Além do Tempo | Do desespero palpável ao luto artificial

Além do Tempo
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Drama holandês que se divide em duas linhas temporais, Além do Tempo transmite sentimentos poderosos quando está em alto-mar, mas falha ao mergulhar em um mar de repetições no futuro


Eu acredito que alguns sentimentos que nunca serão plenamente explicados, ainda que centenas de filósofos, psicólogos, religiosos e demais especialistas entrem no circuito. Além do Tempo – drama holandês que chega aos cinemas essa semana – lida com dois exemplares que com certeza fariam parte dessa lista: o amor e a perda. 

O amor pode estar ligado ao desejo ou à eterna busca pelo belo, pode ser líquido ou eterno, pode ter raízes religiosas ou mitológicas. De Platão a Bauman, passando por Kant e tantos outros estudiosos, muita gente já estudou e tentou explicar o amor. Por mais que eles estejam certos em vários pontos, esses conceitos não conseguem abarcar a experiência individual. 

O mesmo pode ser dito sobre a perda e o luto, apesar de diversas ciências conseguirem abordá-los com um pouco mais de propriedade. Para a psicanálise, por exemplo, “o luto é caracterizado como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto” (Cavalcanti, Samczuk e Bonfim, 2013). 

Quando lembramos que essa perda pode estar ligada não apenas a morte, mas também a outras situações cotidianas, como separações ou mudanças de cidade, fica ainda mais fácil compreender o que nosso corpo e nossa mente enfrenta em momentos como esses. 

No entanto, esse entendimento não muda uma verdade: cada um vive o luto (e o amor) de formas distintas e por tempos distintos. Não existem regras quando se trata de amar, cultivar relacionamentos ou lidar com uma perda.

Além do Tempo
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Qual é a história de Além do Tempo?

Lucas e Johanna estão perdidamente apaixonados, vivendo os anos 70 em um mundo cheio de sonhos e ideais. No entanto, um doloroso acidente durante sua viagem de barco no Atlântico acaba gerando uma separação traumática. 

Trinta e cinco anos depois, já no fim de suas vidas, os dois se reencontram e descobrem que o amor – profundamente enraizado – ainda é muito forte. O problema é que para confiar novamente um no outro e viver esse amor além do tempo, eles precisam lidar com os segredos e fantasmas do passado. 

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Além do Tempo
Foto: Divulgação / A2 Filmes

O que achamos de Além do Tempo?

Para começo de conversa, meu dedo está coçando para falar sobre essa sinopse (utilizada no mundo inteiro) que é praticamente uma propaganda enganosa. Além do Tempo tem amor, traumas e separações, assim como possui uma passagem temporal, porém não pode ser classificada como uma obra que aborda o amor ou a confiança após anos de afastamento. É, na maior parte do tempo, um filme sobre embates rasos que passam correndo pelos segredos ou pelas consequências do luto. 

No entanto, existem outras coisas mais importantes para comentar do que o fato do “resumo” tentar vender mais um drama romântico do que uma história dolorosa sobre perda. 

Dito isso, eu gosto bastante do que Theu Boermans (renomado diretor de teatro que comanda a produção) faz na primeira parte de Além do Tempo. Os momentos no passado – tanto no barco, quanto no apartamento após o acidente – lidam muito bem com a força das emoções que cercam o momento da perda e as várias formas de luto que surgem com o passar do tempo. 

As sequências em alto-mar, particularmente, criam uma dinâmica de contraste muito interessante entre a dimensão da perda vivida pelos protagonistas e a imensidão do Oceano Atlântico. Como o público também não sabe nada sobre o sumiço de Kai, fica muito fácil permanecer conectado aos pais e sentir o desespero deles enquanto o barco parece perdido na vastidão azul que Boermans explora com os planos aéreos.  

Além do Tempo
Foto: Divulgação / A2 Filmes

As boas atuações de Sallie Harmsen (Blade Runner 2049) e Reinout Scholten van Aschat (Nocturne) também ajudam a preencher a tela com emoções palpáveis e estreitar essa conexão sentimental com o espectador. É verdadeiramente tocante acompanhar o desespero deles no barco, seguido pela apatia que os persegue dentro e fora de casa, pelas escolhas que cada um faz na esperança de seguir em frente e pelas discussões que ampliam o afastamento apesar do amor. 

O problema é que nada disso consegue ser replicado quando o filme viaja para o futuro – ou para o presente, se preferir. Não que replicar as boas escolhas da primeira mudaria alguma coisa, mas poderia ajudar esse segundo a ser menos insuportável. 

Além de sofrerem com a latente falta de química, a dupla de protagonistas – agora interpretada por Elsie de Brauw (Modern Love Amsterdam) e Gijs Scholten van Aschat (Máquina de Guerra) – cai na armadilha de uma direção que se limita a recriar as discussões do passado de forma mais neutra e vazia. O resultado é uma extensão estéril e repetitiva de debates e sentimentos que já apresentavam sinais de desgaste nos minutos derradeiros da primeira parte.

Além do Tempo
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O céu eternamente acinzentado até tenta criar um contraste com o calor da luz amarelada que predomina na primeira parte, mas não funciona. A direção sem dinâmica, o elenco apático (no pior sentido da palavra) e as repetições sem qualquer profundidade impedem Além do Tempo e o público de mergulhar no luto e se aprofundar nas possibilidades dramáticas dessa dor que ficou presa no íntimo de Johanna e Lucas por mais de três décadas. 

Em dado momento, Theu Boermans parece estar tão perdido nos desdobramentos forçados desse futuro artificial que deixa de trabalhar a ausência de Kai para insistir na repetição apelativa de suas últimas imagens. Talvez estivesse torcendo para arrancar alguma lágrima e salvar o longa, mas, infelizmente, o potencial estava perdido e o naufrágio decretado há muito tempo. 


Além do Tempo estreia com exclusividade nos cinemas brasileiros no dia 03 de agosto
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