Estou Pensando em Acabar com Tudo | Uma jornada melancólica através do ser humano

Estou Pensando em Acabar com Tudo
Im Thinking Of Ending Things. David Thewlis as Father, Jessie Buckley as Young Woman, Toni Collette as Mother, Jesse Plemons as Jake in Im Thinking Of Ending Things. Cr. Mary Cybulski/NETFLIX © 2020

Estou Pensando em Acabar com Tudo foge de quase todos os padrões e expectativas pra fazer uma viagem nada confortável pela mente humana


Quero Ser John Malkovich. Adaptação. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Sinédoque, Nova York. Anomalisa… A carreira de Charlie Kaufman como roteirista e diretor sempre esteve ligada às mais diversas condições da psique humana. Com sua pegada metafórica e pouco direta, essa é a área de estudo que parece ocupar os seus desejos autorais.

Logo, não é tão surpreendente notar que Estou Pensando em Acabar com Tudo, assim como os outros filmes citados, tenha como objetivo principal construir uma jornada imersiva, poética e extremamente interpretativa sobre a mente, a humanidade e a sociedade.

Por conta disso, querendo ou não, minha crítica vai girar em torno de uma interpretação muito particular do longa.

É verdade que, de certa forma, toda crítica possui essa mesma abordagem, porém achei necessário pontuar isso dessa vez pra avisar que talvez seja melhor ver o filme antes de completar a leitura. Não vou dar spoilers ou qualquer coisa do tipo, mas vou fazer uma interpretação que pode influenciar sua experiência.

Eu me sentiria culpado se destruísse a pluralidade do filme com o meu ponto de vista, por isso preferi avisar que entendo sua desistência. Entendo se você não quiser ficar nesse trem que te leva adiante sem desvios ou viagens paralelas. Entendo se você quiser mergulhar em Estou Pensando em Acabar com Tudo sem ideias pré-concebidas.

Eu até recomendo isso. Tanto que estou te dando esse tempo pra pensar…

Estou Pensando em Acabar com Tudo

E, caso esteja com medo, não se preocupe. Nesse mundo imaginário que acabamos de criar, você não morre quando pula de um trem em movimento. Pode saltar na hora que quiser.

Decisão tomada?

Pois bem… Se você continuou até aqui, então está preparado para me ouvir dizer que Estou Pensando em Acabar com Tudo não é um filme fácil. É uma obra existencialista que se desenvolve no seu próprio tempo, conduzindo o espectador por uma jornada melancólica e desconfortável através de pensamentos filosóficos e exercícios metalinguísticos que dialogam com a nossa mente.

No entanto, também acredito que os apreciadores do cinema de Charlie Kaufman vão se acostumar rapidamente tanto com o ritmo quanto com a apresentação dos seus temas mais recorrentes aqui. É um filme que destoa do catálogo cheio de sucessos pré-fabricados da Netflix, mas não se afasta da arte produzida por Kaufman.

As camadas de Estou Pensando em Acabar com Tudo

Numa interpretação superficial, o diretor e roteirista parece trabalhar aqui com os contrastes existentes entre o que pensamos e o que externalizamos. Uma eterna disputa entre verdades e mentiras, pensamentos honestos e atitudes falsas, desejos verdadeiros e escolhas convenientes.

São contrastes que criam reflexões mais diretas ao passo que dominam a existência dos personagens. Principalmente, do casal interpretado magistralmente por Jessie Buckley (Chernobyl) e Jesse Plemons (Breaking Bad).

Estou Pensando em Acabar com Tudo

Eles são um constaste ambulante em qualquer aspecto. Ambos possuem conflitos internos particulares na mesma medida que constroem uma relação que, entre prós e contras, não parece se encaixar. Um questionamento que permanece martelando a cada diálogo. Uma complexidade que nunca é resolvida.

Muito pelo contrário. Kaufman usa esse “climão” entre eles como combustível pro suspense, enquanto apresenta seus interiores através de metáforas e filosofias marcantes. Sempre focando nos malditos contrastes, como se eles fossem o verdadeiro guia da relação.

O diálogo sobre o trem de Mussolini (que eu fiz questão de referenciar lá em cima) estabelece a diferença entre seus pontos de vista ao mesmo tempo em que nos mostra o que está acontecendo dentro desses personagens que vivem num constante um duelo contra si mesmos. Seja por conhecerem muito bem sua verdade e não gostarem dessa versão, seja por não saberem quem está realmente por trás das escolhas impulsionadas pela “força da gravidade”.

Nada é mais raro em um ser humano do que um ato próprio. A maioria das pessoas são outras. Seus pensamentos são opiniões de outras pessoas. Suas vidas, um mimetismo. Suas paixões, uma citação.

(Estou Pensando em Acabar com Tudo)

A própria protagonista (que nunca revela um nome verdadeiro) acredita que existe uma espécie de programação que conduz nossa vida e talvez por isso esteja lutando constantemente contra ela. Ou não, já que ela mesma admite suas atitudes coniventes.

O que está certo? O que está errado? O que é real?

