Blue Jean | Entre o medo e a libertação

Blue Jean
Foto: Divulgação

Situado em meio à campanha de Margaret Thatcher contra a comunidade LGBTQIAPN+, Blue Jean mergulha na melancolia para construir um retrato doloroso dessa opressão que destrói tudo que toca


A população LGBTQIAPN+ luta por sua existência desde que o mundo é mundo. Sempre precisou lidar com religiões espalhando aos quatro ventos, enfrentar governos que veem o beijo como motivo para condenar à pena de morte, evitar certos lugares ou vestimentas para que não terminasse a noite espancada ou morta. 

Cenários de opressão que são defendidos e incentivados por governantes e outras pessoas influentes na sociedade. No Brasil, por exemplo, um dossiê divulgado em maio revelou que uma pessoa LGBTI+ foi assassinada a cada 32 horas em 2022. Será que estarmos em um governo de direita que tanto incentivava o preconceito e a violência tem alguma coisa a ver com isso?

Mas, infelizmente, esse passa longe de ser o único exemplo. Se viajarmos pelo mundo ou voltarmos no tempo, vamos descobrir outros países em que governos conservadores também foram responsáveis por criar ambientes de repressão similares. Incluindo o período do governo Thatcher que inspirou a estreante Georgia Oakley a escrever e dirigir Blue Jean

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Qual é a história de Blue Jean?

Destaque no Festival de Veneza e no BAFTA, Blue Jean se passa em 1988, durante o governo da primeira ministra conservadora Margaret Thatcher no Reino Unido.

É nesse cenário que somos apresentados a Jean (Rosy McEwen), uma professora lésbica de educação física que tem de levar uma vida dupla, já que o governo atual promove uma campanha frontal contra a população LGBTQIAPN+. A situação começa a complicar um pouco mais com a chegada de Lois, uma aluna que também sofre com as obrigações dessa vida dupla em meio à opressão. 

Leia mais: Crítica | Capitu e o Capítulo usa o texto de Machado de Assis para expor as rachaduras da formalidade social com ironia e metalinguagem

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O que achamos de Blue Jean?

O longa parte da reconstrução de um período de pura repressão na Inglaterra, colocando Jean no centro disso, quase como uma cobaia, para mostrar como a opressão constante se alastra e afeta vários âmbitos sociais. Nesse caso, temos o ambiente escolar, o convívio social e a vida pessoal da protagonista. 

Todos eles, inclusive os pontos que Jean conseguia manter separado, vão sendo afetados por uma sensação de perseguição sufocante. Algo que no caso dela também é reforçado pelas ações e discussões éticas no ambiente escolar, tratadas sempre com certa ambiguidade pela câmera e pela montagem, afinal a ideia não é dar uma resposta sobre o que seria certo ou errado, e sim revelar aos poucos o que a protagonista sente em relação a isso. 

Tanto que os melhores momentos de Blue Jean estão totalmente conectados à atuação de Rosy McEwen (O Alienista). Ela está no centro da imagem, sendo a responsável por mostrar os sentimentos e as consequências da repressão através do corpo, do rosto e de um olhar que diz tudo quando os diálogos saem de cena.

Inclusive, podemos dizer que os diálogos importam muito pouco em Blue Jean. Eles existem, em sua maioria, para explicar o cenário sociopolítico (o uso dos jornais ajuda a tirar o peso desse didatismo relativamente necessário) e dar corpo a essa repressão quase viral, explicitando o que pensam professores, familiares e demais partes da sociedade. 

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Já o que ela sente, por outro lado, é representado pela imagem em seu estado mais honesto e poderoso. lado a lado com as sutilezas da atuação de McEwen, as escolhas de Georgia Oakley na cadeira de direção colocam o público dentro da mente de Jean. É como se estivéssemos sentindo o que ela está sentindo e entendendo exatamente o que ela está pensando graças ao silêncio, aos enquadramentos e à melancolia que transborda pela tela.

Vale destacar, por sinal, que uma das características de Jean é sua dificuldade de falar e se abrir. Em vários momentos, ela prefere mostrar ao invés de falar (por exemplo, quando leva a aluna na festa no lugar de fazer um longo discurso sobre perdão) e Oakley segue o mesmo caminho na hora de contar a história dessa mulher dividida entre o desejo de lutar por seu espaço e o medo de se revelar. 

É doloroso ver a apatia, a ansiedade e os conflitos internos de Jean crescerem junto com a campanha de repressão, isolando-a em uma ilha de solidão, melancolia e cansaço emocional. Rosy McEwen explicou muito bem esse sentimento na entrevista divulgada no release para a imprensa: 

Tudo o que ela construiu em sua vida depende do fato de que ela tem que atuar de forma diferente em cada situação social. E isso é desgastante”.

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Ela coloca toda a sua energia na manutenção dessa vida dupla, como se a revelação da sexualidade fosse destruir todas as relações que construiu com tanto cuidado ou fosse fazer os outros acreditarem que ela fazia algo com as alunas. 

E isso é fruto de uma relação social dominada pela repressão; é a consequência de você enfrentar diariamente um jogo com cartas marcadas em que você já perdeu; é o resultado de uma opressão que sufoca, prende e impede as pessoas de contarem suas próprias histórias nesse julgamento comprado por um conservadorismo que assume o papel de júri, juiz e executor.

Já vi muitos filmes que retratavam a opressão à população LGBTQIAPN+, mas poucos conseguiram transmitir tantos sentimentos em rota de colisão. Tudo graças à força que Georgia Oakley injeta nas imagens de Blue Jean, seja na hora de representar uma simples corrida solitária no frio britânico, uma noite em que o sono é substituído pela ansiedade ou o sorriso que escapa do rosto da protagonista nos poucos momentos em que ela pode se aproximar da libertação. 

Ainda escondida, mas ao menos livre dentro de si mesma…


Blue Jean já está em cartaz nos cinemas brasileiros. 
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