Destinos Opostos | Surfando na onda de Juma Marruá

Destinos Opostos
Foto: Divulgação

Dividido entre os EUA e o Pantanal, Destinos Opostos tenta se aproveitar do sucesso da novela global com personagens unidimensionais e uma trama que nem tenta fugir do clichê


Após o remake de Pantanal (ou Pantanarrr para os íntimos) viralizar vários bordões e praticamente ressuscitar a audiência das faixa de novela das 21h, ficou claro que os produtores de conteúdo em geral voltariam seu olhar para o gênero, o local e outras características que contribuíram para esse sucesso. Em especial, na minha opinião, a ideia de abraçar o melodrama novelesco em um contexto rural, intercalando com momentos musicais e participações que dialogam com as pessoas que vivem nesse ambiente. 

Em outras palavras: não demoraria muito para algum projeto tentar surfar nessa onda.

Sinceramente, eu não duvido que Walther Neto (mais conhecido pelas carreiras como músico e documentarista) tenha uma relação autobiográfica com a trama e até mesmo com a região do Pantanal. Porém, continuo achando que a essência de Destinos Opostos é desenvolver a história mais básica possível para tentar fisgar o mesmo público e embarcar no sucesso da novela global

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Qual é a história de Destinos Opostos?

Dividido entre os EUA e as paisagens deslumbrantes do Pantanal, Destinos Opostos acompanha Tony de Barros – um empresário de sucesso movido por ambição e vitórias, tanto nos negócios quanto atrás do volante. 

Nascido e criado na fazenda do pai, ele rompe com as raízes após a morte da mãe e se muda para uma cidade grande em busca de uma vida melhor. Agora, com uma carreira empresarial de prestígio internacional, Tony precisa voltar à antiga casa para lidar com a morte do pai e resolver as questões burocráticas relacionadas à herança. 

Lá, ele reencontra um grande amigo de seu pai, Jacinto, e seus amigos de infância, Waldir e Helena, que cresceram na fazenda e adotaram um estilo de vida pantaneiro praticamente oposto ao do milionário cosmopolita. Em meio a memórias da infância e planos para o futuro, ele irá confrontar as inseguranças do passado e sentimentos que podem mudar sua história

Destinos Opostos
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O que achamos de Destinos Opostos?

Poderia passar horas e horas falando sobre a precariedade técnica da produção (a peruca de Daniela Escobar é o auge) e a organização temporal sem pé nem cabeça que me deu nos nervos, mas prefiro ficar no quão inteiramente batido é Destinos Opostos. Vocês podem não acreditar sem ver, mas estou falando daquele tipo de trama que dá pra sacar toda a história, do início ao fim, no momento em que o protagonista pisa no Pantanal e troca os primeiros diálogos com os administradores da fazenda. 

Você já sabe que Tony é um cara com dificuldade para se encaixar no ambiente rural (inclusive, a frase “esse não é o meu lugar” é repetida com exaustão pra não deixar dúvidas) e por isso foi para a cidade grande, local que congelou seu coração. Também sabe que o retorno às terras pantaneiras fará ele relembrar de traumas de infância enquanto se apaixona por um crush antigo e aquece o mesmo coração gelado com memórias positivas, desistindo então dos objetivos frívolos que apresentava no início da narrativa. 

E é exatamente isso que acontece, sem tirar nem pôr, com todas as pecinhas meticulosamente calculadas e encaixadas para formar a imagem mais clichê, previsível e preguiçosa possível. O vilão americano tem cara de vilão e música-tema de vilão, os flashbacks são fotografados em tom sépia pra deixar claro que se trata do passado, os relacionamentos também não fogem de tudo o que esperamos tanto no amor quanto nos conflitos.

Parece de verdade que o objetivo de Walther Neto é ser propositalmente unidimensional em todos os âmbitos e aspectos de Destinos Opostos. Talvez ele acreditasse que dessa forma teria mais espaço para colocar em prática algumas ideias visuais que, em vários momentos, soam como exibições vazias. 

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Destinos Opostos
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Poderíamos fazer uma lista consideravelmente longa de coisas que pouco importam, mas ganham espaço em cena só pro diretor mostrar que sabe dirigir sequências de rally, acidentes de carro ou planos aéreos. Às vezes contribui na apresentação da personalidade padronizada de Tony, porém não muda o fato de que ele se dedica mais ao carro capotando do que a qualquer tentativa de dar profundidade ou camadas diferentes para seu protagonista: o clássico babaca unidimensional prestes a entrar em uma jornada de redenção

Prefere filmar os animais como se estivesse nos bastidores do Globo Repórter ou subir o drone pra mostrar a fazenda do alto do que trabalhar os personagens. Eu realmente entendo o fator cool por trás dessas decisões, mas não concordo que isso esteja em primeiro plano nesse contexto de desequilíbrio que oferecem mais humor involuntário do que credibilidade. 

E já que a credibilidade entrou em campo, podemos voltar ao tópico da produção precária. 

Sei que Destinos Opostos, apesar de passar longe da categoria de filme independente, não tem todo o dinheiro do mundo. No entanto, fiquei com a ligeira impressão de que os exibicionismos documentais do diretor gastaram mais do que devia e geraram um desequilíbrio orçamentário que, eventualmente, destrói a imersão. 

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Não importa se você está gostando ou não da história e dos animais surgindo majestosamente em cena, porque a imersão será quebrada quando algum personagem aparecer com a peruca torta ou a maquiagem estranha. É duro falar isso, porque ninguém entra em uma produção para trabalhar mal, porém a ausência de cuidado com enquadramentos e outros detalhes cenográficos interferem bastante no impacto da experiência. 

Para exemplificar: os personagens vivem falando que a fazenda é gigante e cheia de projetos inesquecíveis, mas o que nós vemos, na maior parte do tempo, são cenários vazios e festas frequentadas por uns seis ou sete funcionários

É como se o diretor depositasse todas as fichas nas palavras, caindo na velha armadilha de falar mais do que mostrar. Os projetos ecológicos, por exemplo, são citados de forma recorrente, mas reunidos visualmente em um museu de aviões cuja importância sentimental existe apenas nas palavras de Tony. Apesar dos flashbacks ocuparem uma parte considerável da projeção, não existe uma imagem sequer que estabeleça qualquer relação do pai com esses veículos para ampliar o peso da informação. 

E, sendo muito sincero, quem perde com isso são os próprios personagens, já que nenhum deles consegue ganhar vida perante ao público. São marionetes unidimensionais utilizadas em um drama raso que, nos quinze minutos finais, tira um mistério do nada para dizer que tentou gerar impacto na conclusão.

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Pra não dizer que o mistério surge literalmente do nada, ele é um dos flashes esquecíveis que compõem os créditos iniciais de Destinos Opostos. Depois disso, é completamente ignorado até retornar em forma de reviravolta, conectando passado e presente em uma subtrama de crime e paternidade cuja a grande função é tornar mais emocionante o resgate apelativo que ganha forma na sequência seguinte.

Um encadeamento tão corrido de causas e consequências que não deixa o espectador sentir as emoções de forma orgânica, substituindo as pausas dramáticas por uma trilha de suspense que martela lá dentro do cérebro, assim como acontece nas cenas de melodrama, comédia e tudo mais. Solução digna de uma novela da Record que sabe dos defeitos de sua produção, mas não faz nada além de subir o volume da música na esperança de que ela preencha os espaços deixado por atuações fracas, textos unidimensionais e perucas desnecessariamente tortas. 


Destinos Opostos já está em cartaz nos cinemas
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Foto: Divulgação / Destinos Opostos
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