Oppenheimer, o novo filme de Christopher Nolan (A Origem) que se tornou meme na internet por compartilhar a data de lançamento com Barbie, finalmente chegou ao cinema nesta quinta-feira (20), se tornando, desde já, um dos meus projetos favoritos do cineasta e eu explico o porquê.
Porque gostei tanto de Oppenheimer?
Ao longo dos anos, Christopher Nolan conseguiu se estabelecer como um dos maiores diretores do blockbuster atual, reunindo uma legião fiel de adoradores que defendem ferrenhamente até suas obras menos inspiradas. Na mesma medida também acumulou uma série de vícios dos quais parecia incapaz de se livrar.
A despeito da fama de egocêntrico e megalomaníaco, Nolan parecesse ter ouvido seus críticos ao realizar Oppenheimer, projeto que combina a maturidade adquirida pelo cineasta durante duas décadas de carreira com o polimento que faltava em “Tenet” (2020) e “Interestelar” (2014), por exemplo.
E a grande sacada é que Nolan conseguiu se desprender de seus maus hábitos, sem nunca perder sua autenticidade, Oppenheimer é a pura essência de seu realizador e condensa suas melhores qualidades.
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Uma das obsessões do diretor é filmar tudo sempre da maneira mais realista possível, o que faz como que longas como as ficções científicas referidas acima percam a chance de se beneficiar da magia que o cinema oferece, deixando os belos takes com um ar vazio, uma linda embalagem cheia de nada.
A história sobre o criador da bomba atômica era o palco perfeito para o realismo de Christopher Nolan, que harmoniza com o tom proposto pelo filme, engrandecendo-o. Na melhor cena de Oppenheimer – e, até agora, a melhor cena do ano – os cientistas do projeto Manhattan realizam o teste da sua arma de destruição em massa. Gravado inteiramente com efeitos práticos, o resultado é uma explosão quase palpável, as chamas têm textura, cor, luz e um requinte de horror.
Esse momento do filme consagra Nolan como um diretor artesão, um mestre das técnicas que constrói suas cenas com minuciosa atenção aos mínimos detalhes, a experiência sensorial oferecida tem escala de blockbuster combinada com a autoralidade de um diretor meticuloso. É o tipo emoção que só a sétima arte é capaz de proporcionar.
Ainda durante a cena de teste, a explosão acontece de forma completamente silenciosa e Nolan sustenta o silêncio com a maestria de um adestrador que controla sua audiência, ninguém na sala de cinema se atrevia a respirar alto, só depois que o público teve chance de concentrar toda a atenção nas imagens é que o barulho chega, e sofremos o segundo impacto, o do som.
Se é impossível assistir Tenet no idioma original sem legenda e compreender o que é dito em pelo menos 60% do filme, por conta dos ruídos fora de hora e trilha sonora mais alta que as vozes dos atores, agora a mixagem de som é precisamente o principal triunfo de Oppenheimer que inclusive pode, merecidamente, sair vencedor dessa categoria no Oscar.
A incontinência verbal que assombra o cineasta ainda se faz presente, principalmente nas passagens do “julgamento” do protagonista e na sabatina de Lewis Strauss (Robert Downey Jr. – Homem de Ferro). Contudo, se existe ambientes que justificam esse tipo de diálogos expositivos são exatamente esses – como advogada posso falar com conhecimento de causa.
A repetição constante de informação também não incomoda, já que cria um paralelismo bonito e amarra a trama intrincada. Primeiro ouvimos Downey Jr. explicar porque seu personagem conspirou contra Oppenheimer e como organizou o procedimento burocrático que levou o físico a perder seu cargo no governo, negando a ele o direito de plena defesa; para logo em seguida, vermos os senadores utilizarem os mesmos artifícios contra o próprio almirante. Nisso, alguns diálogos se repetem palavra por palavra, mas ao invés de cansar, causa a catarse de vê-lo provando seu veneno. Graças a uma edição competente e bem amarrada, até o que não deveria funcionar, funciona.
Já as personagens femininas seguem sendo o calcanhar de Aquiles de Nolan, aqui reconheço que houve pelo menos uma tentativa, principalmente por parte das atrizes Florence Pugh e Emily Blunt, mas o texto ainda não permite que Jean Tatlock e Kitty Oppenheimer saiam da superficialidade, a primeira está irremediavelmente apaixonada pelo protagonista e sem ele sua existência é tão vazia que ela recorre ao suicídio, já a outra só sabe gritar e jogar coisas.
Por falar no suicídio de Jean, essa é a pior cena do filme que, por sorte, fica soterrada pelo restante do espetáculo e consegue passar despercebida. Ela é um resumo de todos os problemas dos já mencionados Tenet e Interestelar, primor técnico, subtexto interessante – o personagem de Murphy vê sua mão segurando a cabeça de Jean na banheira, pois se sente responsável por sua morte – mas nenhum sentimento para tratar de algo tão sensível.
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Por outro lado, o restante do projeto respira sentimento, não necessariamente graças ao texto de Christopher Nolan que também tem créditos de roteirista, mas à forma como sua câmera parece entrar na mente de Cillian Murphy (Peaky Blinders) que dá vida à Oppenheimer no melhor e maior papel de sua carreira.
Ator e cineasta trabalham com uma sintonia perfeita para transmitir cada emoção de Oppie: o desdém que sofria por não ser bom de laboratório, a saudade de casa, o ódio ao tentar envenenar seu professor, a culpa com toques de orgulho ao ver a capacidade de destruição de sua invenção, o cansaço ao passar por um julgamento que sabe ser impossível de vencer. Tudo transparece na nuance do olhar, num franzir de testa, ou em um sútil sorriso, há uma mistura de força e elegância na performance de Murphy que Nolan registra de forma magistral. A corrida pelo Oscar de melhor ator acaba de ficar mais interessante.
Em outro momento icônico do longa, após descobrir que os bombardeios foram “um sucesso”, Oppie faz um discurso de agradecimento para uma plateia que o celebra como um Deus, ao longo do seu pronunciamento o personagem principal começa a alucinar e gradualmente os gritos de euforia se transformam em choros de horror e ele passa a ver o rosto de seu público coberto de ferimentos, a cena é um verdadeiro pesadelo acordado e ilustra o estado de consciência do homem responsável por uma das criações mais letais da história da humanidade.
Quando a ideia da bomba começa a ser discutida, os cientistas são confrontados com a possibilidade de causarem uma reação em cadeia que irá queimar o mundo, o que não se confirma durante as testagens. Ao final do filme, em uma conversa com Albert Einstein, Oppie admite para seu colega, que ele acredita ter obtido essa reação, a montagem então intercala o olhar estarrecido no rosto de Murphy com cenas de ogivas nucleares e a superfície da terra em chamas. Depois de três horas de puro êxtase cinematográfico, Nolan termina seu thriller épico levantando a hipótese mais assustadora pensável e deixa seu público colado no assento quando as luzes se acendem.
Qualquer coisa que possa ser considerada uma imperfeição passa batida frente ao resultado final impactante que ficará por um bom tempo na mente de quem assistiu, crescendo a cada nova reflexão.
Com quase trinta anos de carreira, sucessos absolutos de bilheteria, e uma crítica majoritariamente favorável para todos, ou quase todos, seus filmes, Christopher Nolan não precisava provar nada para ninguém, mas provou!