Andy Muschietti: Diretor de The Flash veio ao Brasil e falou sobre o filme em entrevista inédita

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Após muitos anos sob a liderança de Zack Snyder, o Universo Expandido da DC (DCEU)/DC Studios passou por uma crise digna de filmes de super-heróis e tem um novo co-Presidente: James Gunn (trilogia Guardiões da Galáxia). Trazendo sua visão de longo prazo para o estúdio, é o projeto The Flash, que inicia essa nova construção de universo.

Ainda que em um cenário tenso, dadas as polêmicas com Ezra Miller (que atua como o personagem principal, Flash/Barry Allen) e sua internação voluntária, Andy Muschietti visitou o Brasil e concedeu diversas entrevistas. Com um excelente humor e muita simpatia, uma delas é a roundtable concedida a oito veículos, cuja tradução livre se encontra a seguir.

andy muschietti
Foto: Divulgação Warner Bros Pictures

Fábio Hurtado, Nerd Break: Um dos momentos mais impressionantes de The Flash são as cenas em que ele corre. Como foi dirigir e pensar sobre essas cenas?

Andy Muschietti (AM): Estamos falando do poder mais importante do homem mais rápido do mundo. Existem coisas que eu gosto e coisas que não gosto nas representações anteriores de corredores e de tudo o que vive e se move rápido. Uma coisa que eu queria evitar era o efeito beija-flor, que eu acho engraçado de uma maneira ruim, e que é utilizado excessivamente.

Então, eu escolhi utilizar a perspectiva do Barry para a maior parte das cenas. Nas objetivas em que vemos ele de fora, ele é apenas um borrão, e mesmo na cena em que ele corre de Central City para Gotham no começo do filme, percebe-se que ele está percorrendo uma longa distância, mas sem esse efeito que me faz rir de constrangimento. Então, se vemos ele, parece que ele está correndo como uma pessoa normal, mas tendo essa longa distância.

Por outro lado, quando há a Hyper Speed, nós estamos na sua perspectiva. Ele se move um pouco mais devagar, mas as outras pessoas parecem congeladas. O mundo parece aguado e há o raio amarelo, algo que eu quis trazer e que não estava nas suas representações anteriores, onde ele sempre é azul. E agora ele é amarelo por conta do novo uniforme que dissipa a energia acumulada, filtrando ela. E o terno é feito pelas tecnologias Wayne, porque não existe nenhuma chance de ele ter feito aquele uniforme, certo?

E ainda há outro capítulo nessa conversa, que são as cenas de viagem no tempo e como elas seriam mostradas, e eu queria criar a minha versão disso. Você sabe, vemos tantos filmes sobre viagem no tempo, e ela sempre acontece de uma maneira diferente. As vezes é como um túnel, ou como em De Volta Para o Futuro, no qual você de repente é transportado.

O túnel temos em A Máquina do Tempo, mas como nós temos tudo acontecendo rápido, eu queria algo novo porque as pessoas já estão acostumadas com isso, e eu sou invejoso. Então eu criei essa situação que é basicamente um estádio ao redor dele, mas ao invés de pessoas sentadas, são as suas memórias.

Essas memórias estão todas sob o mesmo ponto de vista porque elas foram vividas por Barry. Elas acabam parecendo congeladas no tempo, como um museu de cera com uma espiralidade negativa. Mas se você é o Flash, você consegue parar em frente daquela memória que você quer acessar. Por isso que a primeira memória é a dos bebês que ele salvou naquela manhã, e existe uma linguagem e lógica que eu quis transmitir no filme de que ele só pode acessar as experiências pelas quais passou.

Então, a primeira vez que ele volta no tempo, ele consegue se ver no lugar em que estava naquela manhã, em linha direta com sua perspectiva. Ele basicamente tem que passar por essa membrana para acessar aquela realidade.

E isso parece divertido, como um desafio para mim, então seguimos em frente. E claro que tudo isso é muito legal até você perceber a dificuldade técnica que é: como nós vamos fazer isso? Enfim, utilizei essa tecnologia chamada Nano, que permite inserir diversos personagens que foram gravados, então eles não são digitais. E não importa o que a câmera fizer, aquelas performances estarão ali, e você pode inseri-las como as pessoas em um estádio.

Essa tecnologia também me deu uma nova linguagem para contar a história de diversos universos e como eles colidem, que é totalmente diferente de como ela estava descrita no roteiro. Quando você está filmando, é importante se desafiar e provar que consegue fazer aquilo, ou mesmo falhar. É isso que te mantém interessado.

Então temos o que parece uma grande bola quando você está por dentro, mas por fora parece uma esfera por conta das nebulosas em cima. E aí você vê os diferentes universos que parecem planetas, mas não são. Você percebe que em cada universo, há um Flash correndo. E isso faz a cabeça da audiência explodir, porque em cada um desses universos pode haver um filme. Isso faz o terceiro ato ser estimulante, porque ao mesmo tempo em que resolve algumas questões, ele abre outras.


