Foi Apenas Um Acidente, dirigido por Jafar Panahi, estreou na competição do festival de Cannes, onde foi coroado como o grande vencedor, levando a Palma de Ouro. O filme foi escolhido como representante da França no Oscar 2026, e é um dos principais rivais do Brasil na corrida de melhor filme internacional.
A história de “Foi Apenas Um Acidente”
Um ex prisioneiro político do Irã acredita reconhecer seu ex torturador, pelo barulho de sua perna de madeira. Para ter certeza de que capturou o homem correto, decide pedir ajuda a um grupo de pessoas que também foram suas vítimas.

O que achamos do filme
De início, um longo prólogo leva o público a acreditar que a trama girará em torno de uma família que acidentalmente atropela um cachorrinho na estrada e precisa parar em uma oficina para reparar seu carro. A partir daí, um dos mecânicos, Vahid, se revela como sendo o verdadeiro protagonista dessa história ao reconhecer no patriarca, o som
da perna de madeira de seu ex-torturador. Ele, então, decide sequestrá-lo e dar fim a sua vida, porém acaba ficando na dúvida se aquele homem é realmente seu algoz.
O filme começa leve enquanto acompanha a família na estrada, não obstante, paira no ar uma tensão aparentemente sem motivos, como se soubéssemos que algo vai dar errado, sem que os personagens tenham se dado conta disso ainda. Quando o acidente acontece, o público é levado a crer que essa seria a virada de chave, no entanto, a verdadeira virada só se concretiza mais adiante, com o rapto do pai.
O tom de leveza é prontamente substituído por uma tensão cômica advinda da incerteza em torno da identidade do homem capturado. O grupo de ex prisioneiros reunidos por Vahid não conseguem chegar a nenhum consenso sobre aquele ser ou não o torturador que lhes infligiu tamanha dor, tampouco quanto ao destino que deve ser dado a ele, seja ele quem for.
O filme se descamba para uma comédia de erros, enquanto eles carregam o homem desacordado e amordaçado em um baú numa van, as situações vão ficando gradualmente mais absurdas e quanto mais tentam sair delas, mais esbarram em novos problemas, até se afundarem de vez em confusões impensáveis. O humor vem sempre
acompanhado de muita tensão, Panahi sabe como extrair um riso desse disparate, sem perder o tom de denúncia da obra.

Até mesmo quando os personagens verbalizam suas dores e traumas, o filme não cai na verborragia didática que tenderia a se tornar panfletária nas mãos de um realizador menos competente. Não só por guardar relações pessoais com experiências reais vividas por Panahi, mas também por ser ele um diretor que sabe se utilizar disso dentro de um
filme. Os relatos chegam no espectador com a força de um soco, como se nós também estivéssemos sendo golpeados.
Quando chega no seu clímax, já não existe mais leveza e a brutalidade é sentida à flor da pele. Um close nos aprisiona dentro daquele plano, não é possível olhar para os lados, fingir que não está vendo. Somos forçados a confrontar aquelas verdades, assim como o personagem amarrado naquela árvore, que nada pode fazer além de escutar.
O filme não está interessado em oferecer respostas prontas e mastigadas e se consagra com um final de arrepiar a espinha. Os sons dos traumas seguem ecoando eternamente. Não é possível calar a memória, algumas feridas permanecerão para sempre, sem cura.
Foi Apenas Um Acidente foi visto na 49ª Mostra de São Paulo, que ocorreu entre os dias 16 a 30 de outubro de 2025.

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