Heartstopper (2ª Temporada) – Crítica | As cores e as dores da aceitação

Heartstopper (2ª Temporada) - Crítica | As cores e as dores da aceitação 1

Em tempos de streaming, o público é quem tem voz suprema ao decidir o que é sucesso ou não. E com toda a certeza, Heartstopper conquistou o coração de muita gente, o que abriu os olhos da senhorita Netflix para que investisse no projeto. Com isso, fomos agraciados com uma segunda temporada à altura, repleta de novos sentimentos, desafios; e que não abre mão da autoralidade e da leveza e fluidez narrativas.

Temos de volta os jovens Joe Locke e Kit Connor como o casal principal, Charlie e Nick, respectivamente; e os queridos Yasmin Finney, William Gao e Tobie Donovan como o trio coadjuvante, mas detentores de novos arcos muito bem definidos em tom de importância. A autora e ilustradora Alice Oseman retorna para seu posto de produtora, ao lado do diretor Euros Lyn, numa cooperação mais que saudável.

Nesta segunda temporada de “Heartstopper“, Nick encontra-se desafiado por si mesmo a entender como será sua vida pública a partir de agora, uma vez que não é assumido como seu namorado Charlie. Uma viagem à França, novos personagens e novos romances são os pontos altos desta fase, para mostrar ao mundo, mais uma vez, que a autenticidade e o companheirismo são valores que levamos para a vida toda.

Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) se beijando, em Heartstopper.
Foto: Reprodução.

Um grande desafio para os realizadores ao se proporem a filmar uma continuação, seja nos cinemas ou nas plataformas de distribuição, é manter a essência da obra precursora, pois ela, afinal, foi quem ditou o tom de sucesso que motivou o interesse de continuar a se contar uma história; ao mesmo tempo em que novas perspectivas e cenários sejam adicionados para ampliar o universo até então concebido. Felizmente, “Heartstopper” é um daqueles casos em que o amadurecimento e a inovação é a todo instante almejada, mas a “partícula essencial” que caracteriza o universo criado por Oseman não é perdida de vista.

Isso é notável, não somente pelo físico dos atores (que “envelheceram” e se “emposturaram” ao longo das filmagens, em comparação com a primeira temporada), mas também pela forma como dialogam entre si e lidam com as situações-problema apresentadas. Os últimos episódios, por exemplo, por mais próximos de uma resolução que estivessem, mostram que as personagens têm muito domínio sobre o que pensam sobre si e sobre o momento que vivem, e como tentam manter o controle mesmo quando tudo parece perdido.

Em alguns momentos, o espectador consegue ter aquela sensação que é muito familiar da obra literária “O Pequeno Príncipe“, de Antoine de Saint-Expéry: a simplicidade de pensamento que, de tão simples, é profunda; e sendo profunda, torna-se madura.

Heartstopper (2ª Temporada) - Crítica | As cores e as dores da aceitação 2
Foto: Divulgação Netflix.

O acerto de Euros Lyn, que retorna como diretor de todos os episódios, é manter a leveza e o carisma que permeia toda a construção de concepções de “Heartstopper“. O elenco permanece igualmente cativante, as cores continuam muito presentes e vibrantes e as temáticas se reinventam em passos significativos e satisfatórios. Torna-se lógico e muito mais aceitável todo o trabalho realizado ao entorno da realidade de Nick ao sair do armário. Como é seu contexto familiar e de amigos, os receios, as preocupações, os questionamentos… ao mesmo tempo, Alice Oseman estende sua preocupação ao desenvolver mais características de outras e novas personagens.

Temos aqui um arco belíssimo para os jovens Tao (William Gao) e Elle (Yasmin Finney)! Não há uma facilitação para que realmente exista algo entre as personagens. As casualidades e os desafios chegam na mesma proporção que chegaram para Charlie e Nick na temporada anterior… ou seja, vemos uma relação fluida e extremamente natural. A “ingenuidade” e a visão colorida que “Heartstopper” retrata continua a não ser incômoda; é, antes, a grande virtude do projeto, uma vez que não adota as visões sofridas e pessimistas que a própria realidade já nos dá.

Tao e Elle num encontro romântico em "Heartstopper"
Foto: Reprodução.

O desenrolar da relação entre as personagens de Joe Locke e Kit Connor é extremamente prazeroso de acompanhar (embora pareça exagero a quantidade de cenas entre os dois se beijando. Chega a ser um atentado aos solteiros). Assim como a vida, o roteiro divide por fases os acontecimentos da vida particular de cada metade do casal principal, e como o namoro influencia tais contextos. Para o lado de Nick, por exemplo, vemos mais sobre sua família (com direito a momentos em tela adicionais da incrível Olivia Colman, como a mãe do rapaz) e como isso reflete em suas inseguranças ao se ver na tentativa de contar sobre seu relacionamento.

Ao mesmo tempo, o transtorno alimentar de Charlie recebe um pouco mais de enfoque, servindo como base para debates acerca de bullying, preconceito e depressão, mais voltados ao contexto da pessoa da comunidade LGBTQ+.

Nessa segunda temporada de “Heartstopper“, as animações interativas estão menos presentes do que na temporada anterior, mas são são completamente abandonadas. Elas continuam a dar o ar “cartunesco” que é próprio do seriado, e a direção de arte acerta mais uma vez com cenários saturados e muita combinação de cor para as paletas das cenas.

É muito bonito de se notar, por exemplo, as cores nas roupas de Charlie e Nick que, ao longo dos episódios, passam de cores complementares (opostas no círculo cromático, como azul e laranja); por análogas (“vizinhas” no círculo cromático, como azul e verde); até momentos monocromáticos (como quando o casal está no quarto após o baile de formatura, com as camisas em tom azul), simbolizando a constante aproximação entre os jovens pombinhos.

Heartstopper retorna para sua 2ª temporada com um elenco ainda mais consagrado
Foto: Divulgação Netflix.

A segunda temporada de “Heartstopper” é cativante! Dá o devido seguimento às reflexões e ideias que surgiram na fase passada; constrói personagens maduros e presentes em sua própria história de vida; e nos ensina a enxergar positivo, mesmo quando tudo parece ruir frente aos nossos olhos. Nada é definitivo e complicado. Na verdade, nem precisa ser. O segredo está em como encontramos nossa felicidade ao viver boas lembranças rodeados de quem amamos e nos fazem bem, e o quanto entender o momento de cada um faz-nos mudar a realidade.

Não para transformar tudo num desenho animado, ou num conto repleto de positividade que nos afaste da realidade. Mas para nos dar a cor própria da integridade e do orgulho de sermos quem somos; cores essas que o mundo, cada dia mais, tira de nós e às vezes nem percebemos.


HEARTSTOPPER JÁ ESTÁ DISPONÍVEL NO CATÁLOGO DA NETFLIX.


 

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