Estou Pensando em Acabar com Tudo

Jake, por sua vez, carrega uma melancolia absurda em cada movimento, porém deixa claro que está contendo doses generosas de raiva. O olhar vazio e os desvios de certas discussões são muletas que impedem seu verdadeiro eu de sair do esconderijo. Ou não…

O que está certo? O que está errado? O que é real?

Se nem mesmo a protagonista sabe quem ela é, quem sou eu pra responder qualquer uma dessas perguntas.

Não sei as respostas, mas também não acho que eu precise saber. Até mesmo porque esses contrastes comuns a todos os seres humanos (universalidade no específico, diz ela em certo momento) são apenas a porta de entrada pra uma jornada muito mais ampla por conceitos que habitam nossa mente.

Assim como já fez em diversos filmes, Kaufman coloca os personagens numa situação psicológica extrema pra abrir linhas de diálogo sobre solidão, comodidade, morte, esperança, dependência, alienação, inevitabilidade e mais um porção de ideias. Algumas linhas de raciocínio ganham corpo nas relações forçadas entre a família ou no zumbido do ouvido; outras permanecem presas num âmbito interno, encaixotado pela tela reduzida de Estou Pensando em Acabar com Tudo.

Mas, nesse contexto, você pode se perguntar: “como ele chega a alguma conclusão sem externalizar tudo?”

E a resposta é que Kaufman não chega a um lugar específico, porque entende, como poucos, que uma jornada pela mente não possui rumos calculados. É assim que ele constrói seu filme. Estou Pensando em Acabar com Tudo é tão desconexo quanto nosso raciocínio. Principalmente quando estamos atravessando um momento de grande reflexão.

Estou Pensando em Acabar com Tudo

A produção até pontua algumas coisas que poderiam ajudar a dar sentido ao caos, mas faz tudo nas entrelinhas. Afinal, não existem respostas prontas nesse jogo. Existem apenas suposições que cada espectador pode desenvolver a partir de suas experiências, imaginando que o longa pode ter sido escrito pra si.

Podemos dizer, de certa maneira, que Kaufman só quer colocar as discussões na mesa. Levantar a bola para que nós, espectadores, possamos refletir e finalizar o ataque. Tanto que destrói a quarta parede só pra nos indagar uma vez ou outra.

É possível que tais reflexões não possuam soluções palpáveis? Sim. Na verdade, você pode chegar tanto a uma conclusão que signifique tudo, quanto a uma tese que revele algo próximo de um vazio existencial.

Estamos parados e o tempo passa por nós, soprando como o vento frio, roubando nosso calor, nos ressecando e congelando.

(Estou Pensando em Acabar com Tudo)

É por isso que o diretor abre mão de quase todas as convenções narrativas. Pra libertar o público e conduzi-lo sem amarras pelos tempo e pelo espaço numa viagem que fala, acima de tudo, sobre o nosso vazio. Afinal de contas, mesmo quando estamos com a mente cheia de perguntas, o vazio é quem manda nos seres humanos.

Não é à toa que ele insiste em virar câmera para espaços vazios, montar a abertura com imagens solitárias de cômodos vazios e brincar até mesmo com o vazio sonoro. Observe como Jake não suporta o silêncio. Sempre que a conversa não está fluindo como o esperado ele usa a música como saída de emergência, fugindo desse vazio por alguns segundos.

Mas nós também não sabemos lidar com o silêncio e Kaufman comprova isso com o desconforto causado por cada sequência em que a trilha sonora sai de cena. Ironicamente, esses são os momentos em que nós temos tempo para pensar (o que também pode causar desconforto em parte do público), mostrando como o vazio merece ser valorizado.

Estou Pensando em Acabar com Tudo

Claro que buscar esse incômodo é algo bastante incomum em grandes produções. Logo, vale dizer mais uma vez que, mesmo estando entre os grandes lançamentos da Netflix, Estou Pensando em Acabar com Tudo não possui uma narrativa tradicional com começo, meio e fim marcados por amarrações perfeitamente pensadas. Talvez você nunca entenda quem é o zelador que passeia pelo filme como se esse fosse sua escola e está tudo bem.

Lógico que isso pode afastar muita gente. Afinal, estamos falando de um filme que jamais recorre ao didatismo barato. É como se Kaufman, assumindo uma posição de antítese a Christopher Nolan e sua geração de fãs viciados em finais explicados, fizesse questão de não explicar o que está acontecendo.

Também estamos falando de um longa que prende sua audiência numa peregrinação confusa e lotada de momentos que se arrastam entre reflexões filosóficas e dúvidas metafísicas.

Ele quer fazer um filme que não seja fácil de ver, porque é nessa ausência de compreensão que mora o desconforto e a melancolia que precisam ser transmitidas. Se isso bom ou ruim, eu também não sei. Talvez nem o próprio Kaufman saiba…

E não tem problema, porque o que importa é a reflexão particular que você vai tirar do longa. E, nesse caso, eu posso dizer que Estou Pensando em Acabar com Tudo cumpre sua missão de maneira mais do que belíssima.


OBS 1: Sim, Toni Collette e David Thewlis também estão maravilhsos.


Estou Pensando em acabar com tudo estreia no dia 04 de setembro.

 

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