Filme melancólico em sua essência, Depois de Ser Cinza peca por ficar preso em mistérios vazios e histórias movidas por homens
Melancolia | substantivo feminino
- estado de grande tristeza e desencanto geral; depressão.
- estado mórbido caracterizado pelo abatimento mental e físico que pode ser manifestação de vários problemas psiquiátricos, hoje considerado mais como uma das fases da psicose maníaco-depressiva.
Apesar de ser comumente confundida com tristeza ou depressão, a melancolia não é um mero sinônimo desses conceitos. Ela deve ser encarada como um transtorno de humor e tratada como tal, antes que evolua para a depressão.
Os sintomas podem se confundir, mas existem diferenças consideráveis em relação à duração, à intensidade e aos fatores que a desencadeiam. Para ajudar no direcionamento, Sigmund Freud criou uma definição que, além de fazer muito sentido, ressoa de formas curiosas na narrativa e na mise-en-scène construída por Eduardo Wannmacher em Depois de Ser Cinza.
Nesse caso, o psicanalista austríaco aproxima a melancolia do luto, relacionando a “vontade de fazer nada” com a perda. Porém, em cenários melancólicos, essa perda pode ser uma reação à ausência de um objeto amado real ou de um objeto idealizado. Ou seja, um objeto de amor que não morreu, mas foi perdido enquanto objeto de amor (Mendes, Viana e Bara, 2014).
Qual é a história de Depois de Ser Cinza?
Definido pelo diretor como “um filme sobre os movimentos que fazemos ao longo da vida”, Depois de Ser Cinza é narrado a partir de três mulheres diferentes que se envolveram com o mesmo homem: Raul.
Isabel, Suzy e Manuela estiveram com ele em momentos e lugares diferentes, numa trama que transita entre Porto Alegre e a Croácia. Por meio desses personagens, o longa faz um retrato dos relacionamentos contemporâneos, num mundo onde as fronteiras estão cada vez mais esmaecidas.
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O que achamos de Depois de Ser Cinza?
Como o próprio nome pode sugerir, Depois de Ser Cinza é um filme melancólico por natureza e funciona muito bem quando está se desenvolvendo em torno desse sentimento. A forma como Eduardo Wannmacher intercala os espaços vazios com os close ups, a trilha sonora de notas tristes e o ritmo relativamente lento conversam de forma interessante com essa proposta.
A parada é que, infelizmente, não posso dizer o mesmo das outras escolhas, começando pela tentativa apelativa de criar tensão em cima do que aconteceu com os personagens. Você sente que algo trágico aconteceu ou está na iminência de acontecer (e até aí tudo bem), mas o filme insiste na ideia bizarra de plantar pistas falsas e se apoiar na construção de um suposto quebra-cabeça a partir do cruzamento das histórias.
É uma tática meio Christopher Nolan de complicar algo que poderia ser simples apenas para fugir da dramatização frontal, da necessidade de lidar de forma mais direta com os sentimentos envolvidos.
Além de gerar um certo afastamento em relação ao público, essa decisão me incomoda por conta do tempo excessivo que Wannmacher dedica ao possível mistério enquanto deixa de lado o ponto mais forte do longa: a melancolia que preenche os vazios nas relações modernas. Seja por conta da saudade, do arrependimento, das fronteiras cada vez mais esmaecidas ou do afastamento de alguém em quem apostamos nossas fichas.
As três linhas temporais se transformam em histórias rasas onde mulheres fortes esbarram em Raul, mas não aprofundam seus relacionamentos. A amiga que vira ficante é a única que chega perto de se salvar, graças à química do casal, já que até mesmo a psicóloga – que casa com ele – sofre para ultrapassar as barreiras criadas pela ausência de profundidade.
E ainda tem outro fator que me incomodou em outro nível: o fato da história ser contada pelo ponto de vista das três mulheres, mas sempre girar em torno dele. Sei que não sou a melhor pessoa para falar sobre isso, mas achei, no mínimo, contraditório que cada detalhe da trama seja movido por ele, pelas decisões dele.
Isabel, Suzy e Manuela dão nome aos capítulos e são as protagonistas no papel, porém nunca assumem esse papel na prática. Não preciso fazer um Teste de Bechdel ou qualquer outro dessa família para saber que existe algo estranho em uma história onde todas as “protagonistas” tomam decisões com base nos desejos de Raul e, nos poucos momentos de troca, raramente conversam sobre outra coisa que não seja ele.
Elas andam pra frente por causa dele, desistem dos sonhos por causa dele, viajam para Dubrovnik por causa de uma decisão dele… E olha que ele nem é um personagem tão interessante assim. Tem algumas nuances e uma atuação bacana, mas, assim como tudo em Depois de Ser Cinza, só funciona dentro de um contexto melancólico que nem sempre está em primeiro plano.