Por que gostamos de filmes de terror? – ESPECIAL HALLOWEEN

Quem não tem medo que atire a primeira pedra! E é assim que nenhuma pedra é atirada…

Todos nós, sem exceção, sentimos medo. Isso porque o medo é uma reação emocional devido à percepção de perigo presente e urgente que é tido como uma ameaça. Nisso, sentimos aquelas sensações comuns: arrepio, aceleração dos batimentos cardíacos, frio na barriga, suor intenso, e até paralisia.

Mas por quê algumas pessoas gostam dessas sensações aparentemente ruins ao assistir a filmes de terror? O que está por trás desse fascínio? Nesse mês do Halloween, ocasião perfeita para maratonas incessantes de filmes assustadores, entenda mais sobre esse fenômeno curioso que diz muito sobre biologia e personalidade!

Foto: Reprodução.

QUANDO SENTIMOS MEDO…

Herdamos da evolução a capacidade de sentir medo para enfrentar situações que aparentam ser perigosas, tendo como principais respostas a fuga ou a luta. Para isso, a cada identificação de uma possível ameaça, o corpo libera hormônios essenciais para que uma dessas respostas se concretize, como o cortisol (mais conhecido como “hormônio do estresse”) e a adrenalina. Estudos dizem que passamos por três estágios do medo:

  1. A estimulação de uma área do cérebro que, subitamente, deixaria-nos “congelados”, o que também pode ser entendido como uma resposta evolutiva para nos mantermos a salvos de predadores (vejamos, por exemplo, alguns animais na natureza se fingem de mortos para não serem percebidos);
  2. Em seguida, seríamos eletrizados por uma corrente de adrenalina que nos faria correr e fugir da ameaça. Mas, se isso não fosse possível, essa mesma adrenalina nos ajudaria a enfrentar a ameaça;
  3. No fim, após perceber que a ameaça se foi ou não é real, nosso sistema nervoso nos acalmaria com a liberação de outros hormônios.

Mas o que é considerado uma ameaça? Do que sentimos medo? Isso nos leva a questões intimamente ligadas às temáticas retratadas nos filmes de terror.

O MEDO MANIFESTADO

A arte sempre foi uma manifestação e reflexão das nuances da vida. Ao longo da história da humanidade, o que se entendia como assustador nos filmes de terror mudava de acordo com o contexto, como uma forma de absorção e catarse dos acontecimentos. Ora, se a realidade por si só já é assustadora, pense em como seria concentrar todo esse medo em uma forma palpável numa narrativa visual!

Vejamos, por exemplo, o considerado primeiro filme de terror, de Georges Méliès: “A Mansão do Diabo“, de 1896. Apesar do objetivo principal da obra ser o entretenimento, e não o susto, é uma suma representação da torção de nariz ao mórbido e medieval. Um dos períodos mais densos para o cinema do terror veio logo em seguida, com o Expressionismo Alemão, no contexto das sombras da Primeira Guerra Mundial. As criaturas e as distorções tornaram-se os alvos do medo, como nos clássicos “O Gabinete do Doutor Caligari“, de 1920; e “Nosferatu“, de 1922.

Cena de "O Gabinete do Doutor Caligari"
Foto: Reprodução.

Um tempo depois, o legado dos monstros começa e perdura por quase trinta anos, com o surgimento de obras como “Frankenstein” (1931), “O Homem Invisível” (1933) e “O Lobisomem” (1941). Por volta da década de 60, o horror demoníaco invadiu as produções, com temáticas envolvendo pactos, satanismo ou grupos extremistas em locais isolados (nos chamados folk-horrors), em filmes como “A Maldição do Demônio” (1960), “O Bebê de Rosemary” (1968), “O Exorcista” (1973) e “Homem de Palha” (1973).

Com uma onda crescente de homicídios e notícias de serial killers rondando pelos Estados Unidos, os filmes de assassinos (slashers) ganharam força nas décadas seguintes, em novos clássicos ao estilo “Halloween” (1978), “Sexta-Feira 13” (1980), “A Hora do Pesadelo” (1984) e “Pânico” (1996). E, por fim (mas talvez não), chegamos à contemporaneidade, com produções voltadas a temas mais existenciais, psicológicos e sociais. Por mais que estes já tenham sido abordados em toda a história do terror, os últimos vinte anos têm buscado resgatar esses propósitos de uma forma mais direta e crítica, uma vez que, assim como em outros momentos da humanidade, o contexto pede uma abordagem equivalente.

