rouba os holofotes de maneira muito sisuda e pesarosa na esperança de dar peso à produção, criando um contraponto bastante cansativo com as inúmeras tramas fantasiosas que Nakata trabalha em segundo plano.
E são muitas tramas mesmo… A Última Invocação começa como esse filme de assombração clássico, tipo O Chamado; depois utiliza os médiuns caçadores de espírito/exorcistas como desculpa para abraçar o anime; e, por fim, decide construir uma mitologia regressa digna de X-Men, com vários personagens possuindo poderes sobrenaturais que são transmitido por gerações.
Ideias totalmente rocambolescas e mirabolantes que, no papel, beiram o pastiche; entretanto, na prática, sempre esbarra na seriedade do drama que Nakata deseja entregar. E essa decisão de intercalar o tom paródico com tentativas de se levar a sério acaba cansando, esgotando o próprio filme.
Parece que sempre que o longa foge do padrão O Chamado para experimentar algo diferente (em alguns casos com potencial), a direção chama ele de volta, mantendo-o na trilha ora do melodrama polido e pesaroso, ora no terror de espírito que Nakata já fez de maneiras mais interessantes em experiências anteriores.
Em outras palavras: A Última Invocação não é descartável e diverte em alguns momentos, mas fica preso em uma rede de subtramas exageradas que se confundem e atrapalham o desenvolvimento por não conseguirem se libertar, tal qual o espírito vingativo, das correntes do passado.
A Última Invocação está disponível nos cinemas.