Série documental pensada para ser uma parte da celebração dos 80 anos de Gilberto Gil, Viajando com os Gil é o retrato energético e cultural de uma turnê em família pela Europa
Você já pensou em viajar para a Europa junto com a família Gil?
Eu espero que a maioria das pessoas responda não, afinal se trata de uma pergunta bastante específica. Não é apenas uma viagem para a Europa com todos os seus complicadores logísticos e financeiros; é uma viagem para a Europa ao lado de pessoas que a maioria de nós nunca chegou perto (alerta de stalker, hein…).
No entanto, se a pergunta fosse “você já pensou em estar perto da família Gil?”, eu possivelmente responderia sim. Particularmente, penso no prazer que seria respirar o mesmo ar que Gilberto Gil e qualquer outro membro da sua família toda vez que participo de qualquer entrevista online com ele.
OBS: Curiosamente, Gil é a pessoa que eu mais entrevistei na vida. Foram quatro entrevistas coletivas realizadas a distância para canais e produtos diferentes.
Sendo muito sincero, acompanhar os seis episódios de Viajando com os Gil com antecedência é o mais próximo que vou chegar dessa proximidade com seres tão talentosos.
Qual é a história de Viajando com os Gil?
A proposta desse reality documental que celebra os 80 anos de Gil é fazer com que o público se torne um dos membros da turnê internacional “Nós, a Gente”, que traz o cantor, Flora, Bela, Preta, Flor, Nara, João, Francisco, Bem, José, Marília, Maria, Bento, Pedro, Lucas, Gabriel e outros integrantes da maior família musical do Brasil.
Curiosamente, Viajando com os Gil funciona como uma continuação de Em Casa Com os Gil. Afinal, foi na série documental gravada na pandemia que a família começou a idealizar o projeto de turnê que se tornou realidade com a partida de quase 40 familiares para a Europa, incluindo 7 filhos, 12 netos e 1 bisneta do cantor.
Ao longo de 36 dias, eles realizam 15 apresentações em 10 países e dividem inúmeros momentos de lazer e intimidade, que também ganham as telas sob a direção de Andrucha Waddington (Sob Pressão), Pedro Waddington e Rebeca Diniz.
A formação familiar diversa dos Gil, a forte influência da cultura africana e a presença feminina na sociedade e no âmbito musical são alguns dos temas abordados em meio a músicas que marcaram gerações e a cultura do país.
Viajando com os Gil: Gente como a gente?
Dos poucos textos que li sobre Viajando com os Gil, a maioria construía seu argumento em torno de um fato: a série supostamente mostrar que a família de Gilberto Gil é muito parecida com a nossa. Entendo os caminhos que levam a isso, porém acho que precisamos tomar cuidado na hora de traçar certos paralelos.
É estranho negar que estamos diante de uma lenda da música, um ser humano incrível e uma personalidade que influenciou nossa política e nossa cultura de formas arrasadoras. Além disso, estamos acompanhando uma família composta por pessoas de enorme talento, seja ele musical ou não. Afinal, Bela e Flora Gil estão entre as pessoas que, mesmo não estando no palco, possuem papel fundamental na série.
Longe de mim dizer que outras famílias não são talentosas, mas acho que esse tipo de comparação não leva a lugar nenhum. É completamente diferente acompanhar um reality com pessoas comuns e um com participantes famosos, e está tudo bem.
Nós embarcamos nessa viagem com os Gil para ver as brigas e as reuniões familiares que os aproximam da gente, mas também queremos ver seus filhos e netos pararem uma loja de instrumentos na Eslováquia com a música brasileira, as trocas musicais que só poderiam surgir entre Gilberto, Preta e os Gilson’s, a energia indescritível dos shows que compõem as turnês…
E isso Viajando com os Gil tem de sobra. Shows incríveis (ainda que vejamos apenas trechos na maioria do tempo); a vibe da banda, incluindo as crianças que sobem no palco junto aos pais; e até mesmo uma versão inédita da música Aquele Abraço, gravada em Genebra. Um verdadeiro deleite para os fãs de Gilberto Gil!
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Viajando com os Gil: Como tirar férias em família e continuar trabalhando?
No entanto, é inegável que existe sim uma certa humanização da família. Fora a realização de um sonho revelado na série anterior, a turnê é uma desculpa para levar o público junto com eles na viagem, se apropriando ao máximo da proximidade oferecida tanto pelo formato quanto pela estética documental.
É assim que acompanhamos diálogos cotidianos, brigas e conflitos – alguns deles extremamente bobos – ganharem forma de uma maneira tão simples que faça você se lembrar de algo parecido que aconteceu na sua família.
Alguns tópicos têm menos espaço e viram meras situações (como é o caso das dificuldades enfrentadas por quem está cuidando de crianças durante a turnê), outros se tornam meio que temas centrais da série. No primeiro episódio, por exemplo, a briga que inicia a série não só cria uma ruptura interessante do esperado clima de família feliz, como prepara o terreno para o momento de brilho do Bento.
O episódio não é apenas sobre o mundo dele, mas a direção e a montagem tem o cuidado de construir um arco em torno disso durante os quarenta minutos de exibição. Até mesmo as participações rápidas de outras personalidades e os momentos de lazer da família, que tinham tudo pra parecerem jogadas, recebem a mesma atenção quando o assunto é organizar histórias em meio a tantas possíveis histórias que foram surgindo naturalmente na viagem.
Isso ajuda a manter a energia de Viajando com os Gil sempre alta. A câmera passa uma sensação gostosa de que estamos respirando o mesmo ar que eles, enquanto música de altíssima qualidade preenche os espaços da tela. É uma transmissão de energia, alegria e carisma – seja pela humanização das pessoas ou pelo talento delas – que faz a maratona ganhar fôlego, visto que não se trata de uma série com ganchos ou eliminações inesperadas.
A série consegue realizar um bate-bola muito interessante entre o olhar cotidiano e a grandiosidade dos palcos europeus. Entre a simplicidade de uma roda de conversa cheia de revelações e a possibilidade alegórica de curar qualquer ferida com algumas notas bem realizadas. Entre o que o público não espera ver e as doses colossais de cultura que todos nós precisamos respirar para viver.
