Simón: Conheça o filme venezuelano que escapou da censura do país para chegar à Netflix

Foto: Divulgação

Simón chega agora à Netflix com o título de filme venezuelano de maior bilheteria em 2023. O longa Conta a história de um líder estudantil que busca asilo político nos Estados Unidos, enquanto enfrenta seus traumas após ter sido detido durante os protestos antigovernamentais de 2017 e torturado em uma prisão venezuelana.

O filme estreou com a surpreendente notícia de não ter sido censurado. “Na Venezuela, é notícia quando um filme não é censurado”, ironiza o diretor Diego Vicentini (Caracas, 1994), em videochamada como uma turnê promocional pela região, onde transformou salas de cinema em espaços terapêuticos com seu primeiro longa-metragem.

Simón é um filme venezuelano na Netflix
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Simón é um capítulo tenso da história venezuelana

Simón continua atraindo espectadores, enquanto o estudante de Antropologia John Álvarez, 22 dias após sua defesa denunciar que foi torturado, finalmente foi examinado por médicos legistas. Esta semana foi revelado que ele perdeu a visão do olho esquerdo e sofreu lesões no fígado por causa dos golpes.

“Cada dia que passa e nada muda, mais pessoas sofrem”, observa Vicentini. Daí vem a urgência do cineasta, com menos de 30 anos, em contar uma ferida que ainda está aberta para muitos venezuelanos. Mais de 150 pessoas foram mortas e milhares foram detidas durante aqueles dias de repressão e caos por parte das forças de segurança.

“A dureza está em ver em cada cidade e em cada país a ferida coletiva que temos e como cada um conta sua história e se conecta com Simón. Dói ver como a dor que nos causaram é universal. E também tem sido um espaço terapêutico conjunto. Ter 300 pessoas, 600, mil em uma sala de cinema sentindo mais ou menos a mesma coisa nos ajuda a cicatrizar”, comenta o diretor.

O filme emocionou tanto os espectadores do exterior quanto os do país. À época de lançamento do filme em Caracas, em uma sala ventilada com ventiladores devido às frequentes flutuações de energia no país que danificaram os condicionadores de ar, grande parte da plateia chorou em silêncio e aplaudiu durante os créditos.

Em Medellín, um venezuelano compartilhou a história de um amigo que foi morto durante os protestos, cujos pais se suicidaram mais tarde por não terem alcançado justiça. “Onde quer que eu vá, encontro pessoas que foram detidas, torturadas ou que conhecem alguém que viveu isso”.

Em 2009, Vicentini emigrou com sua família para os Estados Unidos. Ele tinha apenas 15 anos quando saiu e viveu os quase quatro meses de protestos de 2017 através das redes sociais enquanto estudava cinema em Los Angeles. “Quando acordava, via no telefone que outro cara havia sido assassinado e depois tinha que ir para a aula”. Sua tese de graduação foi o curta que antecedeu Simón.

“O embrião emocional do filme é essa culpa de não estar lá. Uma tentativa de contribuir. Por isso o filme lida com esse equilíbrio entre culpa e perdão, o poder de nos perdoarmos por não termos alcançado o que queríamos”.

Simón, o personagem, também vive com essa dualidade. Ele liderava um grupo estudantil de protestos inspirado em outros movimentos sociais no mundo que resultaram em mudanças políticas. Vicentini construiu o personagem através de entrevistas com vários líderes estudantis detidos e torturados, incluindo um também chamado Simón, cujo testemunho ele recebeu via DM no Instagram.

Sua mãe escreveu para ele depois de assistir ao curta para dizer que seu filho passou pelo mesmo e que se chamava Simón. Depois, os reuniu em Miami, onde o diretor acompanhou o processo de asilo do líder. “Simón foi um desses líderes dispostos a dar tudo de si e quando ele se foi, a única opção que viu foi esquecer o país, porque é muito doloroso, mas ele é perseguido por essa culpa por ter deixado sua equipe para trás”.


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Longa estreia na Netflix esperando o mesmo sucesso dos cinemas

O jovem diretor acredita no poder do cinema para gerar empatia e é isso que busca com Simón, que foi exibido em 10 cidades da América Latina, Estados Unidos e Espanha e foi selecionado pela Academia Venezuelana de Cinema para competir como filme latino-americano nos Goya.

“Um filme pode mudar radicalmente o que você pensava sobre uma situação e isso já aconteceu conosco. No Equador, um equatoriano se levantou na sala e disse: Em nome de todo o Equador, quero pedir desculpas a todos os venezuelanos se os tratamos mal, julgamos e não tivemos empatia. Aí você percebe que estamos conseguindo algo. E é daí que vem essa urgência. Isso está acontecendo em tempo real. Venezuelanos continuam saindo, continuam sendo torturados. Quero que isso termine agora”.

Simón está disponível na Netflix.

Medo na sala de cinema

Simón estreou em julho de 2023 durante o Festival de Cinema Venezuelano, na cidade de Mérida, nos Andes venezuelanos. Esta visita fez com que Vicentini retornasse ao país treze anos após sua partida. Ele entrou pela fronteira de Cúcuta; quis passar despercebido. Na sala, enquanto assistia ao que denunciava em seu filme, suava frio. Tinha medo, diz.

Quando fez os trâmites com as autoridades cinematográficas do país, recebeu o certificado de nacionalidade do filme com uma observação que mais parecia uma ameaça. Deram-lhe o registro, mas no documento foi advertido de que o filme poderia violar a Lei contra o Ódio e a Convivência Pacífica em seu artigo 20 e acarretar penas de 10 a 20 anos de prisão.

A lei do ódio, considerada inconstitucional pelas organizações de direitos humanos, foi uma consequência daquele ciclo de protestos onde Simón começa, uma ferramenta com a qual o governo de Nicolás Maduro puniu a crítica. “Tratamos isso como uma observação e seguimos em frente. Mas entendemos como um aviso”.

O filme recebeu a maior quantidade de prêmios neste festival, incluindo Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Diretor, e Vicentini teve que sair mais cedo por um conselho que recebeu durante sua estadia no país. Daquele retorno à Venezuela, ele lembra:

“Encontrei um país muito machucado e estático no tempo, mesmo com as pessoas querendo viver o dia a dia. As pessoas enterraram o que aconteceu, porque se você acorda todos os dias pensando nisso, em todas as injustiças, torna-se insuportável e paralisante. O filme traz à tona tudo o que não queríamos pensar, mas o mais bonito para mim é que tudo isso veio com gratidão. Mesmo que doa, todo mundo agradece por se sentir visibilizado”.


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