Estrelado por Dira Paes, Pureza cerca um poderoso estudo de personagem com escolhas genéricas e corridas
A migração para as cidades diminuiu muito com o processo de globalização dos campos, mas, ainda assim, todo ano milhares de jovens saem de suas casas em busca de uma oportunidade que possa mudar sua vida. Muitos desses tentam a sorte em garimpos ou em grandes fazendas alimentadas por regimes de trabalho análogos à escravidão.
Não é à toa que, somente em 2018, a Walk Free Foundation estimou que 369 mil pessoas foram submetidas a escravidão ou algo muito parecido no interior do Brasil. Inclusive, a mesma fonte chama esse regimes de escravidão moderna, já que tais trabalhadores são mantidos em cárcere por conta de dividas, e não de grilhões e algemas.
Em Pureza, Abel se torna uma dessas pessoas após viajar, esperançoso, para o garimpo de um conhecido. Quando ele não chega ao destino final, sua mãe – que dá nome ao filme – parte em uma jornada dolorosa que a levará justamente até essas fazendas marcadas pela escravidão.
No entanto, vale destacar que, durante um bom tempo, a busca por Abel (e até mesmo as fazendas) são usadas apenas como o primeiro ponto de partida. É um cenário que o filme usa para fazer um estudo de personagem sobre essa mulher que nasceu pra ser mãe. Uma mulher forte que transborda instinto materno, cobrindo com seu manto qualquer pessoa desamparada que cruza sua estrada.


Foto: Divulgação
E esse amor de mãe é o combustível de um filme que, sob essa ótica, funciona muito bem. As escolhas estéticas de Renato Barbieri (Servidão) constroem uma personagem forte que daria a vida até mesmo por um desconhecido, tirando o máximo de proveito da figura ora entristecida, ora decidida de Dira Paes (Dois Filhos de Francisco).
Só que esse é o terceiro filme sobre buscas maternais ou paternais que eu assisto em menos de dois meses, e aí acaba sendo impossível não comparar, mesmo que inconscientemente, todos eles. E, dentro desse grupo composto por Pai e Pari, Pureza é de longe o exemplar menos emocionante.
Mas essa percepção fez com que eu tirasse um tempo pra refletir sobre o que afastou o longa de mim. E, nessa busca, eu pensei muito na construção e no desenvolvimento dos ambientes que cercam Pureza (a personagem, não o filme), afinal ela não era um problema.
Digo isso porque é muito fácil mergulhar no interior dessa protagonista, se emocionar com alguns paralelos visuais impactantes e sentir as dores ou alegrias dela, mas falta alguma coisa quando o filme deixa de ser um estudo de personagem para se tornar uma denúncia.


Foto: Divulgação
O coadjuvantes (sobretudo os vilões) são maniqueístas ou forçados demais, as escolhas visuais são genéricas e as passagens são muito corridas. Pureza pula de um ponto para outro quase como se tivesse a obrigação protocolar de passar por certos acontecimentos, sem ligar que a consequência pudesse ser uma cena vazia.
Isso tira muita força desse ambiente político e sociocultural que cerca a protagonista, prejudicando um filme que depende, claramente, da relação emocional que ela tem com a Amazônia, com os trabalhadores ou com o próprio filho. E conexão maternal ganha atenção dentro da narrativa, mas nunca transborda pra tela. Nunca cria uma conexão verdadeira com o espectador.
Pureza precisa que Dira Paes faça essa ponte. Ela cumpre a missão durante um bom tempo, carregando tudo nas costas, porém chega uma hora que todo o impacto se esvazia e fica claro que tanto Pureza (uma mulher foda que realmente desmontou a operação daquela fazenda sozinha), quanto a situação dos trabalhadores escravizados mereciam um filme melhor.
Pureza foi conferido no festival de vitória
Ver essa foto no Instagram
Comments