“Nadando Até o Mar Se Tornar Azul” é um conjunto de histórias contadas com uma sensibilidade ímpar
As pessoas podem vir do mesmo lugar, mas não necessariamente precisam seguir os mesmos caminhos. Talvez essa seja a frase que defina “Nadando Até o Mar Se Tornar Azul”, um documentário sobre memórias e depoimentos que mesclam o urbano e o rural, o cidadão mais simples até o mais intelectual, e assim por diante.
Em maio de 2019, importantes escritores e acadêmicos chineses se reuniram em um vilarejo na província de Shanxi, na China —que, por acaso, é a província natal do diretor Jia Zhangke (autor do pôster da Mostra deste ano).
As imagens desse evento literário iniciam uma narrativa em 18 capítulos que abrange a história da sociedade chinesa desde 1949. Essa história é contada por meio das memórias do falecido escritor e ativista Ma Feng e dos testemunhos de três grandes escritores: Jia Pingwa, Yu Hua e Liang Hong, nascidos nas décadas de 1950, 1960 e 1970, respectivamente.
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“Nadando Até o Mar Se Tornar Azul” é uma das produções mais pessoais da Mostra de São Paulo 2020. É possível sentir o peso de cada crônica contada, seja ela sobre amor, trabalho, política e até mortes. As transformações que tornaram aquela aldeia próspera, são contadas da forma mais quieta possível.
Ás vezes a câmera de Jia Zhangke parece tímida, apenas contemplando as vozes e rostos, algo muito parecido com o que Eduardo Coutinho fazia, tornando o personagem e seu relato, maiores do que toda a trama. Um estudo de memórias, nem sempre tão fiéis, por vezes falhas, mas sempre espiritualizadas.
O ritmo propositalmente lento dos 18 capítulos, pode fazer com que “Nadando Até o Mar se Tornar Azul” seja um filme melancólico e ancorado apenas no sentimento nostálgico dos personagens, mas é muito mais do que isso. O documentário é um retrato carinhoso e culturalmente essencial no entendimento do povo chinês.
Apesar de acompanhar figuras criativas, Jia Zhangke não está interessado em seus textos, mas em como chegaram, onde estão, e para onde vão à partir dali. Talvez isso fruste um pouco aqueles que achavam que “Nadando Até o Mar Se Tornar Azul” sairia um pouco de um clima estático aparente. Por mais que os assuntos sejam ricos, o documentário exige paciência em certos momentos, talvez, por nadar demais, e acabar morrendo na praia.