Uma série de contos necessários para a nossa vida
Assim como muitas pessoas, eu saí completamente atordoado e reflexivo da sessão de A Chegada por vários motivos: a direção de Denis Villeneuve, a montagem belíssima, a atuação da injustiçada Amy Adams e, logicamente, a complexidade dos temas que recheiam a adaptação de um dos contos do premiado Ted Chiang. Isso me fez esperar ansiosamente pela coletânea dos textos do autor que seria lançada pela Intrínseca.
Comprei o livro no estande da própria produtora na CCXP e demorei algum tempo para ler, mas adianto que a espera valeu muito a pena. História da sua vida e outros contos já entrou na lista dos meus livros favoritos de todos os tempos e eu separei os motivos que explicam tal façanha.
Começa bem e só melhora
Em primeiro lugar, eu preciso elogiar a forma como os editores organizaram os contos. O livro começa com o premiado “Torre da Babilônia” (que iniciou a carreira de Ted Chiang) e só vai melhorando a cada história. Não quero falar muito sobre cada uma delas para não dar spoilers, mas é uma pancada atrás da outra. Quando você acha que entendeu a pegada do autor e sabe o que vai vir na próxima história, ele te surpreende, cria reflexões completamente diferentes e prende toda a sua atenção de uma vez.
Além disso, todos os contos seguem uma pegada bem Black Mirror: são inteligentes, cativantes, independentes entre si e excelentes de qualquer forma. Independente da ordem de leitura recomendável, eu garanto que pelo menos uma das histórias vai acabar chamando sua atenção ou mexendo com suas perspectivas de vida.
Tamanho não é documento
Ted Chiang acredita que histórias muito longas acabam perdendo o leitor, por isso seus contos não passam de aproximadamente 70 páginas e nem precisam de mais do que isso para alcançar seus objetivos. É uma escrita que já prende qum está lendo nas primeiras páginas e se desenvolve de uma forma muito direta, permitindo que o leitor gaste mais tempo na reflexão do que na leitura.
E eu posso adiantar sem entregar muita coisa que um dos contos tem apenas três páginas, que são suficientes para justificar o estilo adotado e contar uma ótima história. Não a melhor das oito escolhidas, mas uma ótima história ainda assim.
Mutações são permitidas!
Assim como acontece na já citada Black Mirror, cada um dos contos reunidos nessa edição possui um estilo completamente diferente que se adequam as respectivas narrativas. A escrita assume outras personalidades, os diálogos são expostos de formas distintas e o leitor acaba sendo surpreendido não só pelas tramas em si. Só pra exemplificar: um dos contos simula um editorial de revista científica, enquanto um outro recria basicamente um documentário para apresentar todos os ângulos de uma discussão.
É ciência pura, profunda e hardcore
Ted Chiang segue a risca tudo o que os fãs de ficção científica mais gostam, começando por aquela típica ideia de olhar para o futuro (ou para universos diferentes) com objetivo de estudar a nossa sociedade. Isso cria discussões profundas que o autor faz questão de apoiar em conceitos científicos. Isso pode até exigir um nível de concentração maior do leitor, mas também cria uma base muito rica para o florescimento dessas discussões. Se prepare para esbarrar em uma boa dose de linguagem matemática, preceitos religiosos e até diagramas sobre o Princípio de Fermat.
Necessário, somente necessário!
Para concluir, preciso deixar claro – sem mais delongas – que os temas discutidos por Ted Chiang nesses oito contos fazem com que eles se tornem leitura obrigatória para muita gente. É uma chuva de ideias que mexem com a nossa forma de pensar a matemática, a vida, o preconceito, o amor e até a religião em toda sua plenitude, enquanto surpreendem (não canso de repetir isso) e emocionam o leitor em alguns casos.
O último e, na minha opinião, mais impressionante conto do livro consegue criar uma série de tecnologias novas e levantar questionamentos sobre preconceitos criados a partir da beleza, sexo, publicidade e manipulação midiática sem empurrar uma opinião na goela do leitor. Pontos de vista positivos e negativos são apresentados, no entanto todas as conclusões passam pela forma como o homem usa essas inovações. É bem Black Mirror e muito necessário para nossa sociedade, então só posso falar uma coisa: leiam!