Produção alemã com aspirações metalinguísticas, Coisas do Amor arranca sorrisos quando mergulha na sátira, porém se perde entre subtramas dramáticas sem nenhum impacto
No momento em que o nome Anika Decker surgiu nos créditos, uma luz se acendeu no meu cérebro. Não sabia de onde, mas aquele nome da diretora e roteirista de Coisas do Amor não era estranho.
Quando o filme chegou ao fim, busquei a ficha e descobri que se tratava da roteirista de SMS für Dich – o longa alemão que serviu como inspiração para o recente O Amor Mandou Mensagem. Uma comédia romântica que flerta com dinâmicas de stalker para desenvolver um daqueles romances óbvios onde dois estranhos se apaixonam antes mesmo de trocarem olhares na vida real.
Nunca assisti à versão alemã, mas achei a refilmagem questionável e clichê. Adjetivos de gosto duvidoso que, infelizmente, não podem ser utilizados para classificar Coisas do Amor. Em outras palavras: ele precisaria ser bem melhor para merecer esse status…
A história de Coisas do Amor
É hora do tapete vermelho em Berlim e todos – fãs, paparazzis e equipes de filmagem – estão ansiosos para vislumbrar a maior estrela de cinema do país: Marvin Bosch. Porém, a espera será em vão, já que uma campanha suja liderada por uma jornalista de tabloide mal-humorada e implacável obriga o astro a se esconder da mídia.
Marvin se refugia em um teatro independente e começa a mergulhar em um ambiente dominado por comediantes com aspirações feministas e LGBTQIA+. O problema é que o teatro está à beira da falência e, por isso, se torna mais uma missão na vida desse ator que também precisa restaurar sua reputação, fazer as pazes com o passado e dar uma chance ao amor verdadeiro.
O que achamos de Coisas do Amor?
Seria muito injusto dizer que Coisas do Amor não possui bons momentos. Ele consegue arrancar alguns sorrisos quando se entrega à sátira, apesar de conversar com aspectos restritivos da cultura alemã. Gosto, por exemplo, da primeira visita ao teatro, da gravação do comercial e da sequência do vômito.
São cenas bobas que passam longe de surpreender, mas brincam com os clichês da metalinguagem e das comédias românticas de forma ao menos carismática. Por um instante, é o que precisamos para criar alguma conexão com os protagonistas e sua vida supostamente caótica.
Só que, em meio a subtramas superficiais, desenvolvimentos empobrecidos e vilões caricatos, a estrutura não demora a desabar, deixando claro que o carisma de Elyas M’Barek, Lucie Heinze e companhia está sozinho e terá muita dificuldade para estabelecer emoções verdadeiras.
Algumas coisas – como a repórter imparável de imprensa marrom que não se preocupa com as consequências de suas matérias – até duram um pouquinho mais nesse cenário de sátira, usando a caricatura como combustível tanto para a crítica quanto para o desenvolvimento cômico. No entanto, um pouquinho a mais ainda é pouco tempo…
É curioso como Coisas do Amor perde um pouco mais do seu fôlego a cada nova subtrama que apresenta. O misterioso passado criminoso de Marvin, o desenvolvimento da relação entre o protagonista e seus amigos, a cena underground de stand up que sofre com a falta de espectadores – são muitas ideias (algumas com potencial, outras não) rasas e com uma forte tendência à dramatização apelativa.
De certa forma, parece que o filme gosta das possibilidades oferecidas pela sátira e faz um bom trabalho nos momentos em que aposta nelas, porém tem vergonha de se tornar uma comédia boba. Digo isso, porque, ao contrário dos filmes de super-herói que cortam o drama com piadas, Coisas do Amor insiste em interromper a boa comédia por tramas dramáticas sem peso algum.
E o pior é que o longa tenta vender isso como algo importante. Faz várias sugestões ao passado, insiste na ideia de que as histórias anteriores à fama são feridas abertas, mas nunca sai da superfície. Isso sem contar com a conclusão que levanta um único questionamento: “é sério que esperei todo esse tempo por isso?”.
A ponta do iceberg para um filme que tem muita dificuldade para recompensar o espectador. Na teoria, esse nem é necessariamente o caminho certo, mas, por incrível que pareça, faz muita falta dentro da dinâmica clichê em que Coisas do Amor se estrutura. E eu posso citar bons exemplos, indo desse jogo melodramático sobre o passado que é finalizado com o diálogo mais direto e batido possível até a conclusão estéril de uma vilã que poderia ser odiada.
Por um lado, é interessante vermos o filme seguir um caminho menos punitivo em meio a tantas amarrações moralistas; mas por outro, parece desperdiçar uma coadjuvante cujo único ponto de destaque era ser aquela vilã de novela caricata que faz o mal pelo mal. Considerando que a produção anula tanto o romance (com potencial) quanto a sátira em prol das subtramas dramáticas e das maldades da personagem interpretada por Alexandra Maria Lara (Tempestade: Planeta em Fúria), a ausência de boas conclusões prejudica bastante a experiência.
São quase 100 minutos que prendem o espectador em um passado criminoso sem peso, um duelo midiático totalmente anticlimático, sátiras ignoradas a partir de certo ponto e uma possível falência do teatro que existe apenas para dar ao final ao protagonista. Até mesmo o discurso feminista que deveria ser o ponto central do teatro sofre com um desenvolvimento raso que se contenta em citar lutas importantes e gritar palavras sorteadas de forma aleatória.
Por algum motivo, a diretora achou que apenas falar sobre a dificuldade dos homens encontrarem o clitóris era o suficiente. Mas até eu, que não sou a melhor pessoa para falar sobre o assunto, fiquei incomodado com essa abordagem picotada e vazia que muitas vezes recai em ideias antiquadas, tipo o “fé nas malucas”. Não consegue nem mesmo ser uma obra “feminismo for dummies” que tanta mastigar a discussão para um público que nunca ouviu falar sobre o tema.
E conforme essa superficialidade vai se revelando um padrão para todas as subtramas, o ato de assistir a Coisas de Amor passa a ser muito mais cansativo. É incrível como o clímax – se é que eu posso chamar a conclusão disso – se arrasta por longos minutos sem graça, sem romance, sem charme, sem nada. A apresentação de stand up do protagonista, que deveria representar o estágio de sua transformação, é tão constrangedora quanto um romance central que, após ser ignorado, retorna sem química, tesão ou qualquer coisa que possa ser classificada como amor.