Crítica: Atypical é definitamente a série mais fofa da Netflix

Existem algumas pérolas que acabam ficando perdidas em meio à tantas produções da Netflix cercadas pelas grandes campanhas de marketing. São daquelas joias raras com as quais você não esbarra sem querer e precisa procurar com algum afinco até descobrir seu valor. A primeira temporada de Atypical pode fazer parte dessa lista, se você considerar que eu sempre corri atrás dos produtos famosos antes de tudo, demorei algum tempo pra decidir vê-la, me apaixonei logo de cara e finalmente percebi, nessa semana, que estava ansioso para a continuação da história singela de um garoto autista e sua família cheia dos problemas.

E falando nisso, a segunda temporada começa muito perto de onde a primeira leva de episódios terminou, desenvolvendo as consequências da traição de Elsa Gardner para si mesma e toda sua família que antes vivia em torno de Sam. No entanto, isso acaba sendo apenas o ponto de partida para mais um conto sobre aceitação, superação e busca por seu lugar na sociedade. E, como já deve ter ficado claro, o próprio protagonista pode perder espaço para que os mais diversos passem por esses questionamentos.

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Entretanto, apesar da evolução presente nos dez episódios dessa segunda temporada levar Atypical para vários caminhos diferentes e até mesmo inesperados, a opção por usar a separação da família Gardner como pontapé inicial injeta uma carga dramática maior que o normal sem perder sua identidade e já ressalta, logo de cara, uma das coisas que mais me agradam na série: sua capacidade de misturar drama e comédia com muita segurança. Graças a direção sensível, intimista e quase didática (quando o foco recai sobre a doença de uma forma mais pura) que acompanha o programa, o resultado acaba sendo um programa leve e divertido que não tem medo de cutucar a ferida de uma maneira extremamente direta quando o objetivo é mexer com os sentimentos do espectador ou discutir temas mais difíceis como a sexualidade ou o preconceito com que as outras pessoas enxergam o autismo.

É um equilíbrio complexo que muitas obras tentam alcançar sem sucesso, principalmente quando o foco do humor acaba recaindo justamente sobre um protagonista que é portador de alguma doença. Dentro desse contexto, acaba sendo muito interessante ver a série acertar em cheio na hora de arrancar risadas através dos filtros peculiares com os quais Sam enxerga o mundo, dos problemas cotidianos de cada personagem e, principalmente, da relação cheia de química entre as pessoas que cercam o protagonista. Isso faz com que praticamente todos os momentos propostos pela série – sejam eles de drama ou comédia – soem tão naturais e verdadeiros que conquistam o espectador pela proximidade com a realidade.

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O roteiro coordenado por Robia Rashid (How I Met your Mother e The Goldbergs) acerta em cheio quando concentra seu foco na criação de uma relação emocional entre público e personagens, ganhando ainda mais pontos quando oferece boas histórias para praticamente todos que aparecem em tela. Isso significa que você vai se apaixonar e torcer pelo sucesso do protagonista em todas suas escolhas, mas também vai acompanhar com o mesmo interesse as novas descobertas que cercam Casey, sentir o peso do arrependimento de Elsa e compreender todo o sofrimento que motivam as escolhas de Doug. Em outras palavras, Atypical faz com que seja quase impossível não sentir empatia por pelo menos um dos membros da família Gardner e mergulhar na trama através desse ponto de vista, transformando até mesmo meros coadjuvantes em peças decisivas quando se trata de Evan (o namorado mais gente fina é compreensível da face da terra), Izzie (a amiga novata que cumpre seu papel, mesmo recebendo as subtramas mais apressadas da temporada) e Zahid (o alívio cômico que evolui de maneira crível para o melhor amigo que qualquer pessoa poderia ter).

E, por motivos mais do que óbvios, o funcionamento desse esquema depende de dois pontos que também constam com acertos de Atypical: a construção de personagens cheios de camadas e e escolha certeira do elenco. A traição de Elsa, por exemplo, não é minimizada, mas também não a transforma automaticamente em uma vilã, oferecendo assim possibilidades dramáticas que Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados) abraça e aproveita com perfeição. É delicioso acompanhar os desenvolvimentos dela, porém acaba sendo melhor ainda perceber que a mesma força e credibilidade acompanham os trabalhos sinceros dos sempre ótimos Keir Gilchrist (Room 104), Brigette Lundy-Paine (Pequena Grande Vida) e Michael Rapaport (Do Fundo do Mar).

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E a melhor parte é ver como a união de todos esses elementos conseguiu ser mais fluída do que aquela apresentada no primeiro ano da série, culminando então em uma temporada mais madura que, entre outras coisas, não teve medo de começar sua temporada com as tramas mais densas e desenrolar todo o resto a partir daí. Nessa onda, Atypical constrói um contexto onde o espectador, querendo ou não, se vê acompanhando as histórias com muito prazer, torcendo pelas vitórias individuais de cada personagem e derramando eventuais lágrimas quando a família se reúne no aquário ou percebe que todos os obstáculos podem ser superados em uma cena de discurso que exemplifica o tom fofo, tocante e divertido da série. Uma pérola maravilhosa que definitivamente não merece ficar escondida o seu catálogo da Netflix!


OBS 1: O final clama por, pelo menos, mais um temporada, então já estou na torcida pela renovação desde já. Ouviu, Netflix?

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