DNA do Crime: superprodução da Netflix tem ótima ação, mas vale pelas relações

DNA do Crime: superprodução da Netflix tem ótima ação, mas vale pelas relações 1
DNA Do Crime. Maeve Jinkins como Suellen. Foto: Guilherme Leporace e Alisson Louback/Netflix © 2023

O cinema policial brasileiro tem uma longa linhagem, rendendo clássicos como o “O Assalto ao Trem Pagador” (1962), de Roberto Farias, e “Lucio Flavio: O Passageiro da Agonia” (1976), de Hector Babenco, mas foi no início dos anos 2000, com os lançamentos de “Cidade de Deus” (mais um Scorsese à brasileira que um policial) e, principalmente, os dois “Tropa de Elite”, de José Padilha, que criou-se um padrão estético e de narrativa para essas obras. De repente, a todo momento surgiam filmes como “Federal” (2010), “Intervenção” (2021), “Alemão” (2014) e até mesmo o constrangedor “Polícia Federal: A Lei é Para Todos” (2017), o famoso filme da Operação Lava-Jato.

José Padilha, diretor e roteirista dos filmes estrelados por Wagner Moura, não criou o violento discurso de um anti-herói disposto contornar as regras, e tampouco aquela estética, a narração em off, com uma voz sofrida, mas popularizou ambos a ponto de tornar aquilo uma espécie de assinatura. Basta ver “O Mecanismo” ou “Narcos”, séries criadas por ele, para entender o estilo presente também em “DNA do Crime”, que a Netflix lança em 14 de novembro – sai José Padilha e entra Heitor Dahlia (“O Cheiro do Ralo”, “Serra Pelada”), mas a pegada é a mesma.

DNA do Crime é a nova série brasileira da Netflix
DNA Do Crime. Maeve Jinkins como Suellen, Rômulo Braga como Benício. Foto: Guilherme Leporace e Alisson Louback/Netflix © 2023

“DNA do Crime” é uma superprodução brasileira baseada em alguns crimes reais. A série se passa basicamente na tensa fronteira entre Brasil e Paraguai, onde alguns criminosos brasileiros adotaram as táticas do chamado Novo Cangaço e fecharam cidades inteiras, fazendo até reféns para a realização de roubos. Logo descobrimos que um dos sujeitos por trás do ataque é também o responsável pela morte do parceiro de Benício (Rômulo Braga), um policial marcado pela vida, amargurado, e que busca vingança.

Um “lobo solitário” disposto a tudo para se vingar, Benício prefere trabalhar sozinho, com seus próprios métodos, mas tudo muda quando ele ganha uma nova parceira, Suellen (Maeve Jinkings, de “Os Outros”). Ao lado de outros colegas da Polícia Federal e contando com a ciência (o “DNA” do título é literal), eles terão que desmascarar e enfrentar uma das maiores organizações criminosas do Brasil.


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“DNA do Crime” é uma narrativa fácil de se acompanhar, uma história que o público já conhece, o policial “quebrado” que passa a enxergar as coisas de maneira diferente com a chegada de uma nova parceira. É interessante como a série não busca necessariamente ser diferente, mas entregar justamente o que o público espera. Assim, há grandes cenas de ação, um belo plano-sequência no quarto episódio, intrigas, traições e muitos clichês que oferecem um certo conforto ao espectador.

O texto constrói bem seu antagonista. Sem Alma, bandido vivido por Thomas Aquino (“Bacurau”, “Os Outros”), é um sujeito com camadas e um código moral forte, mas também o principal suspeito de ter assassinado o parceiro de Benício. Ele, no entanto, é apenas parte de uma engrenagem mais complexa, de uma grande organização que obviamente chega a pessoas muito poderosas nos dois lados da fronteira.

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DNA Do Crime. Foto: Guilherme Leporace e Alisson Louback/Netflix © 2023

O grande chamariz de “DNA do Crime” são suas boas cenas de ação, como o já citado plano-sequência ou a grandiosa cena do último episódio da temporada. O comando de Heitor Dahlia entrega uma urgência, uma sensação de perigo constante necessária para esse tipo de narrativa. Em contrapartida, o roteiro opta por algumas soluções fáceis para progredir – sustentado pela premissa da utilização do DNA pela polícia brasileira, algumas informações surgem milagrosamente para mudar rumos do roteiro e colocar os protagonistas em outro caminho.

A princípio, ainda, o texto parece gastar tempo demais com um arco paralelo, o de Moreira, um policial que ficou muito tempo infiltrado e, por isso, talvez não seja mais tão confiável. A verdade é que o personagem não precisava estar ali durante mais da metade da temporada (e nem faz sentido que ele esteja…), tendo a única função de manter a dúvida pairando sobre ele – o roteiro não se esforça para que isso seja esclarecido.

A melhor parte de “DNA do Crime”, o que realmente difere a série de outras obras do gênero, é a naturalidade das relações. Maeve Jinkings e Rômulo Braga estão ótimos, cada um com seus arcos individuais, mas construindo uma relação que foge do caminho mais fácil, com uma tensão sempre no ar, mas não necessariamente sexual.

Em um ambiente tão masculino, Suellen é “um dos caras”, troca provocações e não aceita nada calada; seu arco individual é ótimo e faz proveito do talento dramático de Maeve Jinkings. É na troca entre ela e Benício que a série ganha força, pois existe um estranhamento que logo se transforma em admiração e respeito quando um passa a se enxergar nas falhas do outro; nenhum dos dois é uma pessoa fácil e ambos se entendem assim, com suas imperfeições, se completando e se entendendo gradualmente.

Mesmo sem ser incrível, o que nem tenta ser, “DNA do Crime” funciona. Com boa direção e ótimos atores, a série acaba sendo uma introdução àquele universo que mistura fatos e ficção com naturalidade, prendendo o espectador que provavelmente já sabe que vai encontrar o que busca na nova série da Netflix.


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Veja o trailer de DNA do Crime 

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  1. Discordo do “ótimos atores”. Na verdade, não dá pra saber. Essa é uma velha marca negativa do cinema brasileiros, onde as falas são raramente espontâneas e aí fica-se sem saber se a falha está na direção de ator, na falta de naturalidade dos intérpretes, na não identificação com os personagens e apenas recitar o script ou tudo isso junto. O fato é que se trata de um fato recorrente. Tecnicamente não fica nada a dever a qualquer blockbuster roliudiano e, sim, as relações pessoais são bem alinhavadas, mas o pecado mora em clichês desnecessários já vistos em trocentos filmes daqui e além mar, o que, talvez, mesmo sem intenção, impeça a espontaneidade.

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