Brandon Cronenberg tem conquistado seu espaço como filho do aclamado realizador do “horror-corporal” David Cronenberg (Crimes do Futuro, 2022), com enredos incômodos e reflexivos, desde Antiviral (2012) a Possessor (2020). Agora, apresenta ao mundo sua mais nova polêmica ao explorar os limites do sadismo humano em Infinity Pool (Piscina Infinita, em tradução livre). O filme estreou oficialmente no Canadá em 27 de janeiro de 2023, e conta com a excelente Mia Goth (X, 2022; Pearl, 2023), Alexander Skarsgård (O Homem do Norte, 2022) e Cleopatra Coleman (Sombra Lunar, 2019) nos papéis principais.
Acompanhamos a viagem do frustrado escritor James Foster (Alexander) e sua esposa Em (Cleopatra) a uma ilha paradisíaca afastada de tudo e todos. Um acidente, porém, traz uma acusação grave contra James, agora, sentenciado a morte por conta das extremas leis locais. Sua esperança é renovada quando lhe é proposta pelo governo uma alternativa: ser clonado e deixar que a cópia morra em seu lugar. No entanto, tal experiência parece mudar sua forma de agir e pensar, e quando a sedutora Gabi (Mia) o apresenta a um grupo de “sobreviventes” que passaram pela mesma situação, as noções de limite e legalidade fogem de controle.
Infinity Pool ainda não tem previsão de estreia nos cinemas e streamings brasileiros. Portanto, sabendo que o texto a seguir contém spoilers, coloque sua máscara e leia por sua conta e risco.
O DESAFIO DE SER ACEITO
É indiscutível que algo que parece mover toda a trama do filme de Cronenberg é o sentimento de aceitação. Ele é a engrenagem principal e que leva o personagem James, principalmente, a tomar certas decisões.
De início, o que temos é justamente isso: um fatídico escritor, que é sustentado pela própria esposa rica (a qual demonstra ter se casado somente para irritar o pai), que reencontra sua ponta de orgulho quando conhece uma única leitora, admiradora de seu trabalho. Isso é o suficiente para James deixar de lado seu “eu” fracassado e fazer de tudo para que seja aceito dentro da bolha criada pela nova admiradora, por mais que não a conheça e não saiba suas intenções.
E isso percorre todo o enredo. Ao conhecer a “seita” de turistas que passaram pela mesma situação, James se entrega a uma sequência visceral de crimes e impiedade, ao que parece, para estar no meio dos iguais. Isso pode ser comprovado pelo simples fato do protagonista ter escondido o próprio passaporte embaixo da pia, e, assim, conseguir uma desculpa para permanecer no lugar, deixando a esposa para trás. O que traz consequências devastadoras, mais especificamente, no que diz respeito à identidade.
Isso porquê, com o decorrer do filme, ficamos confusos se o James que estamos vendo é o James “original”, ou apenas mais um cópia de várias que foram feitas. Uma perfeita exemplificação da fragmentação de si para apreço e cabimento nas expectativas e propostas do ambiente que nos cerca, e que nos influencia de várias formas.
A Dor e a Satisfação: Uma mesma Moeda
É justo que assim deva ser: é do homem a dor e o prazer.”
William Blake
Que a dor e o prazer estão interligados, disso não temos dúvidas. Pensemos, pois, nas pessoas que gostam de filmes de terror. O que as torna tão fascinadas em tais projetos, se o objetivo é, justamente, assustar, causar medo e perturbar? Que curiosidade mórbida é essa que os distingue da população que só de pensar em bonecos possuídos, casas assombradas e assassinos em série já sente calafrios?
Existem muitos estudos e muitas teorias para explicar tal fato, mas a que quero mencionar aqui é uma puramente ligada à fisiologia humana. Ao sermos expostos a uma ameaça, nosso corpo, automaticamente, entra em estado de alerta e fuga, graças a liberação de alguns hormônios, como a adrenalina (a querida que faz nosso coração bater mais rápido e nosso corpo ficar mais quente). Porém, juntamente com esse hormônio, nosso cérebro libera alguns hormônios mais, entre eles, a endorfina. E é aqui que chegamos ao ponto principal!
A endorfina, ao lado da dopamina, é responsável pela sensação de bem-estar do nosso corpo, e traz o sentimento de prazer e relaxamento. Mesmo numa situação onde o perigo não é real (assistir ao filme de terror), nosso corpo fica, naturalmente, ansioso. Porém, a satisfação tende a ser maior e recompensadora, ao vermos que tudo deu certo no final, mesmo após alguns minutos de ombros enrijecidos e unhas roídas.
Esse é o mesmíssimo caso de “Piscina Infinita“. Temos personagens obcecados em ver um filme de terror acontecer frente a seus olhos, quando seus sósias são brutalmente assassinados. A ansiedade em estar numa situação, aparentemente, proibida, contraposta com a sensação de satisfação ao ver que saíram ilesos. Vejamos James, que colecionava os potes com as cinzas de suas cópias como se fossem troféus e relíquias.
Reside aqui, no entanto, uma problemática interessante, e que, talvez, seja o grande ponto de partida do audacioso filme de Cronenberg: até onde eu consigo viver na ilegalidade sem precisar me preocupar com as consequências?
O que se colhe é o que se planta
Em “Uma Noite de Crime“, filme de 2013, dirigido por James DeMonaco, o governo dos Estados Unidos permite que qualquer tipo de crime seja cometido por apenas 12 horas, como forma de controlar os índices de violência do país. Os habitantes tomam o “feriado” como algo sagrado, já que é a oportunidade perfeita de expurgar suas pulsões mais profundas e suprimidas.
Já em “Infinity Pool“, a situação não é tão diferente. Isso porquê temos personagens de uma elite, que podem pagar por uma solução um tanto quanto futurista e perturbadora, e seguirem com suas vidas como se nada tivesse acontecido.
Brandon propõe uma reflexão caótica sobre os extremos em se viver uma vida sem arcar com consequências. Cair, errar, machucar-se, magoar-se… são formas naturais de aprender como o mundo e as pessoas funcionam. Sem isso, estamos fadados a uma existência nociva a nós mesmos, pois não teremos noções dos limites. Há quem diga que limites não são bons, mas são eles quem determinam até onde conseguimos aguentar determinados fatos e situações para que não saiamos em ônus no futuro.
James, por sua vez, perde essa consciência ao longo dos 118 minutos de filme. Mesmo que aos poucos, sua degradação é perceptível e contínua. E não o leva a lugar algum. A única coisa que resta, é vagar pelo único espaço que, um dia, o presenteou com sensações deliciosamente ilegais. Porque todos nós colhemos o que plantamos. Essa é a regra básica da vida.
Mas o que se colhe quando plantamos inconsequência?
“PISCINA INFINITA” AINDA NÃO TEM PREVISÃO DE ESTREIA PARA O BRASIL
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