O Acidente | Contrastes, polarizações e sentimentos internalizados

O Acidente
Foto: Divulgação

Drama gaúcho dirigido por Bruno Carboni, O Acidente é um passeio intimista e imagético por rupturas que marcam a sociedade brasileira


Como muita gente deve saber, o site tem uma coluna semanal na rádio Band News do Espírito Santo (você pode escutar aqui, toda quinta-feira). Quando vamos ao estúdio, nossas entradas ao vivo dividem espaço com notícias, atualizações sobre o trânsito e participações de ouvintes que adoram repetir o slogan: “em 20 minutos, tudo pode mudar”.

Uma frase que funciona perfeitamente para as notícias, os engarrafamentos e a vida. Afinal de contas, existem encontros, que mesmo durando poucos segundos, podem impactar em vários aspectos da nossa vida. 

De certa forma, é nesse cenário de encontros inesperados e mudanças profundas que está O Acidente – primeiro longa-metragem de Bruno Carboni, reconhecido por seus curtas e por uma carreira de montador que inclui o longa Depois de Ser Cinza e a série Cidade Invisível. 

O Acidente
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Qual é a história de O Acidente?

Produção gaúcha que estreou no Tallinn Black Nights Film Festival e conquistou o principal prêmio de roteiro no Festival de Beijing, O Acidente é inspirado em um vídeo real que o diretor encontrou na internet. Nele, uma ciclista era carregada no capô de um carro dirigido por outra mulher. 

Em entrevista divulgada no release para a imprensa, Bruno Carboni ressalta que, mesmo não sendo necessariamente chocante, o vídeo em questão levantou questões que o interessaram. 

“Aquele pequeno incidente me parecia representar um certo sentimento de inimizade no ar, fruto da polarização política que dividia a sociedade brasileira e impossibilitava qualquer tentativa de diálogo”

O resultado de todas essas reflexões é a história de Joana, uma ciclista que é atropelada e carregada no capô de um carro após discutir com a motorista. Ela sai aparentemente ilesa e decide esconder o ocorrido de sua parceira, Cecília, temendo que isso afete os planos do casal. 

O que Joana não esperava era que um vídeo viral do acidente aparecesse online, obrigando-a a prestar queixa na polícia. Apesar de sua relutância, essa decisão faz com que sua vida cruze com Elaine, a motorista, seu ex-marido Cléber e seu filho Maicon, um introvertido cineasta iniciante.

O Acidente
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O que achamos de O Acidente?

O Acidente é um drama intimista que concentra sua atenção nos contrastes, nos vazios e nas polarizações (não necessariamente políticas) que tomaram conta da sociedade nos últimos anos. Por conta disso, os personagens – em especial Joana –  parecem estar sempre próximos do ponto de ebulição. 

No entanto, seguindo um caminho que possui ecos vanguardistas e minimalistas, Carboni escolhe manter a explosão do possível confronto no limite da ameaça. Não é à toa que muita gente tem comparado o longa às obras dos Irmãos Dardenne e até mesmo de Robert Bresson.

O acidente em si é um mero ponto de partida, um ato inesperado que rompe com os planos da protagonista, transformando rotinas e provocando reflexões que Joana pretendia esconder. Em outras palavras: por mais que o atropelamento pareça inofensivo em termos de intensidade, as suas consequências são muito maiores do que qualquer lesão física.

A conexão instantânea, empática e quase poética que Joana cria com Maicon é um desses pontos de tensão e reflexão. Ela consegue se enxergar naquela casa, aprisionada entre desejos conservadores que atravessam (no pior sentido da palavra) a forma sensível com que enxerga o mundo, e isso reflete diretamente no seu desejo de formar uma família. 

O Acidente
Foto: Divulgação

Pelo menos é isso que eu acho, considerando que a câmera de Carboni está muito mais interessada em olhar para dentro da personagem de Carol Martins. Não só isso, visto que as imagens têm mais peso do as palavras desde o início de O Acidente. 

Ainda que Joana e Maicon compartilhem diálogos profundos (dentro do esperado para uma criança, né?) e muito esclarecedores, eles permanecem em segundo plano. Tanto que não é o depoimento para a polícia que ocupa o papel de gatilho na trama, e sim um vídeo de celular que diz muita coisa apenas com um plano e sua trilha sonora. 

E Carboni segue o mesmo caminho, deixando que os enquadramentos recheados de detalhes e corpos sem rosto, os movimentos de câmera que beiram o naturalismo e as boas atuações do elenco sejam protagonistas na criação dos sentimentos. Da apatia à indecisão de Joana, tudo está no olhar e na forma. 

O Acidente
Foto: Divulgação

Admito sem problemas que, em vários momentos, discordei dos caminhos escolhidos pelos personagens e gritei para a tela que não fazia sentido tomarem tal decisão. Porém, gosto mais de ver Carboni assumir as rédeas do drama para dar destaque à forma. Porque, apesar dos desvios de rota, o verdadeiro impacto está concentrado no poder universal dos olhares, gestos e atitudes. 

São eles que podem destruir muros ou preencher vazios, seja nos momentos introspectivos de silêncio ou num abraço mais inesperado quanto o acidente que dá nome ao filme. 


O Acidente já está em cartaz nos cinemas
O Acidente
Foto: Divulgação / Pôster de O Acidente
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