Três Mulheres: Uma Esperança | Relações complexas em meio à destruição

Três Mulheres: Uma Esperança
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Baseado em fatos reais, Três Mulheres: Uma Esperança é uma história de sororidade e empatia que explora a complexidade dos relacionamentos, mas falha na tentativa de mostrar todos os lados de uma guerra


Eu já falei em mais de um texto sobre o quanto gosto de filmes que apresentam fatos históricos pouco conhecidos do grande público. São pontos de vista diferentes, missões pouco heroicas que se perderam no tempo ou histórias protagonizadas por personagens marginalizados que nunca chegaram nem perto de um livro didático.

A Segunda Guerra Mundial tem vários exemplos de cada uma dessas tramas, mas as chances de vermos isso em uma tela de cinema aumentam exponencialmente quando nos afastamos do eixo hollywoodiano. É o caso de Três Mulheres: Uma Esperança (Lost Transport), um drama holandês que recorre a um fato pouco conhecido para explorar outros ângulos da guerra. 

Qual é a história de Três Mulheres: Uma Esperança?

Ao perceber que a 2ª Guerra Mundial está chegando ao fim e que o campo de concentração de Bergen-Belsen está prestes a ser liberto pelas tropas britânicas, os nazistas decidem colocar um seleto grupo de prisioneiros em trens de deportação

Três trens partem, levando centenas de judeus considerados de alto valor pelos nazistas, pois podem ser trocados por prisioneiros de guerra ou dinheiro. Eles são chamados de Austauschjuden, que significa literalmente “judeus de troca”. 

Três Mulheres: Uma Esperança
Foto: Divulgação / A2 Filmes

O primeiro trem é libertado pelos americanos próximo a Magdeburg. O segundo trem chega em Theresienstadt, um gueto que seria libertado pelos russos um mês depois. Já o último trem, levando 2400 prisioneiros, acaba parando próximo ao vilarejo de Tröbitz, quando os soldados alemães abandonam o trem após cruzar com as tropas russas. 

O resultado dessa parada é um encontro “casual” entre três mulheres forçadas a reunir seus recursos para sobreviver: a desconfiada garota alemã Winnie, a corajosa judia holandesa Simone e a destemida atiradora russa Vera. 

O que achamos de Três Mulheres: Uma Esperança?

O título em inglês faz uma boa referência ao fato histórico, enquanto a versão brasileira escolhe se conectar mais ao tema. Não gosto da formatação escolhida, mas, levando para o lado racional, funciona como uma preparação para a história sobre união e sororidade desenvolvida pela diretora e roteirista Saskia Diesing (Nena).

E, de fato, o foco da diretora está quase sempre voltado para as possibilidades de conexão entre seres humanos. Não é à toa que a própria reconstrução da guerra fica em segundo plano, substituindo os planos abertos bem construídos por ambientes fechados que parecem ter sido construídos com um único objetivo: forçar o relacionamento entre três protagonistas completamente diferentes. 

Três Mulheres: Uma Esperança
Foto: Divulgação / A2 Filmes

O filme tenta dar alguma tridimensionalidade às relações, permitindo que todos os acontecimentos sejam transpassados por uma complexidade muito humana, natural e honesta. O bem e o mal coexistem nesse mundo onde ninguém tem o privilégio de ser uma coisa só e Diesing explora com eficiência as diferentes camadas que compõem soldados, prisioneiros e cidadãos da vila por meio das protagonistas.

As atuações sutis de Hanna van Vliet (A Small Light), Eugénie Anselin (O Capitão) e Anna Bachmann (Tatort) também ajudam a construir essas camadas, possibilitando que a empatia e a sororidade também ganhem forma com a mesma naturalidade. O momento do corte de cabelo, por exemplo, me fisgou, apesar de se tornar – sem nenhuma vergonha – uma daquelas sequências que beira a apelação e usa todos os artifícios à disposição para emocionar o espectador.

Ainda assim, é uma cena que dialoga bem com aquela que, na minha opinião, é a mensagem central do filme: a luta para encontrar formas de viver relativamente bem em um mundo destruído. Algo que também podemos estender para a convivência, já que a vida em tempos de guerra pode depender justamente dessa conexão, muitas vezes inesperada, com alguém que está do outro lado da linha. 

As três protagonistas não se gostam (por motivos mais do que óbvios), porém não possuem outra opção a não ser forjar uma união que as permita enfrentar a próxima batalha. O que não significa necessariamente mudar os sentimentos ou passar, de uma hora pra outra, a gostar do “inimigo”. 

Três Mulheres: Uma Esperança
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Ao contrário do que acontece em Meu Vizinho Adolf, Três Mulheres: Uma Esperança não minimiza ou suprime a dor em prol dos relacionamentos em cena. Muito pelo contrário, visto que os traumas são latentes e permanecem na mise-en-scène, separando aquelas mulheres até mesmo nos momentos de maior união.

Existe um afastamento dramático gerado por suas vivências, crenças e pontos de vista, uma espécie de bolha que ocupa o espaço entre elas, deixando claro que a conexão formada ali não só possui um aspecto trágico, como tende a ser passageira. Esse aspecto é um dos que a diretora trabalha bem até certo ponto

Digo isso porque, na tentativa de nos fazer simpatizar com todos os pontos de vista, o longa acaba não alcançando nenhum objetivo em plenitude. Em outras palavras: a trama sofre com a falta de foco, principalmente quando alguns dos acontecimentos mais drásticos acontecem de supetão, na correria, impedindo que o público tenha tempo de pensar, sofrer ou se importar de verdade.

Fica claro que Saskia Diesing quer explorar um pouquinho do que vivem judeus, russos e alemães, mas, por melhores que sejam suas intenções, o resultado é um desenrolar picotado que influencia bastante no desenvolvimento individual de cada protagonista. As camadas tridimensionais que elogiei alguns parágrafos acima sofrem para aparecer, porque estamos acompanhando tramas individuais, separadas em caixinhas e reveladas por meio de doses homeopáticas. 

Três Mulheres: Uma Esperança
Foto: Divulgação / A2 Filmes

Uma situação que consegue ser anulada justamente quando elas saem dos mundinhos particulares para encararem a troca de experiências, juntas em cena. São nesses momentos que a diretora cruza as histórias e coloca elas no mesmo palco, injetando calor na encenação e dialogando de maneira frontal com a esperança que está no título e no horizonte pós-guerra. 

Não é suficiente para salvar Três Mulheres: Uma Esperança de ser um retrato mediano da vida de judeus, russos e alemães em meio à desolação, mas entrega momentos de sororidade que ao menos aquecem o coração. 


Três Mulheres: Uma Esperança está em cartaz nos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Salvador, Brasília, Alagoas e Vitória.

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