Alex Garland começou sua carreira de cineasta no cinema de gênero com as ficções científicas Ex Machina e Annihilation, que foram sucessos consideráveis, recentemente o diretor uniu forças com a produtora queridinha dos cinéfilos, a A24, o primeiro filme fruto dessa parceria foi Men, uma bagunça controversa que dividiu opiniões, e o novo Guerra Civil, que estreou na quinta-feira dessa semana (18/04) e ao contrário de seu antecessor tem gerado uma repercussão positiva.
Esse longa-metragem marca a primeira tentativa da produtora/distribuidora, que antes era conhecida por ser mais voltadas a projetos indies, de fazer um grande blockbuster, inclusive com todo o maketing voltado para a ideia de um filme-evento. Até agora o desempenho de bilheteria tem sido bastante satisfatório, tendo feito uma boa semana de abertura nos Estados Unidos, o que pode indicar uma mudança nos rumos futuros da A24.
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Qual a trama de “Guerra Civil”?
Como sugere o título, acompanhamos os desdobramentos de uma guerra civil que assombra os norte-americanos pelo ponto de vista de uma equipe jornalística, que sai na estrada em busca de uma entrevista e uma foto do presidente da república, que está prestes a ser derrubado pelas forças opositoras.
O que achamos do filme?
Alex Garland opta por nos jogar de cara no meio dessa guerra em curso, sem fornecer quaisquer explicações acerca da sua origem. Tudo que sabemos, pelos diálogos entre os protagonistas, é que o país se encontra dividido em facções: as forças ocidentais, o new people’s army, a aliança da Flórida e os estados leais ao atual governo – que são a maioria territorial, mas encontram-se na iminência de perder essa disputa.
Essa escolha por não explicar os contornos políticos que levaram a esse cenário pode desagradar parte do público, mas para mim funciona por evitar o didatismo e a expositividade, até porque esse não é um filme sobre essas tensões políticas em si, mas sim sobre o registro de suas consequências.
O que, de forma alguma, torna o filme apolítico – até porque isso é uma falácia, afinal não se posicionar já é um posicionamento – muito pelo contrário, essa abordagem serve justamente para desmistificar essa ideia de jornalismo/fotografia apolítica, já que a todo momento são feitas escolhas que de alguma forma, direta ou indiretamente, refletem a posição política do escritor/fotógrafo, reforçando o que já foi dito acima, de que até mesmo para se isentar é preciso fazer uma escolha.
Alex Garland não quer que seu público desvie sua atenção para debater qual facção política estava com mais ou menos razão, o recorte do filme não propõe isso – e aí vai de cada um se identificar ou não com essa (não) proposta – o que ele busca é trazer considerações acerca do olhar daqueles repórteres, sem que o texto precise dizer isso, jogando esse debate para o colo do público ao invés de esmiuçá-lo.
E para fazer isso, Garland joga seus protagonistas na estrada de Nova York até a capital, criando um road movie em um cenário quase apocalíptico para que possa mostrar – ao invés de contar apenas textualmente – como está se desenrolando a guerra e como ela transforma todos a seu redor, inclusive aqueles que fingem, com apatia, que nada está acontecendo, trazendo novamente a ideia de que permanecer “neutro” é uma ilusão.
Essa foi – ao menos para mim – uma das cenas mais duras do filme, precisamente porque enxergar tanta normalidade no meio daquele caos parece errado, chega a dar um aperto no coração quando pessoas tão emocionalmente destruídas pelos conflitos são colocadas naquele cenário inabalado, onde vivem suas vidas com serenidade, completamente alheios a tudo que está acontecendo ao redor, poucos quilômetros de distância.
O olhar sofrido no rosto dos personagens ao comentarem que aquela realidade é tudo aquilo que tinham esquecido ou tudo aquilo de que se lembravam de uma época que não volta mais, algo que já viveram, mas hoje não passa de uma utopia inalcançável, ainda que algumas pessoas ainda vivam assim, bem ao lado deles.
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E ao sair dali, já são imediatamente jogados de volta para a realidade de violência e desconfiança com a qual se habituaram e de forma que os veteranos se tornaram praticamente imunes a ela. É inclusive interessante acompanhar a diferença da jornada da personagem de Kirsten Dunst (Maria Antonieta) e da novata vivida por Cailee Spaeny (Priscilla), enquanto a mais jovem precisa aprender a criar uma casca grossa, a outra é desafiada a se “desendurecer” – que especificamente nesse contexto não é o mesmo que amolecer.
Já o personagem de Wagner Moura é uma pessoa tão dessensibilizada pelos horrores corriqueiros que ficou viciado nas adrenalinas por eles proporcionadas, a ponto de não mais temer pela própria vida – exatamente igual um drogado mesmo.
A partir do cenário de incertezas, Alex Garland constrói a tensão sempre presente nessa obra e faz isso com a maestria própria de alguém que não é estranho ao cinema de gênero e sabe criar momentos angustiantes. Existem alguns exemplos ao longo do filme, sem dúvidas o mais emblemático é o segmento que envolve o sempre brilhante Jesse Plemons que rouba as atenções mesmo com poucos minutos de tela, em uma participação breve e incisiva ele encapsula perfeitamente o horror e a brutalidade daquilo que seu personagem representa.
Mais de doze horas depois e sua performance não sai da minha cabeça – ainda que esteja cercado de outros atores que não deixam nada a desejar. Com um filme visualmente lindo e que abre margem para diversos tópicos de debate e análises, Alex Garland reuniu seus pontos fortes para criar o que eu considero ser sua obra-prima.