Após algumas experiências com o mercado brasileiro como o romance de época Perdida (Katherine Chediak Putnam, Luiza Shelling Tubaldini, 2023), a Star Original Productions entra em um momento de expansão em relação ao cinema nacional. Com a estreia de Não Tem Volta, seguida de O Sequestro do Vôo 375 (Marcus Baldini, 2023) e Nosso Lar 2 – Os Mensageiros (Wagner de Assis, previsto para 2024), percebe-se um grande esforço em abarcar diversos gêneros e público-alvos em uma aposta no mercado brasileiro – inclusive assumindo a distribuição através da Star Distribution Brasil.
As comédias sempre foram um ponto forte do nosso cinema, com a trilogia Minha Mãe é Uma Peça sendo até hoje lembrada como algo que levou o público às salas. E Não Tem Volta é a grande aposta no gênero.
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Qual a história de Não Tem Volta?
Somos rapidamente introduzidos à vida do casal Henrique (Rafael Infante) e Gabriela (Manu Gavassi), apenas para descobrir que um ano após o término o rapaz continua sofrendo com o ocorrido. Em uma somatória de uma vida medíocre e um momento de stress no trabalho, ele tenta se matar, mas não consegue.
Após mais este contratempo, ele decide contratar um serviço de matador de aluguel para matá-lo, e rapidamente consegue fazer esse contrato que, como no nome do filme, não tem volta. E surpreendentemente, logo em seguida ele reencontra Gabi, finge ter se livrado de seu ciúme doentio, reata com ela, e fica com um grande problema para resolver: como se livrar do contrato com o matador de aluguel que irá matá-lo?
O que achamos do filme?
Aviso: o filme tem gatilhos sobre saúde mental e suicídio. Recomenda-se cautela.
Pela proposta, rapidamente percebe-se que o filme não tenta mostrar uma chave realista da situação. E justamente por não ter essa intenção que a piada principal funciona, por compreender que o longa não está pretendendo falar de forma séria sobre saúde mental. Essa é uma primeira barreira que precisa ser quebrada, principalmente para um público terapeutizado e que pensa em todo o primeiro ato da obra que a solução mais simples seria a terapia e talvez alguns remédios psiquiátricos. Ainda que compreenda que está lidando com algo sensível, com direito a anúncio do CVV (Centro de Valorização à Vida), ele o faz por um caminho mais descontraído, podendo ser problematizado desde o seu início com o casal co-dependente.
Outra qualidade da obra foi o seu casting, com a química entre o casal principal sendo clara, e de acordo com eles mesmos em coletiva de imprensa, advinda de condições muito boas no set de gravação. Entre cenas mais românticas ou as mais absurdas, que envolvem escalar um muro gigante e pular de um carro em movimento, percebe-se o alinhamento entre o tom de comédia e de aventura. Mesmo com algumas das histórias secundárias sendo esquecidas no meio da trama, os personagens principais são bem construídos e conseguem se apresentar com personalidades completas, o que muitas vezes é esquecido quando se trata de personagens cômicos.
Com deslizes de roteiro de Fernando Ceylão como a transformação repentina de personagens ou o final pouco plausível, mesmo dentro da dinâmica do filme, é a direção bem executada que impulsiona a obra. Ele não é muito estilizado ou criativo, mas a experiência de César Rodrigues, diretor desde os anos 1990, transparece através de planos simples e que dão ritmo à narrativa.
Quando questionados sobre as dificuldades de gravação, duas cenas se mostraram desafiadoras: a cena do carro atravessando o muro e uma das sequências finais, que se passa dentro de uma festa fetichista. Ainda que mais complexas, elas são realmente parte da medula espinhal do filme, a primeira por seu visual intenso e a segunda por um timing cômico excelente.
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Há ainda uma problemática clássica do cinema brasileiro que precisa ser levado em conta: a ausência de personagens negras. Mesmo havendo um recorte de classe e localização, é estranho assistir uma obra que ignora questões de representatividade, mesmo conseguindo ser mais progressista em relação ao gênero. Ainda que este seja um erro bastante comum, só deixa clara a estruturalidade do racismo na nossa sociedade.
Ao fim do filme, quando começamos a ouvir Belchior com sua música Sujeito de Sorte, também há uma sensação de ruído na comunicação do longa-metragem. Se até aquele momento ignoramos as questões de saúde mental por esse assunto não estar sendo tratado na obra, ouvir a música que ganhou outro significado quando utilizada como sample de Amarelo do Emicida leva à suspensão dessa tranquilidade, dada a gigantesca referência à prevenção ao suicídio ali contida.
Entre tropeços e uma atuação interessante, a obra consegue entreter sem ofender, mas não passa desse patamar para quebrar nenhum tabu ou barreira. E, com a possibilidade de uma continuação conforme anunciado na coletiva de imprensa, é difícil pensar em um desenvolvimento dessa história sem levar em conta esses elementos estruturais.