Um Dia Cinco Estrelas | Uma corrida padronizada e nada engraçada

Um dia cinco estrelas
Foto: Divulgação / Um Dia Cinco Estrelas

Um Dia Cinco Estrelas tem um elenco talentoso, mas acaba sendo mais um passeio enjoativo e sem graça por não conseguir mergulhar na estrutura absurda da comédia de erros


Quando vamos falar de cinema brasileiro, muita gente (que geralmente não assiste a filmes brasileiros, deixando claro) cai na armadilha de dizer que só fazemos cinebiografias, “filmes de favela” e comédias sobre o cotidiano, que talvez seja o caso de Um Dia Cinco Estrelas.

Produções baratas, rápidas e padronizadas que, mesmo encarando o gênero de maneira frontal e popular, parece ficar preso em um mundinho estéril e bobo, com medo de abraçar seu lado farsesco ou simplesmente mergulhar nas possibilidades absurdas do humor.

Qual é a história de Um Dia Cinco Estrelas?

O longa conta a história de Pedro Paulo (Estevam Nabote), um homem esquecido e atrapalhado que passa dia e noite cuidando do Mozão, um Opala dos anos 70 deixado como herança pelo pai.

Para ajudar a família a sair do sufoco e realizar o sonho da sua mãe de viajar para Buenos Aires, ele começa a trabalhar como motorista de aplicativo. Ele só não contava com a variedade de passageiros e situações inusitadas que acabariam virando seu dia de pernas para o ar e mudando a vida da família para sempre.

Um dia cinco estrelas
Foto: Divulgação / Um Dia Cinco Estrelas

O que achamos de Um Dia Cinco Estrelas?

Sei que estou correndo o risco de repetir uma ideia comum entre os críticos de cinema quando se trata da comédia nacional, mas não deixa de ser curioso (e um pouco triste) que Um Dia Cinco Estrelas seja formatado, do começo ao fim, como um piloto ruim do Multishow. Pior ainda, o filme não se esforça em nenhum momento para fugir dessa padronização cômica desenvolvida para a televisão.

E, deixando claro, nesse momento eu não estou criticando o Multishow como canal ou sua programação humorística. A maioria das séries produzidas ali possuem momentos engraçados, uma capacidade de viralização admirável e um encaixe perfeito com o que se esperava do modelo de produção televisiva.

Ou seja, produções que custam pouco e se espalham com facilidade, expandindo o público de uma forma que possibilite movimentos transmidiáticos ou a construção de franquias. Não é à toa que muitas marcas nascidas nesse ambiente extrapolam a telinha e vão parar nos cinemas ou nos palcos de teatro.

Mas, voltando à discussão principal, admitir que o modelo em questão faz sentido para a televisão não quer dizer que também vale para o cinema. E nem é uma questão elitista que coloca um acima do outro; é simplesmente uma questão de diferença entre formatos e mídias.

Pensar sobre as personas de sucesso criadas por Paulo Gustavo nos dois mundos ajuda a exemplificar o que estou dizendo. Até mesmo porque, em primeira instância, sua viralização aconteceu por conta dos programas do Multishow, em especial o Vai que Cola. No entanto, apesar da proximidade entre os estilos de humor que permeiam as mídias, existe uma clara mudança na postura do ator quando o assunto passa a ser a adaptação de Minha Mãe é uma Peça para os cinemas.

Paulo nunca renegou o humor simples, rápido e viral que fazia na televisão, mas entendia que o sucesso – de público e crítica – nas telonas dependia de algumas mudanças. Não adiantava somente reaproveitar cenários de madeira e imitar, em aspectos narrativos, estéticos e formais, o que era feito no teatro ou nos canais abertos.

Ele acabou errando em algumas produções cinematográficas, mas isso não vem ao caso. Essa reflexão é apenas um exemplo que surgiu na minha cabeça durante a sessão de Um Dia Cinco Estrelas – um filme que parece ter sido feito com a pressa e a padronização típica da televisão somente para atender a necessidade mercadológica de colocar uma comédia nacional em cartaz.

Só que isso me incomoda mais por conta da dificuldade de aproveitar suas possibilidades do que pela velocidade ou suposta simplicidade. Lá na introdução, eu falei, por exemplo, sobre o medo de abraçar essa farsa que, mesmo sendo ignorada ou negada, nunca sai de cena. É uma contradição que não deixa o filme pegar no tranco.

Um dia cinco estrelas
Foto: Divulgação / Um Dia Cinco Estrelas

Logo depois da cabine de Um Dia Cinco Estrelas, eu fui surpreendido por um filme de Fritz Lang chamado O Diabo Feito Mulher. Um faroeste da década de 50 que passeia por diversas inspirações inusitadas, incluindo uma ideia de farsa que conecta o texto com os cenários propositalmente falsos e outras escolhas estéticas do diretor alemão.

“Mas por que você tá falando desse filme, Flávio? Ele não é uma comédia com cara de piloto do Multishow…”

Por ora, o importante é entender que elementos com potencial para serem considerados toscos podem ser ressignificados em um filme, desde que o diretor saiba como aproveitá-lo dentro de um contexto. Hsu Chien Hsin (Me Tira da Mira) definitivamente não faz isso em Um Dia Cinco Estrelas.

O filme tem dificuldade para se entregar até mesmo às possibilidades que seu próprio texto promete. Por exemplo: ele flerta de forma muito clara com comédia de erros, vendendo o próprio protagonista como um agente do caos que erra até quando acerta. Pedro Paulo se mete em algumas confusões no meio do caminho, porém a ideia se perde no vento…

Ao mesmo tempo, existe o desejo de se aproveitar da ideia de jornada proporcionada pelo road movie, com o protagonista conhecendo novos personagens (sempre caricatos) em cada nova parada. O problema, nesse caso, é que os passageiros/coadjuvantes são ruins e sofrem para arrancar uma risada do público.

O flerte com as duas ideias é inegável, mas a entrega não existe. Talvez porque isso obrigaria o carro a desviar da rota padronizada e automatizada que Hsu Chien Hsin planejou com tanto cuidado. Algo que, inclusive, atinge instâncias muito mais profundas do que cenários falsos.

É uma direção sem tesão, que não tem a mínima vontade de tentar fazer algo diferente. Ficou claro para mim que o diretor queria terminar as gravações o mais rápido possível e, por isso, não propôs nada além de uma dinâmica de cortes básica, de um timing cômico formulaico e uma mise-en-scène estéril. O resultado é uma casca sem vida que não tem nada a dizer.

E o pior é que eu gosto da Nany People, do Estevam Nabote (parafraseando o Hoffmann, a imitação que ele faz do pitbull da Gracyanne é uma das melhores coisas da internet) e de boa parte do elenco. No entanto, é tudo tão vazio que nem a risada de desconforto se torna realidade. Os poucos momentos de riso torto acontecem quando Nabote esboça algum tipo improviso, mas até isso a direção realiza com pouquíssima criatividade.

As coisas só vão acontecendo por 90 minutos que parecem 180, enquanto nós ficamos indiferentes. Parece muito com aquelas viagens insuportáveis em que o motorista de aplicativo não para de falar da sua própria história, fazendo piadas que acendem o desejo de abrir a porta e saltar do carro em movimento.


Um Dia Cinco Estrelas está disponível nos cinemas.

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