E essa tal irresponsabilidade de 13 Reasons Why…

 

É fácil afirmar que 13 Reasons Why é um dos maiores sucessos da Netflix. Apesar do serviço de streaming não revelar dados de audiência, esse fato pode ser comprovado pela forma (surpreendente, diga-se de passagem) como a série tomou as redes sociais desde o seu lançamento. As opiniões começaram a ficar bem divididas nos últimos dias e vários comentários negativos pipocaram na mídia, levantando a bandeira de uma série irresponsável e demonizando por completo a produção.

 

Minha primeira reação foi defender o ponto de vista apresentado pela série, mas, antes de escrever qualquer coisa, eu decidi conversar com profissionais de diversas áreas e fazer uma pesquisa mais aprofundada. Assim como quase tudo na vida, o suicídio e o contexto desenvolvido pela série na abordagem do tema merecem ser analisados por diversos ângulos. A própria Organização Mundial da Saúde abre espaço para essa discussão multilateral quando cita, em sua cartilha sobre a cobertura midiática do tema, que existem:

 

“alguns tipos de cobertura, que aumentam o comportamento suicida em populações vulneráveis. Por outro lado, alguns tipos de cobertura podem ajudar a prevenir a imitação do comportamento suicida. Ainda assim, há sempre a possibilidade de que a publicidade sobre suicídios possa fazer com que a ideia pareça ‘normal’.”

 

Dentro disso, vale buscar diversas fontes de informação e refletir um pouco mais antes de simplesmente atacar um programa que, entre erros e acertos, pode ser tanto positivo quanto negativo. A própria cartilha citada (e usada por boa parte dos textos que defendem a suposta irresponsabilidade) aborda os cuidados necessários para noticiar um caso de suicídio, deixando claro que os estudos sobre o impacto dos programas de ficção são conflitantes: “alguns não mostraram nenhum efeito, outros mostraram um aumento no comportamento suicida”.

 

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Nesse cenário, uma “demonização” que não leva em conta outros fatores decisivos pode seguir o perigoso caminho das tentativas de proibir jogos violentos após ataques com armas de fogo nos EUA. Esses produtos podem até fazer parte de certas decisões erradas, no entanto não devem ser analisados como um motivo único. Uma decisão extrema como essa sempre estará cercada por diversos fatores, como, por exemplo, depressão, problemas familiares ou abuso de drogas. O mesmo pode ser dito sobre 13 Reasons Why.

 

Quando procurado pela nossa redação, o psicólogo Fabiano Luchi Dala Bernardina afirmou que “a forma como alguns fatos são expostos podem dar asas para pessoas que não possuam um certo equilíbrio para lidar com situações adversas”. Da mesma forma, a pesquisadora Luciana Zobel Lapa recomendou, em matéria produzida pelo Pequenas Empresas & Grandes Negócios, que a série não seja vista por adolescentes que ainda não entraram no ensino médio. Levando em conta que a produção possui a classificação indicativa de 16 anos, a responsabilidade pode ser direcionada em parte para os pais e responsáveis em uma outra discussão – ainda mais complexa -, que a própria série acaba inserindo na sua narrativa.

 

Ao mesmo tempo, o psicólogo entende como positiva a forma como a série aborda certos questionamentos comuns do período de transição entre adolescência e mundo adulto, como a sexualidade e o relacionamento familiar. Ele critica a falta de profundidade em alguns temas (como a automedicação proposta pela mãe de Clay) e a ausência de uma contraparte que oferecesse soluções positivas para os alunos, porém acredita que o programa pode ajudar jovens e familiares a compreenderem a necessidade de um diálogo bem conduzido como prevenção do suicídio. Na série, além de Hannah, o personagem Alex também acaba sendo vítima dessa falta de conversas honestas com seu pai.

 

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O aumento substancial de pedidos de ajuda direcionados ao Centro de Valorização da Vida (CVV) mostra que o show atingiu – no mínimo – uma parte dessa proposta, que, segundo os próprios produtores, seria apresentar a realidade com o objetivo de alertar a população. A série (e o mini-documentário produzido em conjunto) pode servir como um guia para muitas pessoas não reconhecem o que estão passando, acham que todos os pensamentos sobre tirar a própria vida são besteiras ou então não sabem onde/como procurar ajuda de verdade. Eu tive contato com mais de uma pessoa que mudou a sua opinião sobre o suicídio após assistir a série. Mas nós ainda vamos falar mais sobre isso…


 

“É necessário verificar caso por caso. Será que todos estavam prestes a se matar? Talvez haja nesse bolo quem só tenha pensado na própria morte após uma maratona no fim de semana.” – Marcos Candido, Revista Trip.

 

Ao sugerir que 13 Reasons Why pode levar qualquer pessoa ao suicídio como na citação acima, o autor do artigo está ignorando, na cara dura, todos os outros fatores que envolvem essa atitude extrema. Está ignorando a ausência de diálogos em casa, os diversos temas abordados no decorrer da série e, principalmente, o tempo que se leva para uma pessoa com comportamento suicida chegar as vias de fato. Tanto o manual da OMS quanto o psicólogo consultado deixam claro que o suicídio não acontece de uma hora pra outra.

