Meu Vizinho Adolf | Uma comédia de costumes sobre o Holocausto?

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Foto: Divulgação/A2 Filmes

Contando a história de um sobrevivente do Holocausto que acredita ser vizinho de Hitler, Meu Vizinho Adolf arranca sorrisos até se tornar vítima da tentativa de encontrar leveza em um tema tão pesado


No dia 30 de abril de 1945, no bunker em que estava escondido há mais três meses, Hitler atirou na própria cabeça com sua pistola Walther calibre 7.65mm. Segundo historiadores especializados em Segunda Guerra Mundial, essa foi a saída encontrada por um líder que estava decidido a não repetir o processo de rendição protagonizado pelos alemães em 1918.

No entanto, existe uma teoria tão famosa quanto a história oficial quando se trata do fim de Hitler: a suposta fuga para a Argentina, onde viveu escondido até sua morte, em 1962. Nada disso foi comprovado, mas a localização de artefatos alemães da época e o fato de nazistas famosos, como Adolf Eichmann e Josef Mengele, terem realizado esse trajeto fez com que tal ideia ganhasse forma e fama.

Inclusive, a missão de captura de Eichmann possui papel importante em Meu Vizinho Adolf. Uma comédia, coproduzida por Israel, Polônia e Colômbia, que se alimenta da teoria da conspiração para acompanhar os dilemas de um sobrevivente do Holocausto que acreditava morar ao lado do grande líder nazista.

Curiosamente, essa é a segunda produção de 2023 que flerta com essas histórias paralelas, já que a segunda temporada de Hunters foca todos os seus episódios em uma caçada ficcionalizada e ultraviolenta à Hitler.

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Foto: Divulgação/A2 Filmes

Qual é a história de Meu Vizinho Adolf?

O longa se passa em 1960, no interior de um país não revelado da América do Sul. É lá que Mr. Polsky, um solitário e mal-humorado sobrevivente do Holocausto, vive cercado por tranquilidade, melancolia e uma plantação de rosas negras. Uma “paz” que acaba sendo destruída pela chegada de Mr. Herzog, um vizinho misterioso que ele acredita ser o próprio Adolf Hitler.

Como não é levado a sério pelas autoridades locais, ele inicia uma investigação independente para provar sua afirmação, sendo obrigado a construir um relacionamento com o inimigo para transformar teorias inconclusivas em provas irrefutáveis.

O que achamos de Meu Vizinho Adolf?

Durante esses anos atuando como crítico, eu aprendi que separar partes de um filme não é exatamente o melhor caminho. No entanto, acho impossível fazer qualquer reflexão sobre Meu Vizinho Adolf sem traçar uma separação mínima entre forma e conteúdo.

É óbvio que, na prática, as duas coisas andam juntas e coladas. Não tem como falar de um roteiro e suas construções temáticas sem olhar para a forma como o mesmo está sendo desenvolvido nas imagens. Ainda assim, acredito que vale fazer um exercício nesse caso específico.

O motivo: estamos falando de um filme que, querendo ou não, aborda o nazismo e as consequências do assassinato em massa de judeus eropeus. Temas pesados que passam por um peneira de simplificações para serem desenvolvidos a partir de um ponto de vista cômico.

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Foto: Divulgação/A2 Filmes

Eu não sou contra essa escolha, porém tenho como missão descrever minha experiência – dividida – com esse longa que fala sobre traumas carregados pelos judeus, flerta com a figura de Hitler e tece questionamentos sobre perdão e empatia. Um casamento entre forma e conteúdo que nem sempre funciona, apesar de David Hayman (Andor e O Menino do Pijama Listrado) transitar muito bem entre dramas, piadas e indagações éticas.

Inclusive, já vou adiantar que a atuação do ator britânico é, sem nenhuma dúvida, o ponto alto de Meu Vizinho Adolf. Ele deixa o ódio, o tédio, a tristeza e as pequenas alegrias da vida alcançarem o público através de pequenas nuances, transformando o ponto de vista inicialmente ranzinza do protagonista no elemento mais rico e poderoso da mise-en-scène.

O trabalho de Hayman, sua relação com a caricatura criada pelo sempre ótimo Udo Kier (o glorioso vilão de Bacurau) e o direcionamento dado pelo russo Leon Prudovsky são essenciais para o sucesso, mesmo que parcial, do longa como uma obra cômica. Afinal de contas, ele é responsável por transformar a jornada de Mr. Polski em uma comédia de costumes que o coloca no meio de uma busca hilária por pistas, flertando até mesmo com o subgênero da guerra entre vizinhos no decorrer da trama.