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Paulo Costa, Cine&Cia: Você se tornou famoso dirigindo no gênero terror, que se tornou a sua marca. Como você trouxe elementos desse gênero para o seu primeiro filme de super-herói?

AM: Bom, o horror dessa história não é gráfico. É uma história de horror sobre o assassinato, de perder sua mãe, do trauma de infância, o que o aproxima dos novos filmes de terror. Se você quiser horror gráfico, tem um no qual o Dark Flash corre em nossa direção, e é um pesadelo. Sempre existe a chance de criar horror quando alguém está sonhando.

PC: Eu gosto da cena com os bebês.

AM: Sim, é aterrorizante e engraçado ao mesmo tempo. A gente meio que sabe que ele vai salvar eles, porque você não pode começar um filme matando bebês. Mas parece que a minha intenção de tornar a situação tensa, testando Barry mesmo que ele seja o homem mais rápido do mundo, com algo muito difícil para ele.


Carol Ballan, A Odisseia: Fazer um filme sobre o Flash é difícil, porque este é um projeto muito antigo e aguardado pelos fãs. Como foi lidar com essa responsabilidade?

AM: Tem um momento na vida de todo cineasta no qual ele tem que estar confiante em si mesmo e não sentir a pressão, ou silenciar a pressão, porque senão fica difícil ouvir seus próprios instintos criativos. É algo que vai acontecendo no caminho, e fazendo alguns filmes eu cheguei a esse ponto no qual eu não sinto nenhuma pressão, o que significa que eu posso até ser irresponsável. Eu sei que há uma responsabilidade, mas não me estresso com isso, vamos dizer. 


Miguel, Arroba Nerd: Eu gosto muito da atuação de Michael Keaton e Sasha Calle, mas eu queria falar um pouco sobre Maribel Verdú, porque para mim a Nora é uma parte tão essencial da história do Barry Allen. Como você a escolheu? Como foi trabalhar com ela?

AM: A primeira coisa que eu disse ao estúdio quando fiz o pitch do filme foi que eu queria que ele fosse sobre o centro emocional da história, e torná-lo forte o suficiente para que as pessoas se conectem com ele e criem uma reação emocional genuína. Nós já vimos muitos filmes vazios por dentro, com arcos emocionais lá, mas não realmente lá, entende? É uma mensagem ou uma jornada muitas vezes, o que é uma merda. 

Nesse caso, eu queria criar algo que a audiência pudesse se relacionar, e eu tinha o material porque era a história de uma criança e sua mãe, que é muito primitivo, uma criança querendo reencontrar a sua mãe. E é difícil ter uma execução que transmita isso. Para mim, Maribel é uma atriz que eu admiro muito, e ela é espanhola.  Vindo da Argentina, existe algo sobre a nossa cultura na América do Sul que valoriza a família e a amizade, o que é muito especial.

Eu sabia que queria uma atriz como ela, que consegue fazer essa conexão emocional mesmo com o seu pouco tempo de tela, e colocar a semente antes da aventura. Claro, foi um ato de fé, porque eu nem sabia se ela falava inglês, ela nunca fez um filme ou série estadunidenses antes, então foi um daqueles desafios que podiam dar errado, e isso é bastante irresponsável. Mas ao mesmo tempo há algo no seu sorriso e seus olhos que transmite o calor humano. E se fizermos acontecer, vai acontecer. 

Ela é latina, e nós merecemos essa representação em Hollywood. Nós vivemos em um mundo multi-cultural, então a representatividade deve vir naturalmente, e não forçada. Esse é o mundo que vivemos, e precisamos resgatar os valores das culturas para permitir que esses dramas funcionem.

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Foto: Divulgação Warner Bros Pictures

Fabrizio, Estação Nerd: Existe uma referência clara a Flashpoint nessa história. Mas eu queria saber se há outros quadrinhos, do Flash ou não, que te influenciaram e foram usados no processo. Mesmo que seja algo argentino.

AM: Existe uma solidão profunda, principalmente no fim do filme, que me lembra O Eternauta, um quadrinho clássico da América Latina na Argentina. É uma obra-prima da ficção científica, que tem fortes fundamentos. É o apocalipse alienígena e tem que lidar com a perda da sua família. E ele lida com o luto, e tem uma uma jornada pelo tempo e espaço. Agora que você mencionou, eu vejo muitas similaridades. Os aliens! Tem umas espaçonaves gigantes! Meu deus, é a mesma coisa.

E sobre o Flash, não é o Flashpoint, mas há pontos que lembram o universo do personagem. Temos Jay Garrick no centro, e vemos Barry Allen o conhecendo, sendo que ele é um ídolo. Jay Garrick está no mesmo universo cinemático de George Reeves como Superman, mesmo que nunca tenhamos visto Jay enquanto George Reeves era o Superman. 

