Danny e Michael Phillippou entendem a necessidade do jovem de tornar tudo um espetáculo, e entregam um show de violência em “Fale Comigo”
Em algum desses podcasts da vida, o ator e humorista Hélio De La Peña disse que a geração dele e a do antigo programa Casseta & Planeta da Rede Globo foi a primeira a ver televisão, e se inspirar nos programas que passavam na época (já que a TV nasceu na década de 30 e se popularizou na década de 50). Se usarmos essa afirmação para vários outras questões, é fato dizer que tudo que vemos em determinada área ou gênero, foi influenciado por aquilo que veio antes.
Os youtubers australianos Danny e Michael Phillippou parecem se apoiar nisso ao entregar um terror elegante em Fale Comigo, primeiro longa metragem da dupla que veio de um canal do youtube chamado RackaRacka. Seu filme independente fez tanto sucesso após ser exibido no festival de Sundance, que acabou atraindo a atenção da A24, que comprou os direitos de distribuição do longa e já confirmou uma sequência (que será um prequel).
Aclamado e com o selo de aprovação da produtora e distribuidora que angariou vários fãs ao redor do mundo, Talk to Me (no original), chega aos cinemas brasileiros algumas semanas depois do lançamento nos EUA, com o status de melhor filme de terror do ano. Mas, será que é tudo isso mesmo?
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Qual a história de Fale Comigo?
Quando um grupo de amigos descobre como conjurar espíritos usando uma antiga mão embalsamada, eles ficam viciados na nova emoção. Até que um deles vai longe demais e abre a porta para o mundo espiritual.
O que achamos do filme?
Os irmãos Phillippou já mostram o selo de qualidade na chocante cena inicial, com o famoso “caso antes do caso principal”, seja no competente plano sequência e em sua conclusão violenta, apresentando duas coisas que estarão presentes em Fale Comigo: a estilização e a brutalidade. Logo depois somos inseridos a trama e ao trauma de Mia (Sophia Wilde), que após perder a mãe e não ter uma relação tão boa com o pai, encontra apoio nos amigos. Ironicamente, as relações entre familiares de uma obra que tem a palavra “falar” no nome, sofrem com problemas de comunicação.
Quando a interação com a mão embalsamada começa, o horror surpreendentemente dá lugar a diversão. Os jovens conseguem falar com os espíritos, mas é muito mais legal e rende mais views nas redes sociais se eles forem possuídos (já que ninguém pode vê-los se apenas rolar uma conversa). Os cineastas usam dessa busca incessante pelo show para criar uma atmosfera de aconchego, que naturalmente é substituída pela tragédia.
Sendo assim, Fale Comigo consegue manter o interesse ao substituir o riso por tensão, agonia, medo, dor e certo grau de desespero. Quando você era criança/adolescente, certamente alguma de suas brincadeiras acabou dando errado né? A dupla consegue esse misto de sentimentos através do efeitos práticos da equipe de maquiagem e das boas e críveis atuações. A confiança dá lugar a vulnerabilidade, a alegria é ocupada pelo luto e pela dor, e a mistura de tensão e sofrimento permanece até o final.
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Em certo momento um dos personagens afirma: “você quer ser possuído ou fazer uma planilha?”, mostrando que de forma esperta – o filme não está interessado no misticismo por trás do objeto (que poderia ser um tabuleiro ouija ou uma coisa qualquer) – mas prentende entrar no imaginário das pessoas. O comentário mais óbvio da produção é claro – faz um paralelo com o vício – já que os adolescentes querem entrar naquela onda, fazendo com que uma grande viagem se torne uma bad trip.
Para causar tal efeito, Fale Comigo foge do óbvio ao não fazer críticas boomers a tecnologia, mas usa isso ao seu favor já que são pessoas jovens fazendo uma produção sobre jovens. E isso não se aplica apenas a linguagem mas aos anseios, angústias, perturbações e tristezas que o amadurecimento e as decepções da vida trazem. Tudo se reflete na crueldade vista em tela, que se converte em pura melancolia com um desfecho clichê para alguns, mas espetacular para outros.