Morte a Pinochet | Devaneios na ditadura chilena

Morte a Pinochet
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Morte a Pinochet tinha tudo para ser um ótimo thriller político, mas se perde divagações entre passado, presente e futuro

Em 1973, Augusto Pinochet foi nomeado comandante em chefe do exército no governo do socialista Salvador Allende. Mais tarde, em setembro, ele usou sua posição de liderança para orquestrar um bombardeio de três horas ao palácio presidencial, iniciando o golpe que também resultou no suicídio do atual presidente.

Pinochet foi assumiu como chefe de governo, contando com o apoio da Junta Militar Chilena e dos Estados Unidos (o país comandado, na época, por Nixon visava neutralizar o crescimento dos partidos de esquerda). Não por coincidência, uma de suas primeiras ações foi perseguir os políticos que apoiavam Allende por meio da Unidade Popular.

E esse foi só o começo dos 17 anos de uma das ditaduras mais violentas da América Latina. O período, que se estendeu até os anos 90, causou direta e indiretamente a morte/desaparecimento de mais de 3 mil pessoas e a tortura de outras 40 mil.

O caos só chegou ao fim quando 56% da população chilena votou pelo fim da ditadura em um referendo realizado por um Pinochet criticado em diversas instâncias. Só que, mesmo fora do posto de presidente, ele continuou no comando do exército por alguns anos e atuou como senador vitalício até 1998.

Morte a Pinochet
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Com isso, teve acesso a um foro privilegiado que o manteve impune e afastado de qualquer julgamento. Quando finalmente foi acusado por seus crimes contra a humanidade, viu o julgamento ser adiado por questões de saúde até sua morte em 2006.

Morte a Pinochet, filme chileno de 2020 que chega ao cinemas somente esse ano, propõe que o público volte no tempo e conheça um pouco mais dessa ditadura cruel pelo ponto de vista de pessoas comuns que deram sua vida pela resistência.

Qual é a história de Morte a Pinochet?

Baseado na história real de um ataque fracassado de um dos braços armados do Partido Comunista Chileno, a história se passa dois anos antes dos acontecimentos narrados no conhecido filme No, dirigido por Pablo Larraín.

Na trama, quinze anos depois do início da ditadura de Pinochet, acompanhamos um grupo de jovens que sacrificaram suas vidas e sua liberdade para participar da resistência. Os líderes são: Ramiro, ex-professor de educação física que se dedicou à luta armada, esquecendo-se das relações pessoais; Sacha, um jovem humilde das favelas de Santiago, entusiasta do futebol e sem formação política; e Tamara, uma psicóloga atraente que deixou uma família de classe alta para viver na clandestinidade e se tornou a única mulher com posto de comandante na Frente Patriótica.

A única coisa que une essas três pessoas completamente diferentes é o desejo de enfrentar a ditadura. A solução é arquitetar um plano – considerado impossível – para matar o tirano e, com isso, mudar o destino do país de uma vez por todas.

Morte a Pinochet
Foto: Divulgação / A2 Filmes

O que achamos de Morte a Pinochet?

Bastardos Inglórios, Operação Valquíria, V de Vingança Andor e até mesmo Os Mercenários são alguns bons exemplos de filmes e séries cuja trama envolve retirar ditadores do poder. Um passado com vários estilos e gêneros que, nesse caso, serve para uma coisa: mostrar que Morte a Pinochet, como fruto do ótimo cinema político chileno, tinha potencial para ser um bom filme de ação e/ou um ótimo thriller sobre a luta pela liberdade.

E, apesar de contar com história consideravelmente simples em mãos, o diretor e roteirista Juan Ignacio Sabatini (mais conhecido por sua carreira como documentarista) tinha amplo espaço para mergulhar nos anos sombrios do país e transformar seu primeiro longa de ficção em uma reconstrução épica da grandiosa missão que intitula a obra.

No entanto, o filme desperdiça todas as oportunidades ser impactante em prol do drama pessoal de Tamara e do desejo vazio de construir tramas mais complexas do que o necessário. Uma armadilha que atinge muitos diretores responsáveis por produções que envolvem espionagem, conspirações ou coisas desse tipo. É como se uma trama simples e direta não tivesse a permissão para habitar esse universo de relações intricadas e reviravoltas absurdas.

E não adianta negar que, no papel, Morte a Pinochet se baseia em momentos básicos e muitos claros: desenvolver a resistência, planejar a morte do ditador e, posteriormente, descobrir quem poderia ter traído o grupo. Talvez seja por do medo de não diferenciar seu filme de tantas obras similares que Sabatini escolheu o caminho das interrupções e dos devaneios entre passado, presente e futuro.

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Morte a Pinochet
Foto: Divulgação / A2 Filmes

E o meu problema não é a mera presença de flashbacks, por exemplo, afinal eles cumprem com a função narrativa de inteirar o público sobre a situação do país e daquelas pessoas envolvidas. Pode não ser necessário, mas é importante para um longa que deseja ampliar seu alcance sem prejudicar as reflexões sobre os homens e mulheres que sacrificaram suas vidas pela revolução.

Em outras palavras: o meu incômodo não está ligado ao aproveitamento de vários períodos temporais, e sim na maneira como o diretor monta Morte a Pinochet com o objetivo de encaixar todos esses devaneios.

São blocos de trama que não possuem tons ou sequer estilos similares. Um jogo de peças que não se encaixam, nem parecem que vão se encaixar. Algo que, com o passar do tempo, vai irritando tanto que anula qualquer imersão e torna enfadonho um longa com menos de 1h20 de duração (sem os créditos).

Existem, é claro, algumas cenas que funcionam individualmente (o encontro da protagonista com o pai, o embate de Sacha com a esposa, o próprio ataque a Pinochet) e ajudam a retratar o peso de um sacrifício. Porém, até mesmo esses momentos acabam sendo cortados no meio por vislumbres do passado ou quem sabe um gostinho do que acontecerá no futuro. Resultado: apesar de ter um ritmo lento, Morte a Pinochet não concede ao espectador tempo para respirar ou se conectar com os protagonistas.

Morte a Pinochet
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Infelizmente, o que fica é o desinteresse e a sensação – quase certa – de que estamos diante de mais um filme simples que deixa de explorar sua trama de forma razoavelmente impactante para ser complexo.

Mas não para por aí… O incomodo aumenta quando chegamos ao final e recebemos uma revelação que, além dos toques de obviedade, passa por uma série de escolhas ainda piores de mise en scene e montagem. Eu até entendo que, na cabeça de Sabatini, parecia genial ou impactante, mas a execução elimina qualquer potencial mais uma vez.

O único acerto (que, na minha opinião, é deixar alguma dúvida em torno do espião) também é destruído pelo segundo final de Morte a Pinochet. Um retorno do diretor ao cinema documental que coloca a versão original de um dos personagens para revelar essa verdade que ninguém queria ou precisava saber.

Uma decisão que vai contra tudo que está na cartilha dos thrillers históricos. Uma escolha que escancara a preferência do diretor por relacionamentos mal desenvolvidas e divagações sobre o tempo que, não por coincidência, são justamente as responsáveis por impedir o público de sentir o peso dessas relações forjadas pela busca por liberdade. Uma pena…


Morte a Pinochet estreia em cinemas selecionados no dia 16 de fevereiro

Assista ao trailer de Morte a Pinochet

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