Dirigido de forma vibrante por Amos Gitai, Uma Noite em Haifa mergulha na diversidade dos encontros, mas se perde no desenvolvimento das histórias
Uma simples busca na internet revela que Haifa – a terceira cidade mais importante de Israel – é classificada como uma cidade suspensa no tempo. Um local onde montanhas encontram mares, edifícios futuristas dividem espaço com construções históricas e religiões diferentes convivem em harmonia.
Inclusive, se acompanharmos o que Amos Gitai tenta apresentar em Uma Noite em Haifa, essa diversidade não fica restrita à nacionalidade ou a religiões. Muçulmanos, judeus e cristãos dividem seus espaços com pessoas de opiniões políticas divergentes, homens e mulheres LGBTQIA+, artistas com abordagens diversas e por aí vai… Todos os povos e estilos são bem recebidos na cidade.
Uma espécie de mantra que também vale para o bar onde está localizada a galeria de Laila, uma das protagonistas do longa que chega aos cinemas no dia 10 de agosto.
Qual é a história de Uma Noite em Haifa?
Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza, Uma Noite em Haifa acompanha as histórias entrelaçadas de cinco mulheres durante o lançamento de uma exposição fotográfica com teor político em uma cidade onde todos os povos convivem em harmonia.
Além de conhecer o artista, elas têm em comum o desejo inerente de desafiar rótulos em seus relacionamentos e identidades pessoais, enfrentando o patriarcado que cerca a sociedade árabe.
O que achamos de Uma Noite em Haifa?
De certa forma, Uma Noite em Haifa me lembrou Depois de Ser Cinza pela forma como histórias protagonizadas por mulheres se cruzam em um cenário predominantemente masculino (como diriam os perfis de fofoca, volte duas críticas para entender). No entanto, as semelhanças param por aí…
Além de criar um filme mais colorido e movimentado, Amos Gitai consegue definir os homens como elementos comuns da trama (não força-motriz) e fortalece suas escolhas ao usar o cruzamento de histórias para falar mais sobre a noite da cidade e sua diversidade. É um retrato livre desse local de trégua, onde israelenses e palestinos podem se encontrar, se beijar e fazer amor com uma paz libertadora.
E não podemos negar que ele cumpre uma parte dessa proposta com louvor. Gitai sabe movimentar a câmera e passear por esse cenário repleto de estilos artísticos e pessoas diferentes com muita fluidez, dando vida ao cenário, à cidade e à diversidade que ali reside.
Da mesma forma, as transições praticamente invisíveis entre as histórias de Uma Noite em Haifa reforçam a sensação de encontros e desencontros, prendendo o espectador em um emaranhado de personagens que dizem muita coisa por meio da câmera de Gitai. Fica nítido, inclusive, que essa movimentação carrega consigo todo o valor poético que as tramas deixam escapar.
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A questão é que, apesar da construção de ambiente ser apaixonante em diversos momentos, existe uma dificuldade na transposição de todo esse simbolismo para a tela. Em parte porque, sozinho, o desejo de apresentar esse lado sociopolítico não consegue criar conexões reais com o público.
Por exemplo: Gitai apresenta vários personagens, com histórias particulares e cheias de potencial, em sequência só para descartá-los após três ou quatro linhas de diálogos. Ajuda a retratar o bar/galera como esse lugar movimentado onde todos podem se encontrar e tudo pode acontecer, mas também pode soar como uma pedra no meio das tramas mais interessantes de Uma Noite em Haifa.
É como se ele não conseguisse tomar uma decisão e, consequentemente, passasse o filme inteiro dividido entre mostrar como a noite da cidade é acolhedora por meio de um microcosmo e mergulhar de fato nas histórias que tomam forma na boate. E quem sai perdendo com isso são as cinco protagonistas citadas na sinopse.
O impacto poderia ser gigante, já que todas elas precisam lidar de alguma maneira com as pressões e repressões de uma sociedade dominada pelo patriarcado, mas acaba sendo esvaziado tanto pela dificuldade de desenvolver sentimentos, quanto pelo espaçamento – físico e narrativo – entre elas.
Uma ausência de conexão que, além de tornar a experiência arrastada, ganha ainda mais força no clímax. Afinal, nem mesmo o monólogo de duas dessas protagonistas (belíssimo em questão de palavras) encontra força suficiente para emocionar.
As histórias tem muito conteúdo e existem como parte essencial do ambiente diverso que abriga Uma Noite em Haifa, mas não possuem o impacto merecido. Parecem estar sempre perdidas, sendo apenas uma história em meio a tantas outras que convivem em harmonia na noite vibrante de Haifa.