Dora cumpre a promessa de ser uma boa aventura infantil

Dora cumpre a promessa de ser uma boa aventura infantil 3

Dora e a Cidade Perdida pode não agradar todo mundo, mas cumpre sua proposta de ser uma boa aventura voltada para o público infantil.


Em tempos de pouca criatividade onde literalmente tudo pode servir de material para refilmagens, franquias desnecessárias ou versões live-action, um filme com pessoas de “Dora, a Aventureira” parecia ser, desde o início, apenas mais uma oportunidade de ganhar dinheiro sem fazer muito esforço.

No entanto, por mais que parte dessa preguiça permaneça sendo verdade, o lançamento comprovou que essa era a visão de alguém que nunca havia um único episódio completo da série até então. E a verdade é que, no final das contas, Dora e a Cidade Perdida deixa claro que seria perfeitamente possível transformar aquele desenho educativo em uma aventura infantil bem decente e divertida.

Servindo como uma espécie de continuação para a série animada criada por Valerie Walsh, Chris Gifford e Eric Weiner, o longa começa com Dora embarcando para uma aventura pela cidade grande após os pais partirem para uma expedição arqueológica. Como todos os trailers fizeram questão de entregar, tudo muda quando ela é sequestrada e levada de volta para a selva com companheiros nem um pouco aventureiros no meio de uma missão que mistura resgate e caça ao tesouro.

 

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A premissa é de fato batida e repetitiva, mas o começo do filme já coloca todas as peças no tabuleiro desde o momento em que referencia o material original em forma de piada. Ainda que a abertura abrace as características da animação da maneira mais completa possível, o espectador só precisa esperar dois segundos para ver o roteiro de Nicholas Stoller (As Aventuras do Capitão Cueca) e Matthew Robinson (O Primeiro Mentiroso) entende a importância de tirar sarro com a pegada educativa e completamente infantil que preenche o desenho.

Isso não significa que o texto desrespeita a terra em que está construindo seu universo, porém deixa claro que a protagonista virar para a câmera e pedir para o público repetir uma palavra nova necessita de uma certa “cobertura jocosa” pra se encaixar nessa nova versão. Entretanto, é necessário dizer que ter consciência do seu tom não significa ter consistência, já que o próprio roteiro usa esse mesmo elemento com “seriedade” pouco tempo antes de abandonar todas as piadas relacionadas com a protagonista quebrando a quarta parede.

E esse é só o primeiro indício de que Dora e a Cidade Perdida realmente acumula problemas narrativos quando se trata das motivações que conduzem a trama, da oscilação do humor, do desenvolvimento simplório, do uso exagerado de estereótipos, do abandono de ideias no meio do caminho ou do vilão desenvolvido da maneira mais óbvia possível. Não posso negar nenhum desses escorregões, mas também preciso dizer que alguns desses elementos podem ser perdoáveis quando encarados por um ponto de vista infantil.

 

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Eu tentei me colocar no papel de uma criança durante a exibição para enxergar o longa pelos olhos desse público-alvo que, apesar da Dora estar no ensino médio, não chega nem a ser infanto-juvenil. Dora e a Cidade Perdida é um filme assumidamente infantil que decide não ser rebuscado para agradar a parcela mais importante dos seus espectadores. Isso significa que, mesmo não sendo um exemplo de inspiração dentro do gênero, a maior parte das soluções textuais e visuais condizem com quem está do outro lado da tela.

É fácil aceitar, por exemplo, que uma criança criada com o desenho original pode encarar a sequência onde os personagens animados são utilizados com um easter egg tão incrível quanto qualquer referência que fez seus irmãos mais velhos vibrarem em Vingadores. Isso sem contar que o trecho infantiliza com inteligência aquele momento clássico em que os heróis desse tipo de aventura são “drogados” pelas plantas desconhecidas da selva, acumulando uma função narrativa bem importante. Uma saída que meu “eu adulto” acharia estúpida, mas que funciona dentro dos parâmetros que o filme escolheu focar.

 

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É lógico que alguns dos problemas citados acima permanecem questionáveis em qualquer ponto de vista, porém as motivações bobas, as piadas deslocadas e o desenvolvimento ingênuo se encaixam sem problemas na proposta infantil do longa. São escolhas que dão consistência ao tom e garantem que Dora e a Cidade Perdida não saia do caminho escolhido, reservando algumas poucas fugas para o humor sarcástico típico dos longas de Nicholas Stoller.

Tudo feito de uma maneira consciente e bem equilibrada que, além de aproveitar muito bem as conclusões literais da protagonista, justifica o uso constante das músicas e outras referências ao material original daquele jeitinho que mistura respeito e bom humor com precisão. Apesar de alguns acidentes promovidos pela floresta, essa mesma harmonia também consegue ser alcançada pela direção e pelo elenco.

No primeiro caso, James Bobin (Os Muppets) sofre com os efeitos digitais mal inseridos, a trilha genérica e a mise en scène das sequências de ação, mas possui o timing cômico necessário pra manter o bom andamento do texto. Já o elenco atua completamente no automático, porém abraça o tom meio galhofa com honestidade.

Isabela Moner (Transformers: O Último Cavaleiro) se entrega aos trejeitos otimistas e ingênuos que compõem sua protagonista sem soar idiota demais; Michael Peña (Homem-Formiga) e Eugenio Derbez (Como se Tornar um Conquistador) aderem ao caricato com toques de genialidade;  Eva Longoria (Brooklyn 99) e Adriana Barraza (The Strain) cumprem seus papéis maternais; e Danny Trejo (Machete) e Benicio Del Toro (Escape at Dannemora) completam a brincadeira com o uso no mínimo surpreendente de suas vozes.

 

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Eu sei que a mistura parece estranha, mas existe coerência nas escolhas feitas pelo roteiro, pela direção e pelo elenco. Talvez não funcione com você, já que, como foi dito, estamos falando de um filme descaradamente infantil que exige algum desprendimento da realidade para funcionar entre os adultos. Dora e a Cidade Perdida é um filme bastante específico que, ao invés de mirar em todos os quadrantes, se desenvolve de acordo com seu público.

Então, se você faz parte desse grupo ou se esforça para enxergar como ele em algumas situações, pode se preparar para uma aventura divertida, engraçada e respeitosa que funciona melhor do que o esperado.

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