Apesar dos diferentes tipos de manifestação do medo ao longo do tempo, seja numa criatura, numa ideia, num espaço físico (casa assombrada, cemitério, sala fechada e vazia…), o objetivo sempre foi o mesmo: interpretar um temor real e transformá-lo em uma história audiovisual. Porém, uma coisa é certa… ainda não faz sentido se produzir um filme sobre algo de ruim no mundo, com o objetivo de incomodar/dar sustos, por puro “entretenimento”. À primeira vista, não faz mesmo não…, mas a gente vai chegar lá!

CONSPIRACIONISTAS… É HORA DAS TEORIAS

Ainda não existe uma explicação plausível do porquê algumas pessoas gostam tanto de filmes de terror, enquanto outras não suportam. Muito pode ser pelo recorrente preconceito que o gênero sofre (Academia de Artes e Ciências Cinematográficas saiu do chat), mas, olhando para um lado fisiológico (ou seja, predisposição genética e/ou psicológica) podemos descobrir muitas coisas.

Uma das principais teorias é a de enfrentamento por exposição. Seguindo uma das linhas de abordagem da psicologia voltada ao comportamento, uma fobia ou uma ansiedade seria uma derivação de uma experiência traumática passada. A aracnofobia (fobia de aranhas), por exemplo, numa situação hipotética na vida de uma pessoa, pode ser resultado de uma picada por uma aranha venenosa, o que gerou uma complicação hospitalar logo superada, mas que estabeleceu uma situação estressante. Na terapia de exposição, essa pessoa seria exposta gradativamente ao núcleo de sua ansiedade (nesse caso, as aranhas) para que, gradativamente, seu cérebro entendesse que não são todas as aranhas que oferecem riscos, até uma tolerância aceitável do medo firmado pelo trauma, de forma que isso não gere mais complicações em sua vida.

O mesmo valeria para os filmes de terror. Muitas pessoas encontram nesses projetos formas de enfrentamento de seus medos, uma vez que esse medo é retratado de forma concreta (com a aparição de alguma criatura ou situação de estresse) mas resolvido de forma controlada (por tudo o que está acontecendo se passar dentro de uma obra irreal) o que poderia ser muito útil em processos de superação.

Jigsaw, de "Jogos Mortais".
Foto: Reprodução.

Filmes de terror não estão tão longes assim dos parques de diversão, se você parar para pensar bem. Ambos oferecem experiências de “risco” de forma contida. O que isso quer dizer? Durante a experiência (seja num brinquedo que fica de cabeça pra baixo, ou num filme em que a menina possuída vira a cabeça pra trás), nosso corpo entende que pode ser uma situação de alerta e nos enche de adrenalina. Quando a experiência termina e a “ameaça” não é mais “ameaça”, o sistema nervoso envia mais hormônios para nos tranquilizar (como a dopamina) e nos trazer a sensação de relaxamento. No caso dos filmes, uma vez que a situação de “perigo” é mediada por uma tela, o pensamento de “perda de controle” não se associa ao medo intenso vivido, tornando a experiência muito mais proveitosa, do que desconfortável para o espectador.

Nem é preciso dizer que essa sensação é mais do que viciante, não é?! Isso porque sabemos que nada de ruim pode efetivamente acontecer, mas nosso corpo demora a responder a isso.

Outra teoria é a da transferência de excitação, proposta pelo professor Dolf Zillmann a partir dos estudos do psicólogo social Stanley Schachter. Nessa linha de pensamento, o filme de terror oferece tensão e suspense (o que eleva os níveis de “ansiedade” no corpo); faz com que o espectador se identifique com o herói/protagonista e sinta tudo junto com ele. Quando chega a resolução, que na maioria das vezes é com o vilão neutralizado, as sensações negativas tornam-se completamente positivas, mudando a experiência para prazerosa. Essa seria uma explicação muito cabível nas catarses proporcionadas pelos filmes com violência explícita (gore), por exemplo (falei um pouco sobre no “Roteiro ao Avesso” de “Piscina Infinita”, que você pode ler clicando aqui).

Nossa mente é uma viagem, não é?!

MAS E O QUE ISSO QUER DIZER SOBRE MIM?

Tá… então isso tudo quer dizer que eu sou uma pessoa traumatizada? Que meu organismo é fraco e altamente moldável por um… filme?

Não exatamente. Existem estudos sobre as correlações entre filmes de terror e personalidade, ou em como eles impactam na personalidade. Porém, ainda são poucos e não são tão conclusivos. Basicamente, pessoas com altos níveis de empatia costumam não ter uma experiência agradável ao assistir filmes de terror, em comparação a pessoas com baixos níveis. Isso porque, elas tendem a sentir os efeitos negativos por inflição de dor ou sofrimento a uma personagem de maneira mais intensa.