 

Além disso, certas linhas de raciocínio também deixam de lado vários aspectos importantes que compõe o mesmo manual da OMS. O primeiro deles é a separação (já citada) feita entre os efeitos de uma notícia sobre suicídio e de uma obra de ficção. Por mais que ambas coexistam em um mesmo ambiente midiático e a história de Hannah reflita inúmeros questionamentos reais, as propostas e as pesquisas sobre os efeitos passam sim por parâmetros diferentes entre si. Com seus devidos pesos e medidas, sugerir que todo mundo está suscetível dessa forma a histórias fictícias pode abrir precedente pra outras pessoas defenderem que alguém pode decidir ser homossexual por assistir um beijo gay na novela das oito.

 

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Para colocar mais lenha nessa discussão, o manual (que pode ser conferido completo aqui) ainda esclarece que “o relato de suicídios de uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas trágicas de vidas“. Não posso negar que a leitura completa desse documento mostrou que a série realmente quebra várias das normas quando informa detalhes específicos da morte ou atribui culpa (a pior delas), porém também apresenta os “indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida” e tantos outros aspectos que podem sim ajudar na prevenção do suicídio.

 

Em outras palavras, a série erra tanto quanto acerta na hora de retratar alguns dos temas centrais e merece ser discutida sobre os mais diversos ângulos, principalmente quando se trata da tão discutida cena do suicídio propriamente dito. Os produtores e o escritor do livro defenderam a construção da cena da forma mais realista possível. Segundo Brian Yorkey, esse seria o caminho para não romantizar o ato e mostrar “que não há nada que faça o suicídio valer à pena“.

 

De fato, a ausência de trilha sonora ou close-ups permite que a cena reflita uma morte solitária, silenciosa e dolorosa. Nada ali sugere qualquer ligação a sentimentos valiosos (como o amor vivido por Romeu e Julieta), nem mostra uma personagem aliviada por “se livrar dos seus problemas”. E, na minha opinião, a chegada ainda mais dolorosa dos pais na sequência seguinte destrói completamente esse possibilidade, mostrando o sofrimento e a confusão dos dois de forma extremamente verdadeira. Voltando aos tais relatos que eu tive contato, um deles ressaltou que não tinha imaginado a dor que causaria aos seus parentes após consumar o suicídio.

 

Ao mesmo tempo, é possível notar uma certa ingenuidade nas acusações de que a sequência em questão apresenta um manual sobre como cortar os pulsos. Infelizmente suicídios são consumados há muito tempo de inúmeras formas diferentes e adolescentes com os pulsos cortados (independente dos motivos) já eram encontrados bem antes da estréia da série. Afinal, convenhamos que uma simples pesquisa no Google já revela o tal passo a passo sem a necessidade de acompanhar treze horas de série.

 

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Inclusive, Fabiano Dala Bernardina expressou – em um plot twist inesperado – uma preocupação muito maior com as chances do espectador imitar as atitude de Clay do que o de Hannah. Ele é um menino introspectivo, que evita o diálogos com os pais e decide “fazer justiça” com as próprias mãos para satisfazer seu ego, mesmo que isso o machuque fisica e psicologicamente. Segundo o psicólogo, o suicídio depende de diversos fatores para acontecer enquanto o possível reconhecimento por “boas atitudes” pode encher os olhos de adolescentes com uma personalidade similar a do garoto.

 

No final das contas, a conclusão mais justa (e a que eu queria chegar) é que 13 Reasons Why é uma série que merece ser analisada por diversos pontos de vista antes de ser declarada culpada por irresponsabilidade. Concordo plenamente que 13 Reasons Why pode ser muito prejudicial para pessoas emocionalmente fragilizadas, entretanto isso não significa necessariamente que a série vai induzir o suicídio coletivo por causa de suas cenas gráficas. Alguns cuidados realmente deveriam ter sido tomados, mas isso também não pode significar nenhum tipo de censura ou boicote a uma série que se também se revelou importante para muitas pessoas. Nem tudo precisa estar na mesma caixinha e reagir da mesma forma aos estímulos externos.

 

Quero passar longe de defender a série ou convencer alguém de que a opinião desse texto é a correta, mas achei importante (e necessário) pesquisar mais sobre o assunto, conversar com outras pessoas e, acima de tudo, tentar fazer o papel de Henry Fonda em Doze Homens e uma Sentença, evitando uma condenação precoce e talvez injusta. As discussões sobre todo esses contextos precisam ser menos maniqueístas, afinal de contas o mundo não é simplesmente preto no branco e a vida real não é recheada de relações de “causa e consequência” que se encaixam perfeitamente em uma estrutura de roteiro.

 


OBS 1: Muito obrigado ao Fabiano, ao Yuri Vianna e a todos os outros que participaram – direta ou indiretamente – da construção desse texto.

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