Então, essas coisas estão lá para mostrar que sempre existe um flash, até no universo em que Helen Slater é a Supergirl. Tem até o Nicholas Cage em um mundo que existe, mesmo que ninguém tenha visto esse filme, porque não importa. Existe, certo? Então é a minha maneira de dizer que no Multiverso tudo existe ao mesmo tempo separado e junto, mesmo com filmes feitos há 20, 30 anos, esses personagens continuam vivos. É uma maneira de combinar e conciliar todos os mundos que existem cinematicamente.

Também tem uma coisa que o jovem Barry fala, que é “Ninguém morre”, no final. Isso foi tirado de um quadrinho do Wally West, em uma história que ele tem que salvar pessoas de um avião com terroristas. A aeromoça abre a porta de compressão e cai, e o Flash está tão decidido a salvá-la que ele pula sem nem saber o que vai fazer.

Isso fala tanto sobre Barry Allen, mesmo que seja o West no quadrinho. Eles compartilham um valor de altruísmo compromissado, decididos a ajudar os outros. O quadrinho se chama “Ninguém morre”, porque é isso que ele grita quando pula do avião, mesmo que não tenha a menor ideia do que fazer enquanto eles estão caindo em direção à cidade. Ele pensa rápido e decide correr para criar um travesseiro de ar, que suaviza a aterrissagem. O quadrinho é antigo, mas fala muito sobre um personagem e eu queria usar isso, porque o Barry jovem representa um lado inocente, no qual ele acha que ninguém pode morrer. Ele crê que pode fazer isso.


Kainan, Team Comics: Sasha Calle é um dos pontos altos do filme. Você acha que ela quebrou um estereótipo de atuação em questão de diversidade?

AM: Para mim, a Kaya atuando nesse filme é um reflexo do mundo multicultural no qual vivemos, e também subverte a expectativa de quem leu Flashpoint, porque a Supergirl nem está no material original. E eu acho que é bom que consigamos manter essa mitologia com mudanças, porque mudanças são a vida.

Mudar as coisas respeitando a essência da mitologia dos personagens é algo permitido no multiverso. E é quase inerente que no multiverso as coisas serão diferentes, porque ele é uma metáfora para o nosso universo. A Terra é um multiverso. Podemos especular sobre realidades paralelas, Terra 94 ou Terra 4, mas a verdade é que a Terra que conhecemos é um multiverso. O multiverso é feito de diferentes versões da mesma coisa, e quem sabe o que acontecerá com a Supergirl da Sasha. É isso que excita as pessoas.

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Foto: Divulgação Warner Bros Pictures

Suzana, OQVer: Me encanta que exista, além da ação, espaço para a filosofia, falando sobre destino e existencialismo, e a dificuldade de lidar com essa sua versão feliz. É difícil e tocante. Como foi encontrar esses elementos no roteiro?

AM: Eu queria aquela dinâmica de dupla estranha, como uma parábola para os lados que todos temos que é o adulto lidando com a sua criança interior. E como essa criança é algo que te ajudará a lidar com a vida adulta. Também é uma espécie de carta de amor à infância, que tem tantos tesouros que se perdem quando você se torna adulto. A inocência e a capacidade de imaginar coisas que não existem e imaginar soluções. É uma boa maneira de mostrar o equilíbrio, ouvir a criança que não vê as coisas com tédio e maldade.

A filosofia atravessa o filme, com a não-linearidade do tempo e compreender que existem coisas que não podemos mudar, algo que a nossa mente faz. A nossa mente nos leva para o passado recriando a situação repetidamente e sempre com um final feliz, para evitar que fiquemos loucos. Isso porque nós não podemos viajar no tempo.

O problema é que a gente fica viajando para um tempo no qual as coisas eram boas, e esse tempo existe no presente, nós só não o percebemos. Por isso há um confronto de filosofias quando o Barry original fala que sempre estamos vivos em algum lugar do tempo.

E nos dá uma brecha para pensarmos se acreditamos em destino ou vontade própria. Mas isso não é definitivo, é especulativo. E quando falamos de destino, eles falam sobre intercessões inevitáveis. O Barry jovem continua refazendo a cena em um momento em que as pessoas querem que ele esteja certo. Mas parece que no final, ninguém realmente ganha. Não sabemos se o jovem Barry teria sido bem sucedido se o original deixasse ele continuar fazendo isso por mais tempo.

O único modo de fazer isso seria matar o Barry original porque ele é essa intersecção inevitável. Eu gosto do terceiro ato por conta de todas essas reviravoltas.


Bruna, Chippu: E como você vê o futuro do Flash nesse momento? Têm coisas que nos levam a acreditar que haverá uma sequência, então o que você espera da DC com o James Gunn?

AM: Eu acredito que ele é um cara que respeita os instintos dos cineastas, e eu espero que esse filme seja absorvido. No futuro da DC, eu não sei dizer, eu acho que vai ser ótimo, mal posso esperar pelo próximo filme.


Agradecemos a Warner Bros Pictures Brasil e a CDN Comunica pela oportunidade deste encontro com Andy Muschietti.


The Flash chega aos cinemas brasileiros no dia 15 de junho, com sessões de pré estréia a partir do dia 14

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