Estreia de Ronald Aquino na literatura, Cidade dos Pecadores é uma viagem bizarra pela podridão do ser humano.
Se você está ligado nas passagens do Ronald pelos podcasts e pelas lives do site, já deve saber pelo menos um pouquinho da história dele com a igreja. Uma história que acompanhei por outro ponto de vista, desde o dia em que conheci ele em um evento sobre o filme Os Incontestáveis no interior do Espírito Santo.
Naquela época, ele era apenas um jovem apaixonado por cinema e crítica prestes a entrar para o seminário. O tempo passou, o mundo rodou e, agora, ele está lançando um livro que mistura todo o amor por literatura, cinema e religião numa trama de suspense psicológico.
Qual é a história de Cidade dos Pecadores?
Louis é um neossacerdote da Grande Cidade. Extremamente metódico e ansioso, desperta admiração em todos, desde sua época de seminário. Após um tempo atuando na paróquia, recebe a missão como pastor em uma comunidade isolada no Vale de Heu, aos limites do continente.
Chegando lá, o jovem padre precisa lidar com a insegurança, o desconforto e a estranheza dos novos e caricatos fiéis, ao passo que presencia acontecimentos desoladores. Com uma crise alimentícia iminente, corpos se espalhando pelas vielas e corações cada vez mais amargurados, os moradores se veem questionando a própria sanidade, enquanto Louis, sua fé.
O que achamos de Cidade dos Pecadores?
Desde o momento em que iniciei as primeiras páginas de Cidade dos Pecadores, fiquei pensando se o que eu senti lendo o livro faria sentido para todos os leitores, ou se ficaria restrito a quem conhecesse não só a história do Ronald como também alguns rituais da Igreja Católica. Afinal de contas, a leitura é totalmente pautada por orações, versículos bíblicos e textos em latim selecionados com muita inteligência por alguém que vive há muito tempo nesse universo.
Demorei um pouco, mas cheguei a conclusão de que é possível. Assim como acontece nas centenas de continuações e adaptações que estreiam todas as semanas nos cinemas, quem acompanhou de perto certos momentos da vida do Ronald tende a ser presenteado com interpretações mais robustas, porém isso não significa que o restante dos leitores sairá atrás.
E o motivo é bem simples: qualquer leitor consegue sentir o carinho que marca presença em cada descrição de sonho, oração em latim ou revelação de novas camadas sentimentais. Todas as frases foram selecionadas com muito cuidado para inserir o espectador dentro dessa história que se divide entre as dúvidas mundanas e a constante busca pelo divino.
Duas coisas que, querendo em não, fazem parte do dia-a-dia de muitas pessoas. Que atire a primeira pedra quem nunca suprimiu um sentimento para evitar o “pecado” ou se encaixar em um grupo? Quem nunca duvidou da existência de Deus em um momento de crise só para, minutos mais tarde, clamar com ainda mais fervor por sua clemência?
Ronald constrói os mistérios e entrelaça vários questionamentos desse tipo com muita habilidade, prendendo o leitor em uma rede de perguntas que passam tanto pelas relações humanas quanto pelas incertezas que perseguem até mesmo aqueles que possuem a vocação mais genuína.
É claro que Cidade dos Pecadores se apoia no exagero para desenvolver o suspense e o terror, mas isso não diminui o valor do impacto graças à riqueza de detalhes que compõem suas descrições. Como autor, Ronald não tem pressa e entende a importância de realmente se dedicar à apresentação da cidade com todas as suas minúcias, ao desenvolvimento de cada relacionamento que pode ser importante no clímax e, logicamente, à construção de um protagonista / narrador que passa boa parte do tempo perdido entre angústias e ambiguidades.
Não chega a ser um narrador não confiável, mas é um tipo de personagem que interfere ativamente na experiência do leitor por fazer questão de adicionar suas particularidades e opiniões em cada linha de relato.
E não pense que estamos falando de uma característica negativa. Muito pelo contrário, já que a presença constante de XXX nos relatos é decisiva para a transmissão de sensações. Ronald abre mão de ser um narrador observador quase onírico para se colocar na pele desse padre em sofrimento e nos fazer sentir o mesmo que ele durante a leitura.
Isso envolve tanto as dúvidas mundanas que citei anteriormente, quanto o pânico que vai se instaurando na cidade e crescendo a cada capítulo. Um pânico palpável que, graças à descrição cinematográfica do autor, ultrapassa os limites do texto e se aproxima sem medo do folk horror.
Esse gênero é reconhecido por construir o horror e o suspense psicológico a partir do isolamento de pessoas que possuem alguma relação, mesmo que antagônica, com a religião. Digo isso porque, apesar das referências citadas por Ronald nas suas redes sociais, eu não consegui parar de pensar nas proximidades entre Cidade dos Pecadores e o longa A Bruxa, de Robert Eggers.
Diversos aspectos da trama – indo das relações entre membros de uma comunidade com aspectos rurais até os problemas causados pela falta de compreensão acerca do pecado – me lembraram de Anya Taylor-Joy. Um número muito grande de passagens é movido pelas dúvidas de XXX, pelo medo de ter pecado, pela culpa que parece entupir as veias do coração e, principalmente, pela angústia gerada pela solidão crescente.
O protagonista acredita estar sozinho e, por conta disso, começa a colocar todas as crenças e possíveis amizades em cheque. As mortes sangrentas, os incêndios duvidosos e a presença dos bodes possuem sua parcela de culpa na loucura, mas a maior parte dela permanece conectada ao padre. Inclusive, o clímax cheio de reviravoltas e violência que, na teoria, merecia uma crítica somente para ele.
Isso porque é o momento que mais dividiu os meus sentimentos como leitor e crítico.
Por um lado, admiro muito a forma como o caos chega ao seu ápice dentro da igreja de Heu com muitas vozes, ameaças e acontecimentos importantes dividindo o mesmo tempo e espaço sem deixar ninguém respirar. No entanto, também me incomodo com a pressa que acompanha essa descrição.
Ao contrário do que acontece no restante de Cidade dos Pecadores, sinto que Ronald é possuído pelo mesmo caos que descreve e acaba acelerando as descrições. É um movimento compreensível, devido justamente ao caos que deseja transmitir, porém eu estaria mentindo se dissesse que não senti falta da narração tensa e quase cinematográfica que ocupa o restante das páginas.
Mas você, fã do Ronald, pode ficar tranquilo: esse último parágrafo não passa de uma crítica construtiva. Principalmente porque a pressa não tem nenhum impacto nas reflexões levantadas por essa história impactante, assustadoramente católica e um pouquinho pecaminosa. Isso se você acreditar que viver a vida em sua totalidade é um pecado…
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