Comédia francesa exibida no Festival Varilux, Meu Novo Brinquedo diverte até se perder em uma abordagem política e econômica rasa, protocolar e padronizada
Vamos começar esse texto com um exercício imaginativo em que você é uma criança rica e mimada que sempre tem tudo que deseja. De repente, você entra em uma loja de brinquedos e sai de lá uma aquisição diferente: um homem com carne, ossos e muitos problemas financeiros.
Bizarro, né?
Do outro lado, você pode se colocar no lugar desse homem com um lado malandro, cuja esposa (grávida de oito meses) entrou em greve para tentar preservar o único dinheiro recorrente da família. Será que você aceitaria a proposta, sendo objetificado para o prazer desta criança?
No momento mais afrontoso e reflexivo de Meu Novo Brinquedo, a esposa do protagonista afirma que, apesar dos dilemas morais, a grande maioria dos seus colegas de trabalho em busca de seus direitos aceitariam uma proposta similar para lidar com desafios impostos pelo capitalismo.
Pena que esse é um dos poucos momentos que tenta se aprofundar, mesmo que minimamente, em um contexto sociopolítico que não pode ser separado da narrativa. Tudo está entrelaçado e o filme de James Huth admite desde o começo – por mais incoerente que isso soe no decorrer da sessão.
Qual é a história de Meu Novo Brinquedo?
Nesta refilmagem de Le Jouet, dirigido por Francis Veber em 1976, conhecemos Sami. Um homem que vive feliz fora do sistema, nos conjuntos habitacionais, ao lado de seus amigos de infância e de sua esposa Jihane, que espera o primeiro filho deles. Para atender às necessidades de sua futura família, com muita relutância, ele deixa as ruas e aceita um emprego como vigia noturno em uma loja de artigos de luxo.
Loja que pertence a Philippe Etienne, o homem mais rico da França. Frio, insensível, desde que sua esposa morreu há um ano, ele se dedicou inteiramente ao seu negócio. Enquanto isso, Alexandre – seu único filho e herdeiro de toda a fortuna da família – mantém o pai à distância, buscando refúgio no mundo solitário da criança mimada.
No aniversário do filho, Philippe abre a seção de brinquedos da loja onde Sami trabalha e diz a Alexandre que pode levar o que quiser. O problema é que ele escolhe Sami…
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O que achamos de Meu Novo Brinquedo?
Admito que Meu Novo Brinquedo me deixou preso mais tempo do que o normal nas reflexões que antecedem o texto. Não por ter desgostado do filme ou qualquer coisa do tipo… Muito pelo contrário, já que essas coisas raramente acontecem quando gostamos ou desgostamos muito de algo.
Nesse caso, como alguém que nunca assistiu ao filme original, preciso dizer que terminei minha sessão com um sorriso no rosto. Fiquei realmente interessado no timing cômico de Jamel Debbouze (um ator com longa filmografia com quem tive pouquíssimo contato), no flerte carismático que James Huth faz com a comédia social e até mesmo nas emoções que conduzem um final com cara de dramédia francesa popular.
Estou falando daquela conclusão moralista e melosa típica de Os Intocáveis e tantos outros filmes, que, apesar da obviedade, parece feita para estar ali, arrancando o sorriso que citei no parágrafo anterior.
O problema é que, mesmo sendo essa comédia de costumes espirituosa e carismática, Meu Novo Brinquedo se torna um filme estranho graças tanto à construção falha do seu lado político, quanto ao desenvolvimento meio medíocre da ideia cinematográfica.
Fica claro que ele está misturando comédias de costume e uma espécie de contraste entre a objetificação do ser humano e a humanização do brinquedo, levando tópicos que já vimos em longas como Um Herói de Brinquedo, Toy Story e até mesmo Uma Noite no Museu para um lado mais ácido de crítica social. Estaria tudo bem, se o meu questionamento não nascesse nesse exato ponto.
Se olharmos além do timing cômico e das boas interações que compõem o núcleo central, Meu Novo Brinquedo tem pouca coisa para mostrar em termos de cinema. Chega a propor algumas fugas imaginativas no quarto de Alexandre, mas se arrisca muito pouco quando o assunto é imagem, som e enquadramentos. Nos poucos momentos em que foge desse quadrado, acaba se dividindo entre bons momentos e sequências que parecem randômicas, aleatórias.
No entanto, é na abordagem política que reside meu grande questionamento. Afinal, estamos falando de uma obra anticapitalista que, desde os primeiros minutos, posiciona as diferenças entre classes sociais (inclusive na direção de arte) como um aspecto central da trama, porém abre mão de basicamente todos os aprofundamentos possíveis.
Quando se trata de uma crítica mais velada, que usa a comédia para falar de valores humanos e poderes dos bilionários, Meu Novo Brinquedo chega perto de acertar. Todavia, esse aspecto positivo acaba sendo diluído por uma montagem que concede destaque a um lado sindicalizado sem nenhum aprofundamento. Só para exemplificar: a greve, da contextualização aos protestos, é resumida a uma porção de frases prontas que, muito pontualmente, conseguem gerar alguma reflexão.
A principal consequência disso é que a crítica ao capitalismo (fundamental em praticamente todas as subtramas) fica sem suporte, sem estofo. É por isso que a decisão de permanecer em águas rasas e não assumir riscos acabou impactando bastante na minha experiência. Principalmente, ao levar em conta que a comédia também precisa sair dos padrões para realmente surpreender.
Com essa semente plantada, eu cheguei a conclusão de que boa parte da comédia de Meu Novo Brinquedo estava mais atrelada ao carisma do protagonista e às relações paternais desenvolvidas com a criança (mantenho esse elogio sem duvidar) do que à construção verdadeira de uma ideia que atualizasse o longa original ou levasse a narrativa para lugares realmente marcantes. É um filme que caminha na linha de segurança para arrancar os mesmos sorrisos simpáticos que outros exemplares parecidos.
Repito: não deixa de ser engraçado e ter ótimos momentos quando se trata do fator diversão. Porém, escorrega quando decide fugir das reflexões sugeridas e se manter sempre em conformidade com os padrões de mercado dominados por um capitalismo que ele mesmo critica. Uma pena!