Nossos meninos cresceram… e as temáticas também! A terceira, e aguardada, temporada de “Heartstopper” foi lançada na última quinta-feira (03) pela plataforma Netflix, e prometia ser uma das mais emocionantes. O que de fato se concretiza ser! Baseada na série em quadrinhos de Alice Oseman (que continua como criadora e roteirista no projeto audiovisual), a mais nova temporada aborda questões mais densas e pertinentes, ao passo que não perde nem o cerne criativo da sutileza e inocência, nem o fio da meada.
Enquanto os vários casais aproveitam o tempo juntos, Nick (Kit Connor) percebe que Charlie (Joe Locke) traz consigo algumas inseguranças e problemas que vão além do que todos poderiam imaginar. Em uma jornada de muitos desafios, ansiedades, preconceitos e aceitação, o grupo de amigos embarca numa onda de amadurecimento, enquanto o Charlie e Nick fazem o possível para superarem todos obstáculos e se tornarem cada vez mais próximos e íntimos.
O elenco cativante está de volta em seus papéis de costume, mas outros ganham mais destaque nessa temporada, principalmente por agregarem ainda mais questões sociais e de diversidade, como é o caso dos arcos de Isaac, interpretado por Tobie Donovan; Imogen, interpretada por Rhea Norwood; e a irmã de Charlie, Tori Spring, interpretada por Jenny Walser. Até Jonathan Bailey (de “Bridgerton“, 2020-) deu as caras em um dos episódios! Todos estes ganham desenvolvimentos únicos e especiais, que pedem muito por um melhor aproveitamento numa próxima temporada, mesmo se mostrando suficientes e satisfatórios nos episódios que temos, por enquanto, disponíveis.
Não temos mais Euros Lyn na direção (apesar de continuar na produção executiva), pois o espaço agora é de Andy Newbery, em todos os episódios. Newbery, que já possui experiência em direção/assistência de direção em série televisiva no currículo (algumas bem dramáticas, por sinal – alô BBC), não erra em nada, dando continuidade à fluidez que é marca de “Heartstopper“. Aliás, o elo animado, como as montagens mais divertidas e as interações com os desenhos à la a própria novela de Oseman, retornam com tudo, incrementando a história e quebrando o gelo em alguns momentos.
Muito o se fala sobre a decisão de “Heartstopper” em retratar os romances LGBTQIA+ (não só os de dentro da comunidade, mas particularmente estes) de forma colorida e “romantizada”, o que não se sustenta por si só além de ajudar a criar uma expectativa para algo que não condiz com a realidade. Na crítica da segunda temporada (que você pode ler clicando aqui), trouxe alguns aspectos que o projeto toma para si ao adotar esse tipo de mentalidade. O fato é que, enquanto insistirmos que o mundo é cruel e não fazermos nada por nós mesmos para que isso mude, nada efetivamente irá mudar.
E a série triunfa ao, novamente, mostrar que tem domínio do que faz e do que quer contar, abordando temas sensíveis, difíceis e atuais, mas de uma forma que se faça fácil entender o que temos que fazer para que tudo se resolva da melhor forma possível e sem que o processo seja tão tortuoso quanto já é. Porque tudo pode, de fato, ser resolvido de forma simples! Mas precisamos ter as pessoas certas ao nosso lado para tal.
Com o passar dos anos colegiais, e o amadurecimento de todas as personagens (físico e psicológico), é normal que seja necessário o momento de se tocar em assuntos próprios de etapas como essa. Aqui, o roteiro se debruça sobre relações familiares; sexualidade; transtornos mentais e ansiedade; identidade sexual e inseguranças de forma objetiva e comovente, deixando espaço para a conscientização do importante papel da psicoterapia e, principalmente, a rede de apoio.
E esta, talvez, seja a grande lição de projetos como “Heartstopper“: ninguém, nunca, está sozinho. E não precisa estar. A amizade das personagens do grupo é tão verdadeira que, por maior que pareça ser a desavença (como, por exemplo, a exclusão de um amigo solteiro como consequência de uma exaustiva dedicação a um novo relacionamento), a resolução toma rumos tão simples quanto chamar para uma conversa e pedir desculpas. Isso, no contexto do programa, não é um distanciamento da realidade; mas, sobretudo, uma aproximação do que ela deveria ser.
A certo nível, os problemas mais complexos, como o transtorno mental e alimentar de Charlie, ou a ansiedade por expectativa social de Tara (Corinna Brown), parecem ser resolvidos de forma mágica. Isso pode ser fruto da experiência mais curta de duração dos episódios, ou da própria decisão narrativa do roteiro. Porém, não há sentido para o projeto em se debruçar sobre as dores e as dificuldades, e isso não quer dizer que ele as está anulando. Muito pelo contrário: “Heartstopper” reconhece os problemas, mas prefere focar no que está perto para ajudar a resolvê-los.
Foi como o personagem de Eddie Marsan disse, como o psicoterapeuta de Charlie, Geoff, em um dos episódios: “o trauma não te define, mas também não some em cinco minutos, então… se dê algum crédito“. O respiro, a ingenuidade, a sinceridade, o romantismo e a leveza não tornam um relacionamento ou uma amizade menos real; é, todavia, mais capaz de torná-los autênticos e duradouros.
A preocupação de “Heartstopper” em exaltar o que de melhor podemos esperar das pessoas é um princípio louvável e muito bem executado, banhado em originalidade e temperança pela terceira vez consecutiva. Temos um elenco conectado e empenhado; decisões assertivas e críveis; resoluções inspiradoras; e uma direção de arte impecável (como sempre)! Um projeto sensível, belo e sem medo de ser colorido para nos ensinar que nos conectar verdadeiramente com outras pessoas e criar vínculos saudáveis não é história pra quadrinhos; é pra levar pra vida!
A 3ª TEMPORADA DE HEARTSTOPPER JÁ ESTÁ DISPONÍVEL NO CATÁLOGO DA NETFLIX.