Terror canadense que viralizou na internet, Skinamarink: Canção de Ninar dá vida aos pesadelos por meio de relances desconfortáveis
Skinamarink é um fenômeno indiscutível. Afinal, estamos diante de uma produção independente de 15 mil dólares que saiu dos programas de financiamento coletivo para os virais do Tik Tok graças a um vazamento que, em muitos casos, destruiria a vida útil da obra e arrasaria com o início de carreira de praticamente todos os diretores.
Mas não Kyle Edward Ball, um jovem que iniciou sua carreira em um canal do Youtube onde criava curtas a partir de pesadelos compartilhados por seus usuários. Ele viu seu pequeno longa se espalhar pelo mundo e conquistar – no sentido mais aguerrido da palavra – seu lugar nos cinemas americanos. O sucesso foi tanto que distribuidoras de outros países, incluindo o Brasil, correram atrás de um lançamento nas telonas.
E vale a pena ressaltar o peso do termo conquistar nesse caso, porque Skinamarink: Canção de Ninar é um terror experimental que tinha tudo para ser rechaçado por essa geração acostumada a jumpscares gratuitos que servem como pretexto para abraçar o crush no cinema.
Mas, por uma decisão do destino, não foi isso que aconteceu. O filme acabou sendo abraçado de tal forma que ressignificou a palavra que dá nome ao projeto (termo folclórico que já ganhou uma versão brasileira com a Xuxa) e incentivou até mesmo a criação de um novo tipo de terror. Um movimento que, convenhamos, pode ser mais assustador do que o próprio longa…
Qual é a história de Skinamarink: Canção de Ninar?
Após um acidente bizarro, uma menina de seis anos e seu irmão de quatro anos descobrem que todas as portas e janelas dentro de sua casa desapareceram. Todos os telefones estão mudos e o cabo também. O pai deles também está desaparecido.
Para lidar com essa situação estranha, os dois trazem travesseiros e cobertores para a sala e se acomodam em uma festa do pijama regrada a antigas fitas de vídeo de desenhos animados que preenchem o silêncio da casa e os distraem da solidão assustadora que ocupa cada canto do imóvel.
Durante todo esse tempo, eles mantêm a esperança de que eventualmente os adultos virão resgatá-los. Porém, depois de uma noite dormindo na casa lacrada, coisas estranhas começam a acontecer. Brinquedos desaparecem, sons estranhos emanam do andar de cima, luzes se apagam sozinhas, deixando claro que algo está “cuidando” deles.
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O que achamos de Skinamarink: Canção de Ninar?
Skinamarink é um filme recheado de boas intenções que, na maioria das vezes, são executadas de forma interessante por Kyle Edward Ball. Começando pela maneira como ele mistura referências temporais para criar esse universo particular onde imagens granuladas e ângulos incomuns deixam a história com um ar ainda mais proibitivo.
No entanto, é injustamente dizer apenas que Skinamarink é composto por enquadramentos inusitados. O que Ball faz aqui é um cinema de relances que, apesar de não ser um found footage propriamente dito, se apropria de algumas proposições comuns ao subgênero para construir sua mise en scene minimalista e ultra sensorial.
Em outras palavras, ele aposta praticamente todas as suas fichas no que acontece fora de campo e no poder das sensações que surgiriam a partir de todas essas coisas que não conseguimos enxergar. Mas eleva isso à potência máxima, já que não sabemos sequer como é a fisionomia dos protagonistas.
Tanto as crianças, quanto o suposto monstro que as persegue, não passam de vultos e vozes que se misturam aos cenários, desenhos animados da década de 50 e sons do cotidiano. Uma decisão que, além do experimentalismo e da sensação de proibição, dá vida a um medo muito real e comum: não conseguir enxergar o que está te fazendo mal?
O ser humano é uma espécie extremamente visual, logo não podemos negar o impacto gerado pela simples ausência desse sentido em sua forma natural. Inclusive, acredito que esse fator ajuda a explicar muitas das sensações inesperadas que o público sentiu durante as sessões caseiras de Skinamarink.
Afinal, não se trata apenas de usar escuro. Estamos falando de enquadramentos fechados e de uma câmera que, em muitas sequências, permanece apontada para as quinas de um cômodo por vários minutos. É diferente na mesma proporção que é estranho, desconfortável, sugestivo e imagético.
Todavia, sou contratualmente obrigado a ser sincero sobre a minha experiência e dizer que quase todas virtudes de Skinamarink podem trabalhar contra elas. Principalmente quando o assunto é conexão.
Como não tenho uma relação tão forte com o medo do abandono, fiquei buscando, durante boa parte do longa, por uma ligação emocional com os personagens, que é praticamente inexistente. Ainda que a presença de crianças ingênuas e indefesas tenha importância nessa equação, é necessário dizer que algumas escolhas do diretor – do ritmo lento ao uso do contracampo – são responsáveis por incentivar esse “afastamento”.
Assim como aconteceu comigo, isso pode incomodar uma parcela do público que decidir assistir Skinamarink. Porém, curiosamente, não é um desconforto constante.
O fato de Ball possuir timing, domínio do gênero e uma crença inabalável no poder da imagem ajuda a reverter o cenário, colocando a forma em um lugar mais importante do que o conteúdo. Sei que soa contraditório, mas, por incrível que pareça, a ausência de humanidade, os planos que parecem estar sempre escondendo alguma coisa e o som cheio de texturas contribui (e muito) com a construção dessa tensão que sufoca e incomoda positivamente o espectador.
Talvez não gere o medo que muitas pessoas esperam, mas nunca deixa de ser movido pelo incômodo de estarmos vendo um pesadelo ganhar forma sem poder fazer nada. Nós sabemos que o mal está ali, rondando cada relance de imagem, mas somos obrigados a permanecer escondidos, sendo atiçados de forma gradativa por um diretor que acredita no potencial de experimentação do gênero e, já em seu primeiro filme, demonstra ter talento para extrair o essencial do terror.