Chegando na sua terceira temporada no Canal Brasil, a série Amigos, Sons e Palavras é um prato cheio para quem gosta de uma boa conversa
O primeiro episódio dessa temporada abre com Gilberto Gil interpretando a canção Palco, e não poderia ser melhor ou mais simbólico. Afinal, quando falamos de palco, estamos falando de um local cheio de poder onde artistas de diversos tipos (que, querendo ou não, são os protagonistas da série) se expressam, interagem e resistem. O local onde eles existem, assumindo seu papel na encenação da vida.
Mesmo não sendo um palco literal, a liberdade poética nos permite chamar assim o espaço onde Gil lidera seu programa de título claro e direto. O local onde ele recebe amigos sons e palavras para uma conversa cheia de filosofias verdades e emoções genuínas.
O que é Amigos, Sons e Palavras?
É um programa de bate-papo que chega a sua terceira temporada no Canal Brasil, sob o comando de um genial e sempre carismático Gilberto Gil. A proposta é receber personalidades brasileiras para uma conversa intimista, afetuosa e descontraída sobre assuntos como relações familiares, sustentabilidade, alimentação, velhice e, claro, arte.
Durante algumas semanas, o público poderá assistir aos papos com Fernanda Montenegro, Liniker, Marcelo Adnet, Demétrio Magnoli, Gabriela Lemos, Laymert Garcia, Hermano Vianna, Ronaldo Lemos e outros rostos conhecidos. Os episódios mantêm o mesmo formato das temporadas anteriores, Gil abre o programa cantando uma música especificamente escolhida para o convidado e então a conversa se desenrola a partir da canção.
O programa de estreia marca o encontro dos ” imortais ” Gil e Fernanda Montenegro . Depois da abertura, ao som da música “Palco”, os dois falam sobre o ‘batismo’ de suas profissões em um palco.
“Tem uma vida particular, celular, resguardada, sacramentada, que dá poder a você para essa outra entidade (a da interpretação) vir à tona. É uma esquizofrenia aceita. E é assim comigo. Tem a minha porta de casa para dentro, que é uma entidade e tem uma pessoa da porta para fora que é uma outra entidade. Ela pode até mudar de caráter, mudar de tom de vida, mudar o modo de intervir”, conta Fernanda, sobre a dualidade da vida de uma atriz.
Os dois conversam sobre a idade e a representatividade de ambos e, sobre Fernanda, Gil expõe uma opinião muito clara: “Na dimensão simbólica, na dimensão espiritual, você tem sido sim uma mãe extraordinária pra mim e pra tanta gente, sem dúvida! Inspiradora”, como forma de simbolizar a sua relevância para a arte e a cultura do
Brasil.
Como serão exibidos dois episódios em sequência, também no dia 23, Gil recebe Liniker em uma conversa profunda e inspiradora iniciada ao som da música “Raça Humana”. Quando o cantor pede para ela definir o que seria a raça humana em sua visão, a compositora fala dos mistérios acerca do que ela acredita definir os seres humanos.
“Eu sinto que a raça humana é esse grande mistério que a gente passa uma vida inteira na busca de entender. Eu fico na sensação de que eu não sei se isso tem um ponto final… acho que a raça humana é sempre uma feitura diária”.
A cantora conta, também, do processo de transição de gênero e explica a sua eterna busca por desconstrução e reconstrução. “Eu estava cansada de não existir mais, estava cansada de viver uma coisa imposta que eu não era… Estava cansada de não me sentir pertencente ao meu corpo, às minhas ideias. Eu precisei recomeçar, precisei mergulhar dentro de mim pra conseguir entender então quem eu era, o que eu sentia… E acho que isso não é uma coisa findada, eu sigo nessa construção de mim mesmo, sigo na construção do meu caminho… E isso vai ser pra sempre”.
O programa tem direção de Letícia Muhana e Patrícia Guimarães, e produção da Gegê Produções Artísticas, com direção de produção de Flora Gil e direção musical de Bem Gil.
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Amigos, Sons e Palavras: Um prato cheio para quem gosta de uma boa conversa
Amigos, Sons e Palavras não é um talk show, nem um programa de auditório formulado em torno de entrevistas com famosos. É um papo mais leve e informal que, apesar de não acontecer em uma mesa de bar, carrega consigo esse estilo que remete a diálogos entre amigos que passeiam por futebol, política, vida de casado, trabalho e tantos outros assuntos cotidianos.
Um formato muito comum que podem ser encontrados tanto em podcast, quanto em programas como esse comandado por Gilberto Gil. O também cantor Daniel, por exemplo, está explorando essa ideia em uma web série chamada Duas Vozes, em que convida outros cantores para conversar e logo depois gravar duetos especiais.
E o intuito não é tomar conta da alcunha de apresentador ou brincar de jornalista. É sentar com um amigo ou conhecido de profissão para falar sobre coisas do cotidiano. O que, no caso do cotidiano de pessoas como Gil e Fernanda Montenegro, significa falar sobre arte, poesia, velhice e Academia Brasileira de Letras.
Tudo com uma franqueza e uma verdade que impressionam justamente por conta da amizade, das semelhanças de vida ou da admiração. Até mesmo quando se trata de alguém que encontrou o “host” poucas vezes na vida, a sensação é de que eles são velhos amigos se reencontrando depois de muito tempo. Duas pessoas colocando o papo em dia de maneira musical, bonita e inspiradora.
Algo que, como pudemos ver na coletiva de imprensa, é inerente à personalidade de Gil. Um artista humilde que abre mão de falar que a série tem a sua cara para destacar a importância do coletivo ao mesmo em que insiste em se classificar não como apresentador, e sim como um conversador nato.
A direção atenta aos detalhes, gestos e olhares ajuda nessa comunicação. Afinal, do outro lado da tela, existe uma terceira parte da conversa que merece ser inserido em tudo que Gil e seus convidados estão sentindo. É como se estivessemos ali, respirando o mesmo ar de pessoas dispostas a abrirem suas vidas em um bate-papo. E não existe nada mais belo e enriquecedor do que reunir tantas coisas boas em pouco menos de 30 minutos.