Dirigido e escrito por Alê Abreu, Perlimps mergulha em um universo de sonhos e fantasias para refletir sobre a autodestruição da Terra
Em 2016, Alê Abreu entrou nos holofotes após seu longa de animação O Menino e o Mundo (produzido oficialmente em 2013) ser indicado ao Oscar. A vitória infelizmente não veio, mas somente o fato de estar no Dolby Theatre fez muita gente assistir ao filme e desenvolver uma mística mágica em torno do artista responsável por essa história minimalista que se apropria da ingenuidade infantil para falar sobre a relação do ser humano com nosso planeta.
Agora, sete anos depois de sua escalada rumo ao sucesso internacional, Alê volta aos cinemas com Perlimps – mais uma animação nacional que aborda temas complexos a partir de uma ótima lírica.
Qual é a história de Perlimps?
O longa acompanha Claé e Bruô, duas crianças-bicho de reinos rivais que precisam se unir quando a floresta é ameaçada pelo mundo dos gigantes. O único jeito de impedir a destruição do lugar mágico é encontrar os Perlimps, seres mágicos capazes de impedir a ação dessa força maligna.
No entanto, antes de qualquer coisa, Claé e Bruô precisam encontrar uma forma de trabalhar juntos, enfrentando tanto o antagonismo criado (e difundido) por seus ancestrais quanto suas próprias diferenças de personalidade.
O que achamos de Perlimps?
Quem viu O Menino e o Mundo vai notar, sem muita dificuldade, que os dois longas possuem algumas características semelhantes. Podemos falar, entre tanto exemplos, da forma como Perlimps também se apropria da inocência presente no olhar infantil, da trilha naturalista que marca cada passo da trama ou do uso de alguns elementos minimalistas.
Entretanto, em um cenário cercado por tantas expectativas são as diferenças que tendem a chamar mais atenção. No meu caso, fiquei muito interessado na construção de mundo que cerca essa nova aventura.
Em O Menino e o Mundo vemos uma história próxima da nossa realidade ganhar vida através de traços tão singelos quanto a própria trama; já em Perlimps, Alê Abreu dedica um bom tempo de sua narrativa à apresentação das particularidades desse mundo cheio de fantasia onde animais, crianças e gigantes disputam territórios mágicos.
As discussões sociais, políticas e ambientais permanecem próximas da nossa vivência, porém suas construções se tornam mais ricas graças não só às camadas de metáfora e fantasia como também às histórias transmitidas de geração em geração, às crenças e aos elementos não-ditos.
Ainda que o roteiro perca a mão na quantidade exagerada de explicações, um dos maiores trunfos de Perlimps é justamente nos presentear com esse mundo onde concepções, metáforas e diferentes pontos de vistas colidem da maneira mais viva possível. E digo mais: as possibilidades criadas são tantas que o diretor poderia desenvolver, com tranquilidade, uma franquia a partir dessa primeira apresentação.
Esse pacote explode – literalmente – na tela, transformando a ida ao cinema em um espaço para experimentações sensoriais, principalmente quando se trata das cores e da trilha de André Hosoi (que também contribuiu com o trabalho de O Menino e o Mundo).
As cores, nesse caso, são muito mais do que elementos responsáveis por colorir imagens. Assim como o universo em que habitam, elas possuem vida própria e conquistam o protagonismo desse universo de sonhos e fantasia, funcionando como uma aquarela que preenche o quadro com muito do que o diretor gostaria de dizer. São peças fundamentais de uma proposta visual ora lírica, ora onírica, que dialoga com o conceito de fábula desde o início.
E é curioso notar que Alê Abreu inverte, reinventar e ressignificar algumas ideias, visto que O Menino e o Mundo é uma obra monocromática onde poucas cores ganham significados enormes, Em Perlimps, temos o oposto: o colorido se torna presença constante, enquanto a ausência do mesmo ganha mais peso dentro da narrativa.
Já a música, que também conta com uma participação decisiva de Milton Nascimento, se divide entre os tons aventurescos, toques que nos fazem mergulhar na natureza e sinais sonoros que soam quase como um MacGuffin. Tudo depende da sua imaginação…
É verdade que o diretor não deixa a amplitude de possibilidade subir à sua cabeça e mantém a simplicidade atrelada, de certa forma, à trama. No entanto, a imaginação continua em cena, como uma amiga íntima que aceitou ajudar na significação cadenciada de todas as metáforas.
Em outras palavras, Perlimps é uma animação singela que escolhe não começar os pés na porta justamente para criar esse diálogo mais compassado com suas temáticas adultas. As peças se encaixam e os significados ganham forma na mesma toada que a imaginação faz seu trabalho, permitindo assim que as interpretações ampliem a força do filme, seja nas metáforas mais clichês ou no próprio título do filme. Afinal, o que são perlimps?
Alê Abreu quer que você responda essa questão e vai além, fazendo questão de nunca subestimar as crianças. Ainda que boa parte do longa seja movida por críticas agudas ao capitalismo, à guerra, aos conflitos ideológicos, à destruição do meio ambiente e, principalmente, à presença destrutiva do ser humano no planeta, ele permite que espectadores de todas as idades acessem seu olhar infantil e mergulhem no universo de Perlimps.
E, convenhamos, não poderia ser diferente… As crianças são espíritos livres que têm predisposição para se tornar o que, na minha cabeça, seria um verdadeiro “perlimp”. Pequenos espiões com o poder de manter a chama da imaginação viva, transformar hábitos conservadores e participar ativamente da preservação desse planeta que um dia herdarão.
OBS: Graças a Vitrine Filmes, nós tivemos o privilégio de realizar uma (longa) entrevista exclusiva com o Alê Abreu durante a CCXP. Estará no ar em breve…