Uma foto, um nome e memórias difusas da infância. No documentário “Minha Bê” (2023, 30 min, ES, Brasil), a diretora Adriana Jacobsen busca por Beatriz, que trabalhou na casa de sua família como babá, nos anos 1960, e que após um surto foi internada no extinto Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, em Cariacica, região metropolitana de Vitória (ES).
Sobre o documentário Minha Bê
No filme, a diretora reencontra a única foto que tem de sua babá e não a reconhece. O documentário, então, investiga a história de Beatriz e o processo de desaparecimento de alguém da memória pessoal e coletiva.
Na investigação, o espectador é levado pela narração da própria diretora e imagens de arquivo das décadas de 1960, 1970 e 1980 que se mesclam com depoimentos atuais. O ponto de partida é a entrevista com o médico psiquiatra, psicanalista e escritor Ruy Perini. Ele trabalhou no hospital em que Beatriz foi internada e ambienta cenários possíveis para o transtorno vivido por ela – e para que Adriana possa percorrer os rastros deixados pela própria memória.
Desse momento em diante, o filme parte em busca de pessoas que poderiam ter convivido com Beatriz e chega à Roda D’Água, zona rural de Cariacica, local onde a diretora sabia que a babá possuía familiares. “Minha Bê” também contou com imagens de acervos familiares, da Cinemateca Brasileira e da TVE Espírito Santo.
“Há muito queria relembrar a história dessa mulher que fez parte da minha infância e que de repente sumiu da minha vida, mas que ficou na minha memória. Era uma ausência sempre presente. Nunca deixei de pensar na Beatriz. Eu percebi que aquela era minha história, mas que também era uma história exemplar sobre as relações de poder na sociedade brasileira.
Eu queria deixar isso registrado e reencontrei o Lucas Bonini, com quem já tinha trabalhado antes. Ele é um entusiasta do arquivo e buscamos criar no filme uma espécie de atmosfera que de alguma forma remetesse à minha memória das décadas em que a história se passa”, explica Adriana, fazendo menção ao seu parceiro de
projeto, com quem assina em conjunto a produção e a montagem do curta-metragem. Narrativas de uma mesma história Além da premissa do documentário, “Minha Bê” expõe os resquícios escravocratas por trás da contratação de empregadas domésticas que se viam obrigadas a renunciar à própria vida para se dedicar à dos patrões.
“A história se passa em uma época onde as mulheres que trabalhavam como empregadas domésticas tinham quase nenhum direito e muitas vezes moravam na casa dos empregadores. Imagine as consequências disso para a psique de uma pessoa, que é obrigada pelas circunstâncias a renunciar a seus próprios desejos em prol de uma família que não é a sua. Creio que minha visão, meu testemunho, é importante porque vivi isso na infância, com pouco filtro, com o olhar curioso e de espanto de uma criança”, pontua Adriana.
Confira também: Dungeons e Dragons: Honra Entre Rebeldes – Crítica | Para jogadores ou não
Sinopse oficial
“Minha Bê” parte da dissonância entre a representação e a memória. A diretora reencontra a única foto que tem de sua babá e não a reconhece. Narração, imagens de arquivo das décadas de 1960, 1970 e 1980 e depoimentos atuais se mesclam na investigação por vestígios de Beatriz.
Participação: Ruy Perini, Maria Lopes, Anita e João Falcão, Nete e Daniel Falcão.
O filme também revela uma nítida mudança no trato das doenças mentais ao longo dos anos. Esses temas serão discutidos na sessão de pré-estreia da obra, na Semana Calórica de Psicologia da (Ufes). “O documentário dá voz a um médico e uma enfermeira que trabalharam muitos anos no sistema de saúde mental do Estado. Eles contextualizam bem o tratamento de doentes mentais no fim do século passado. A exibição será seguida de um debate e creio que a exibição pode levantar questões bem relevantes para os alunos de Psicologia.
Vai ser um primeiro teste de reação ao filme em uma sala de cinema, estou muito curiosa”, ressalta a documentarista.
“Minha Bê” é uma produção do Instituto Marlin Azul, aprovado pelo edital de Documentários da Secult ES, com recursos do Funcultura.
Sobre a diretora Adriana Jacobsen
Adriana Jacobsen é realizadora audiovisual, licenciada em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo, graduada e mestre em Ciência da Comunicação pela Universidade Livre de Berlim. Codirigiu o premiado documentário “Outro Sertão”, sobre a estadia de João Guimarães Rosa na Alemanha nazista. Em 2023 codirigiu a minissérie “Fato e Versão” sobre fotojornalistas capixabas.
Onde assistir?
O documentário “Minha Bê” tem pré-estreia confirmada no Cine Metrópolis, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), no dia 11 de abril de 2023, à partir das 9h. A entrada é gratuita.