Cena de "O Exorcista".
Foto: Reprodução.

Então isso significa que eu sou um psicopata?

Talvez. Outros estudos sugeriram que algumas complicações mentais, como o transtorno de personalidade narcisista e o transtorno de personalidade antissocial podem estar relacionados a alguns tipos de espectadores que gostam de filmes de terror, principalmente os de conteúdos mais violentos. Porém, os dados são insuficientes para sustentar uma ideia mais conclusiva, bem como quando se diz respeito aos efeitos que esse tipo de filme pode causar. Em crianças, por exemplo, um trauma pode surgir a partir de uma crença irreal, uma vez que nessa idade a distinção da ficção ainda não se desenvolveu da melhor maneira.

Já nos adultos, o cenário muda quando o indivíduo é portador do chamado Transtorno de Estresse Pós-Traumático, em que as imagens em um filme, por mais que sejam ficcionais, podem o fazer lembrar de traumas ainda não compreendidos e tratados, levando a uma complicação no quadro. No restante da população dessa mesma faixa etária, relatos de distúrbios no sono e quadros ansiosos foram observados (aquele pesadelo clássico depois da sessão… quem nunca!). Todos, porém, de curto prazo, entendendo-se que filmes de terror não impactam na saúde mental de uma pessoa durante muito tempo ou de forma significativa.

CONCLUSÃO

O terror é, sem dúvidas, um dos gêneros mais ricos que temos no cinema. Isso porque conta com uma combinação muito da aleatória: crítica/reflexão sociais + medo/suspense/temas de ordem psicológica. O fascínio por trás dessas histórias vai muito além de pura preferência narrativa, mas passa por uma enorme cadeia fisiológica e construção psicológica.

O medo pode se manifestar de muitas formas e de muitas criaturas (um palhaço, uma bruxa, um alienígena…). Mas tudo isso diz muito mais sobre nós e sobre o mundo do que o próprio sentimento do temor. O terror não é só uma experiência perturbadora, mas uma reflexão como indivíduo e suas limitações, e seu papel no mundo e na sociedade.

Cena de "Corra!"
Foto: Reprodução.

Não tenha medo de ter medo. Afinal, todos nos sentimos encantados pelo que é desconhecido; já é um traço natural. Porém, todos nós conhecemos nossos limites e o que nos faz mal ao ultrapassá-los. É inviável se propor a assistir algo sabendo do mal que isso vai te trazer de forma particular. Quando se ver em uma situação, opte pelo bom senso a partir do seu autoconhecimento. Mas, se souber que a experiência vale a pena, não deixe de arriscar! Pois é, talvez, tendo medo na ficção que acordamos para ter coragem na realidade!

***

P.S.: Deixo meu agradecimento ao psicólogo Guilherme M. Campos (@psi_guilhermecampos) pelas considerações e revisão do texto!


REFERÊNCIAS

GUIDUGLI, Maria Luiza S. O Cinema de terror. CCM – PUC Minas. 01 de novembro de 2022. Disponível em: [https://blogfca.pucminas.br/ccm/cinema-de-terror/]. Acesso em 04 de out. de 2024;

JOHNSON, Nicole. Veja como filmes de terror podem ajudar as pessoas a superarem traumas reais. 04 de novembro de 2020. Disponível em: [https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2020/11/veja-como-filmes-de-terror-podem-ajudar-as-pessoas-a-superarem-traumas-reais]. Acesso em 04 de out. de 2024;

MARTIN, G. Neil. (Why) Do You Like Scary Movies? A Review of the Empirical Research on Psychological Responses to Horror Films. 18 de outubro de 2019. Disponível em: [https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6813198/]. Acesso em 04 de out. de 2024;

NUNAN, Adriana. A psicologia por trás do fascínio por filmes de terror. 25 de setembro de 2023. Disponível em: [https://adriananunan.com.br/psicologia-social/a-psicologia-por-tras-do-fascinio-por-filmes-de-terror/#:~:text=A%20psicologia%20por%20tr%C3%A1s%20desse%20fasc%C3%ADnio%20reside%20na%20nossa%20curiosidade,uma%20maneira%20segura%20e%20controlada]. Acesso em 04 de out. de 2024;

PARK, Michelle, “The Aesthetics and Psychology Behind Horror Films” (2018). Undergraduate Honors College Theses 2016-. 31.
https://digitalcommons.liu.edu/post_honors_theses/31.


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