Confira também: Boogeyman: Seu Medo é Real – Crítica | Temendo a própria mente

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Foto: Divulgação/A2 Filmes

Mr. Polski e Mr. Herzog iniciam a produção como inimigos declarados, mas vão ganhando camadas mais curiosas e agridoces com o desenrolar da investigação. Pode parecer contraditório que os laços acabem se estreitando justamente quando as descobertas deveriam gerar rupturas, mas Prudovsky usa os clichês e o talento de seu elenco a seu favor quando se trata de criar uma relação palpável.

Existe algo ali – talvez essa honestidade, talvez o timing cômico incomum – que deixa o filme divertido, prende a atenção do espectador e arranca pelo menos alguns sorrisos. Apesar de possuir algumas cenas destoantes, é difícil negar duas coisas importantes: que o elenco se divertiu na hora de gravar as peripécias de seus personagens (e isso transparece na tela); e que Meu Vizinho Adolf consegue ser um longa eficiente dentro do gênero proposto.

Entretanto, na minha opinião, a sensação positiva só permanece inegável e irrefutável até chegarmos no terceiro ato. Um ponto onde o conteúdo volta ao primeiro plano, trazendo consigo diversos questionamentos sobre a tentativa de abordar temas pesados com uma leveza que infelizmente fica restrita ao papel.

É curioso como a necessidade de responder as dúvidas de Mr. Polski acerca da identidade do seu vizinho lança Meu Vizinho Adolf nessa montanha russa de emoções em que o absurdo e a melancolia se cruzam com um excesso de velocidade que beira o incômodo. Parece que o longa lida bem com sua pergunta central (no caso, “será que esse cara é Hitler?”) quando a mesma está no campo da imaginação, porém começa a se perder a partir do momento em que precisa amarrar as pontas e prestar contas.

Em alguns momentos, o longa sugere que pode se tornar um dilema ético sobre empatia sobre perdão; em outros, parece que vai se focar na relação pessoal entre os vizinhos, chegando perto de ignorar todo o panorama político apresentado até então. O resultado é confuso e não melhora com as mudanças aceleradas de estilo e de proposta citadas acima.

Mudanças de tom tão bruscas que, na busca ansiosa por respostas, acabaram me tirando do filme. Uma cena em particular, que acontece no banheiro, até arranca risadas no começo (o momento da sugestão), mas ultrapassa todos os limites do absurdo e alcança o constrangimento com poucos segundos. Ela vai sendo prorrogada e esticada até o mais otimista dos espectadores pedir arrego.

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Foto: Divulgação/A2 Filmes

E o pior é que, falando como alguém que estava gostando do filme, as transições perdidas atrapalham ainda mais a experiência. Elas nos levam do ápice do nonsense para uma cena “mais dramática”, em poucos segundos, sem preparação ou cerimônia.

A minha teoria é: os produtores confiaram que seria possível fazer uma comédia sobre o nazismo e realizaram as perguntas certas para dar o pontapé inicial na trama, porém não conseguiram tomar uma decisão sobre o conteúdo final. Algo que, na união do todo, também prejudica a forma, desencadeando justamente essa esquizofrenia de estilos.

Só que, como um problema nunca anda sozinho, outros fatores começam a ocupar a vizinhança. Os personagens, por exemplo, são bem desenvolvidos como peças cômicas, dotadas de estereótipos que possam se transformar em piadas, mas não funcionam da mesma forma quando Meu Vizinho Adolf precisa lidar com a curva dramática gerada por sua reviravolta.

Falta estofo quando se trata de mergulhar nos traumas do Marek, assim como falta dar a devida atenção para o que o Mr. Herzog estava sentindo. Consequentemente, existe uma resposta interessante para o mistério de Hitler, entretanto ela abre mais espaço para outros filmes (e quem sabe questionamentos históricos) do que dialoga de verdade com o passado, presente e futuro dos personagens que conhecemos.

Eu entendo que esse desenvolvimento, caso estivesse presente, levaria Meu Vizinho Adolf para caminhos que talvez não interessavam ao diretor. No entanto, a conclusão pede por essas camadas mais profundas, deixando um gostinho de quero mais em uma comédia que tinha potencial para ser bem mais do que uma vítima da tentativa de encarar o nazismo por lentes mais leves.

Só precisava entender que ser leve e cômico não é a mesma coisa que ser raso…


Meu Vizinho Adolf está em cartaz nos cinemas

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