Texto escrito por Natália Bocanera do Coletivo Crítico
O cinema está saturado de contos de fadas. Há uma repetição de narrativas estruturadas com fórmulas previsíveis suficientes apenas para torná-los aceitáveis e lucrativos. É fato que Sra Harris vai a Paris, filme do diretor Anthony Fabian adaptado do livro de Paul Gallico, é um conto de fadas (tipicamente britânico).
Entretanto, apesar de repetir muitos elementos das ditas fórmulas de aceitação, seu resultado supera o esperado “aceitável”: e se mostra, inclusive, muito agradável.
Qual a trama de Sra Harris Vai a Paris?
O diferencial? Um conjunto de escolhas muito cuidadosas e corretas. A maior delas? Trata-se de um conto de fadas cuja protagonista é uma empregada doméstica, Ada Harris (Lesley Manville), viúva da 2ª Guerra Mundial de meia idade, e que se permite ter sonhos, muito embora a vida não lhe seja grata.
A heroína é, portanto, uma senhora sem filhos que trabalha para prover seu próprio sustento, num cenário mundial pós-guerra onde muitas mulheres eram instadas a permanecer nos lares para que os homens retornassem aos postos de trabalho.
Após se deslumbrar com um vestido de alta costura comprado por uma de suas empregadoras por um preço até mesmo superior ao seu próprio salário, Ada decide seu sonho: ir até Paris para adquirir um vestido da mesma marca: Dior.
O que achamos do filme?
Há um ar de encanto e fantasia no entorno da protagonista e dos acontecimentos que lhe possibilitam perseguir seu sonho, que é acertado no sentido de deixar claro ao espectador que estamos diante de um conto de fadas, o que é corroborado pela competência de Lesley Manville (é gritante a diferença entre Ada Harris e a Cyril Woodcock da atriz em Trama Fantasma). Isso não impede que o diretor assuma alguns compromissos diante da situação histórica e social que circunda sua narrativa, ainda que o faça de forma pouco aprofundada (já que essa não é, de fato, a intenção do filme).
Há um abismo social claro entre a protagonista, empregada doméstica, perante os poderosos que a empregam, que deixam de pagar seu salário ao mesmo tempo que exigem que ela permaneça trabalhando, e fazem festas e compras exorbitantes e luxuosas. Sra Harris vai a Paris não se perde ao evitar uma possível romantização entre o tratamento dado pelas pessoas ricas à protagonista, e desvia com elegância de muitos possíveis erros dessa natureza. Pessoas ricas se aproximam dela em tom de amizade apenas para explorá-la também no âmbito emocional, por encontrarem nela uma figura materna e acolhedora.
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A ida de Ada à Paris mostra-se uma alusão também à sua profissão. A protagonista encontra uma cidade imunda em razão da greve dos trabalhadores da coleta de lixo (e é incrível que mesmo em meio à sujeira, o diretor consegue tornar a cidade um local agradável). “Em Paris o trabalhador é rei!” é uma fala rápida presente no longa, mas que torna possível que a crítica social esteja presente como contexto. A visita da personagem à cidade-luz é uma verdadeira limpeza emocional dos personagens que cruzam o seu caminho.
É aqui que o longa peca. Ainda que se esforce para não cair em armadilhas narrativas, sua conclusão se deixa levar pela obviedade e pelo abandono da crítica social, e excesso da fantasia. A personagem é recompensada por ser boa, personagens são redimidos. Entretanto, seus pecados são perdoáveis. Há momentos em que simplesmente busca-se o cinema para uma experiência exata a que foi proporcionada por Sra. Harris vai a Paris: um pouco de devaneio, riso fácil, humor britânico e coração quentinho.
Sra Harris vai a Paris, está em cartaz nos cinemas.
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